30/06/2017

pílula da felicidade

A cadeira de rodas dela impedia a minha saída da loja onde se toma café, se compram revistas e jornais, se joga a sorte maldita de nunca se acertar nos números certos, mas hoje era dia de fezada (prima demasiado afastada da fé), e tinha que jogar os dados para criar a infinitésima possibilidade. 
Parei diante dela, que fez tenção de recuar a cadeira para eu passar, e pedi que não o fizesse, pois podia esperar, mesmo não podendo. Uma cara muito negra, muito linda, rasgou-me um sorriso brilhante de pérolas brancas, e pediu para o balcão, logo ali, uma pastilha elástica. 
De morango, especificou. E ele, que podia ter aproveitado o meu braço estendido, cometeu a delicadeza de sair de detrás do balcão para lhe ir entregar a grande e doce encomenda à mesma mão que segurava a pequena e fria moeda. Rejeitando o pagamento, sorriu de volta ao sorriso ainda não desfeito dela que eu entendi meu — quem sabe nunca se desfaz —, e disse 
Não levas nada
e eu entendi que não levava mesmo nada, para o tanto que ali deixava. Foi o instinto — não sei qual deles —, ou foi uma força qualquer que me empurrou para o balcão, para pedir, exactamente, uma pastilha de morango. Paguei-a então com moeda metálica, por ali não deixar nada. 
Já na rua, toda cheia de sol, ouvi-lhe no mesmo sorriso,
Desculpe...
Ora, de quê? 
Se levo tanto. 
Deus, ou outra força qualquer, permita que não ganhe o prémio do jogo esta semana. 


29/06/2017

Não sei se concordo com estas mensagens, mas também, eu sou tão esquisita...


E está uma pessoa no Hospital da Luz, entretida à espera, primeiro de ser admitida, depois de ser chamada, e aquele ecrã das senhas de vez, pim-pim-pim, desconheço como é que se trabalha num local assim e não se chega ao fim do dia com os nervos em frangalhos, devia mesmo ser considerada uma profissão de alto risco, ou desgaste rápido, ou alto desgaste, ou então de desgaste risco, ora se eu só lá estive uma hora da minha vida e é isto, que direi. Assim, de repente, do nada, o mesmo ecrã passa pequenos filmes publicitários, aquilo dos spots, e surge-me aos estupefactos olhos o da Mustela*, logo a minha Mustela, que eu tanto amo e me cheira sempre a bebé meu, a anunciar a sua gama, o leite corporal para bebé, o bebé praticamente nu a ser massajado com o creminho, depois o bebé está efectivamente nu e é uma menina, se não me falha a memória, logo a seguir vem o grande plano da genitália da criança, com a desculpa de se passar ali o tal creme, e a cena dura segundos a mais (dois, três), e, quando todos (?) pensamos que aquilo não pode ir mais longe, então não é que vai?, e ainda há umas mãos cuidadosas que vão espalhar pomada da fralda ali mesmo, onde já havia passado o creme, e são mais dois ou três, ou lá quanto tempo dura a dita operação, de um close up do pipi (que escusado será dizer que é) de uma menina.

Doentes, utentes e outros passeantes do Hospital da Luz: nenhum de vós é pedófilo, verdade?

* Ninguém me paga para me calar. E ainda que pagasse.

Post interdito a machos # 3

As verdades são para serem ditas.
Isto não pode ficar assim.

Hoje vimos aqui falar de sutiãs, aquela peça. Já não é a primeira vez que o fazemos cá no espaço cultural, pelo que já não dói tanto. Lembro-me até de uma vez ter escrito um sentido trecho acerca de dois dos meus sutiãs — um branco e um preto —, que se reproduziram e brotaram no Mundo um terceiro elemento, rigorosamente igual ao branco (Mendel e suas leis têm destas idiossincrasias, não podia o filho ter vindo cinzento?), milagre reprodutor que ainda hoje não resolvi dentro da minha cabeça ou sequer da minha gaveta. 
Ora, acontece que esses dois — que passaram a três — fornicadores, eram fabricados pela Triumph*. E foram caríssimos. Há para aí uma década, custaram 25 paca cada um. (Eu já devo ter sido rica e não me lembro.) A cena de não vestir sutiã preto sob roupa branca nem vice-versa, obriga-me a esta dualidade constante, seja qual for o modelo que adopte. Este ora em discussão, era cai-cai e, como a grande maioria dos sutiãs desse tipo, tornou-se, com o passar dos tempos, um pequeno inferno que cai e cai e puxa as meninas para baixo (como se elas precisassem de desculpas para o fazer, a Natureza é exímia nessas merdinhas), para além de terem uma banda de silicone que se agarrava à pele e a mim me punha numa suadeira de dar dó por um lado, e repugnância pelo outro. O desconforto era tanto que já evitava blusinhas de alças e tops sem alça nenhuma. 
Ora, acontece também que este ano se usa tudo sem mangas, sem ombros, com alças fininhas, ou sem alças. E eu lá sou mulher para andar a exibir a alça do sustentório mamário, ou para aguentar a alça de silicone, que se rebenta, que se solta, que se agarra daquela maneira? (Sim, podeis gozar, sou alérgica ao latex também.) E fui descobrir na Primark** o belo e excelente e único e óptimo sutiã cai-cai, que dá pelo nome de Multiway (porque traz alças, que se podem colocar em paralelo ou cruzado), e custa 7 euros. Eu repito: sete euros. Aquilo põe-se e nunca mais sai do lugar — nem ele, nem as petizas —, ainda que uma pessoa corra, mesmo que salte, até que dance a lambada e a estalada. A sério. Nunca tive sutiãs tão bons na minha vida, nem nunca mais quero ter. É que nem apetece tirá-lo para dormir. (E tomara que não caia.)

(Podia ter ilustrado isto com fotografias, pois podia? Era. Mas os meus, não fotografo por razões óbvias. E as fotos que estão na nettinha são tão más, que resolvi fazer assim, desta vez.)

* Ninguém me paga para me calar
** Ninguém me paga para isto

28/06/2017

And that awkward moment # 30

em que entras numa farmácia pela primeira vez (pois que abriu há pouco tempo), deparas-te com um jovem ajudante, e pedes-lhe uma pomada para as nódoas negras?

E ele fixa o olhar em alvo, sorri, desconcertado, e confirma: "Nódoas negras?". E tu que sim. E insistes: "Nódoas negras". Pausa para observares o pânico-apreensão-incredulidade. Só lhe sai "Mas". E depois, "Mas... como?". "Eu tenho nódoas negras...", dizes, com o ar mais natural que encontras (só faltando desatar a assobiar a melodia d'A ponte do Rio Kwai). "É para si?", pergunta o já esbugalhado aprendiz de feiticeiro. "É. Para as minhas pernas". Depois desta revelação, precisas de mais uma pausa de, vá, milissegundos, para apreciar o brain freeze que provocaste — talvez se questionasse intimamente, Chamo a polícia?  | Chamo a carreta do manicómio, e eles que tragam o colete? | Chamo a Segurança Social? | Quem raios tem competência para tomar conta disto? —, e só depois te sentes com à vontade para lhe contar toda a verdade: "Quando vou ao médico picar os derrames, fico com nódoas negras. Preciso de levar Thrombocid, se faz favor".

[Também podia ter dito que pago a um médico para me espontapear, mas, como depois tenho vergonha das marcas, disfarço-as com pomada.]

Trabalhinhos da trabalheira

Isto também pode ser hormonal ou simplesmente uma cena esdrúxula do meu carácter: queixo-me quando não tenho nada para fazer; queixo-me quando os trabalhos são demasiado grandes para mim (em tempo e capacidades subjectivas para o fazer); queixo-me agora, quando tenho um trabalho que é tão pequenino que mal o vejo. Era usá-los, e teria que pôr os óculos. Podia fazê-lo num só dia, mas hoje vou no quarto dia, e ainda nem a meio cheguei. Tudo me chama para fora dele. (Neste tudo, não cabe o blog, conforme se viu ontem.) Tenho sempre que ir ali, ou acoli, ou então descansar (?). (Mas é que me cansa até à exaustão o trabalho pequeno, o pouco trabalho, o nenhum trabalho, que também existe.) Vou, feitas as contas por alto, levar uma semana a fazer aquilo que, normalmente, me levaria umas seis horas bem esgalhadas. E chegarei a sexta-feira magra (iuhu!) e amarela (há autobronzeadores muito bons) de cansaço, porém louca de felicidade por estar a chegar o fim-de-semana.




26/06/2017

And that awkward moment # 29

em que encontras alguém que conheces e localizas no espaço e no tempo imediatamente, que se te dirige com um, "Olá, ´tá boa?", o mais tio possível, eu-sei-lá-quer-levar-um-estalo?, dás dois dos teus beijinhos que não podes nem deves desperdiçar com qualquer um que te apareça assim à frente, e ele te faz uma pergunta que já te deixa meio baralhada, "A sua mãe?", porque nunca a viu ou sequer ouviu falar nela, mas siga, respondes educadamente, com as sinapses todas em fritura branda, "Lá vai andando...", e é então que ele se sai com a segunda pergunta, que desvenda e revela que tu não és tu: "Sempre ficou aqui?". Ora, o aqui é um hospital, e a tua mãe, felizmente, não se encontra hospitalizada, e é essa interrogação, partida dele, que te diz que ele está equivocado. Então, assalta-te a epifania, atiras o jogo ao chão, borrifas para o você-cá-você-lá, e dizes-lhe aquela frase que praticamente uma vida inteira desejaste dizer a alguém:
- Eu não sou quem tu pensas que eu sou.
E ele responde:
- Prazer em ver-te. 


Um castigo de mulher

Sentadinha na esplanada, curtindo a minha saborosa solidão do momento, único e irrepetível, como todos são, vejo-as passar, cada uma com uma trela, cada uma com um cão na outra ponta dela. Cães dóceis, jovens, com um comportamento normal — de cão. Já ouço uma das duas a ralhar — aquele timbre inconfundível de pratos metálicos a baterem uns nos outros, pautados pela palavra "castigo" — há uns segundos, o que me leva embora para todo o sempre um átomo de sossego, de forma absolutamente imperdoável. [Embora, se não fossem estas almas penadas das sombras da vida, eu não tivesse nada para escrever.] [Merci bien, les fantômes.]
Conheço-as a ambas de as ver passar, e de outros tempos também, em que os nossos — meus e delas — filhos coincidiram na mesma escola.
A voz de comando aproxima-se dos meus ouvidos, dirigida ao animal, que segue, irreverente, preso pelo pescoço:
- Estás de castigo. Deita aí já. E só não vais já para casa porque eu estou bem disposta. [Este era o tom, publicamente assumido, da pessoa no seu modo "bem disposta".] Deita!
Não satisfeita, porém, ainda vociferou para o desgraçado do animal da companheira de passeio canino:
- E tu também estás de castigo.
E eu, como eventualmente todas as humanas ali presentes, ficámos, também nós, imediatamente de castigo.

(Estas pessoas são mães.)
(Qual foi o momento em que quiseram ter um animal? Qual foi o momento em que se chatearam de o ter?)
(Diz-me como tratas os animais...)
(Tenho cada vez mais vontade de ter um cão. Só porque não tenho o direito de fazer um animal infeliz — falta de espaço, duas gatas parvas em casa, hiper-responsabilidade para a qual posso não estar preparada, impossibilidade de o levar para todo o lado e o terror de mais uma perda —, é que não tenho. Se não e senão, era já hoje.)

24/06/2017

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 7

Há uns tempos não largos (estreitos, portanto), adquiri e, por conseguinte, tornei-me proprietária de pleno direito de duas saias na Benetton*, que, volvidos estes dias todos que passaram sobre o acontecimento, ainda hoje não consegui decidir de qual eu gosto mais, como o outro senhor dos dois amores.




De tal maneira que hoje, aproveitando o ensejo dos saldos/descontos/promoções, ou lá que borlas é que começaram (tudo serve de desculpa para a aquisição de traparia nova, até mesmo quando sabemos a priori que os 30% de hoje são os mesmos 30% de há um mês), lá me fui perder de amores por outras duas, quase iguais, o que, parecendo que não, só denota que:
1. Sou fiel às minhas tendências, apesar do leque;
2. Sou de ideias fixas, teimosias ou apenas convicções (mas sei que são férreas);
3. Sou monótona/previsível/chata cumá potassa;
4. Sei o que quero e já não vou em grupos;
5. Sei o que me fica bem, e é só isso que compro;
6. Tenho a PDM que sei o que me cai bem, posso estar cubicamente enganada, mas sou feliz assim;
7. Tenho um estilo muito pessoal, e honi soit qui mal y pense;
8. A minha moda sou eu que a faço;
9. Daqui a, máximo, cinco anos, vou detestar as minhas quatro lindinhas-Verão-2017;
10. Um dia, vou olhar para as pics de mim com elas vestidas e vou corar de vergonha, apagar as pics, rasgar/queimar/furar os olhos às que estiverem em papel. E depois vou comprar outras quatro. 


*NMPPI

23/06/2017

um copo cheio de amor

Existem refeições em que a comida, por muita que seja à mesa, parece nunca ser suficiente: ou porque alguém não lanchou, ou porque está tudo muito saboroso, ou porque está calor, ou porque as hormonas pedem, ou porque estamos todos cansados e a refeição nos aconchega, ou porque está a ser bom estar à mesa, ou até porque sim. 
Estava "só" eu e todos os filhos que pus no Mundo.
O sumo acabou logo que começou a refeição. Só havia para um copo, ele quis reparti-lo comigo, mas cedi-lho por inteiro, porque mais vale um copo cheio do que apenas meio cheio. (Não se considera a possibilidade de copos meio vazios.)
Era uma refeição de comida vegetariana, comprada fora. 
Uma pediu para ficar com um pouco da dose de tofu que havia de me calhar a mim, uma vez que tinha ficado com pouco e não come seitan. Cedi, dei-lhe a maior parte do "meu" tofu. 
Outra disse que estavam deliciosos os bolinhos [de não sei quê], e eu tinha um no prato. Disse-lhe que ficasse com ele, ela que não, eu que ficasse, ela que não. Então, falou ele:
- A mãe já não vai comer o bolinho, é melhor aceitares.
- Come, sim, não come porquê?
- Porque é mãe. — Disseram os olhos lindos e enormes do meu Henriquinho, que me matam as saudades só de olharem assim para mim. 
Estendeu-me então o copo dele, ainda cheio de sumo e amor, pegou no meu, ainda vazio de líquido, e disse que preferia beber água. 


Juro que isto não é uma provocação clubística

Eu só quero perceber.



22/06/2017

~

É por absoluta incapacidade minha — exclusivamente minha — que hoje — dia 22 de Junho —, sou incapaz de chorar os mortos de alguém, e é por isso que tenho passado o dia a rir, e é por isso que vou acabá-lo não sei como.
Amanhã já posso voltar a chorar os mortos de toda a gente.


Eu tenho problemas com médicos # 26

Fui ao dentista. Vergonhosa mas orgulhosamente, só vou uma vez por ano. Mentira, nem isso. Não preciso, nasci com dentes saudáveis, não há nada a fazer contra esta cruz, nem mastigando pedras, nem mastigando vidro (por acaso, nunca tentei). Desta vez, tinha uma prata — que eu ainda sou do tempo das amálgamas de prata (essas, sim, cheias de mercúrio, poluentes e sabe-se lá que mais outros perigos para a saúde pública em geral e para a do ser humano em particular) — rachada, que o dentista dos olhos bonitos achou por bem consertar, qual escultor, qual pedreiro. Para tanto, teve que me anestesiar a boca do lado esquerdo. O processo não foi minimamente doloroso, não fora o facto de me ter obrigado a ficar de boca aberta durante uma hora, o que me desmoeu o maxilar e por um nico não saí para a rua a parecer uma daquelas bonecas, só me faltavam mesmo os bracinhos no ar. No entanto, tanto o meu lábio superior, como o inferior, ao nível daquele lado, paralisaram a ponto de ter deixado de saber onde andavam, sequer se os tinha, ou se os deixara ir agarrados ao drone. Porque eu sei que foi um drone que ele me meteu boca adentro, e se andou a passear na minha cabeça, brrr-drrr-zrrr-prrr. No final da viagem, sentei-me, valentíssima e anestesiada até ao cerebelo, e desabafei: "Ufffa, ffftô fafffta de fftar calada". Depois levantei-me dali, lamentei não poder sorrir como deve ser (tipo de taxa arreganhada até aos molares — e já não até aos sisos porque já não os possuo), ele disse que não se notava nada (haha, boa piada, deve estar habituado ao povo que sai dali a sorrir só com metade da cara), e vim para a rua fazer figuras tristes (finalmente), porque quis beber água pela minha garrafinha, e, de facto, com meia boca, tal só é possível se também quisermos refrescar o colinho. 

(Por acaso, hoje não me apetecia esta coisa de me rir de mim, mas saiu isto, desculpem lá.)


20/06/2017

Estivemos todos tão perto

Nunca a expressão "calor assassino" me fez tanto sentido. 
A sala, arejada como possível, é o espelho de que algures, não muito longe, as brasas ainda encandescem, as chamas ainda lambem árvores, estradas, casas e, agora, gentes iguais a nós. Perdeu-se, sem deixar rasto, a noção de corrente de ar: não há como fazê-la, o que entra pelas frinchas é um bafo quente e impiedoso, um hálito demoníaco.
Estava aquela senhora velhinha, os olhos azuis numa aflição negra, pregados a pregos nas imagens, a atenção toda presa com ferros, suspensa por cinzas no cinzento do desconhecido, quando a enfermeira lhe chegou ao lado e lhe disse que não podia afligir-se assim. Foi num murmúrio daqueles que saem da alma das mães, que tanto e demasiadas vezes saiu da minha, que a ouvi responder, "Mas ele está lá metido naquele inferno".
Quando saí, debaixo de um céu azul que se fez cinzento como cinzas, olhei-o de olhos baixos e perguntei-Lhe outra vez: "Onde é que estás?".
Duas horas mais tarde, soube da morte do bombeiro e, se soubesse rezar, ter-Lhe-ia pedido que não fosse aquele. Como se aqueloutro não fosse, também ele, o filho muito amado de alguém.

19/06/2017

Remember my name


Recebi um presente bonito da Gina, do Dias duma Grafómana. Não fui a única, segundo aviso da própria, mas fui única no momento do flash, pois foi de mim, enquanto Blue, que ela se lembrou, ao disparar [verbo agressivo, que se aplica no contexto fotográfico, mas que se desenquadra nestas circunstâncias]. 
Blue está um pouco por todo o lado, não sei que moda se fez ou se sou eu que reparo mais, desde que adoptei este nick. 
Blue deveria estar muito por todo o lado. Muito mais do que está.
Hoje é o segundo dia de luto nacional, e faz falta muito mais azul. 

18/06/2017

"as mãos no fogo"

ou de como o alinhamento das notícias no cm continua a ser, ele próprio, uma tragédia

17/06/2017

sobrevivência

Ainda não são 10 da manhã e o termómetro já passou dos trinta há muito. A grande gaiola, contendo talvez duas dezenas de pássaros, está colocada junto à parede de um café, debaixo de um telheiro, mas o sol jorra-lhe adentro por toda a zona frontal. Apesar de tudo, parecem-me felizes. Há periquitos, bicos-de-lacre, canários e uma ave pequena, semelhante à rola (codorniz?), convivendo numa relativa e pacífica harmonia. Há muitos ninhos, muitas fêmeas a chocar, um periquito macho a alimentar duas crias que já estão enormes e têm bem idade para ter juízo. (Há pais que não vêem os filhos crescer.) Num poleiro, dois periquitos macho, ambos azuis, namoram, bonitos.
Reparo que não têm água para beber. O bebedouro está seco e existe uma taça de metal, igualmente vazia, no meio do chão da gaiola. O café abre dentro de minutos, mas, se ninguém se lembrar de ir imediatamente dar água aos animais, certamente morrerão todos, até porque nada me diz há quanto tempo estão sem beber. Tenho comigo uma garrafa de água de um litro e meio, que pode não chegar para um dia de praia de duas pessoas. Então, lembro-me que carrego também a minha inseparável garrafinha de meio litro. Abro uma portinhola e nenhum pássaro tenta a fuga. A minha mão entra na gaiola, puxa a taça, e encho-a de água até acima, ficando com menos de metade da garrafa pequena. Volto a colocar a taça e fico a assistir à alegria da sobrevivência, que também toma conta de mim.

xenoamor

O pai é japonês, a mãe é loira. Falam inglês entre si, língua que, provavelmente, descobriram como veículo de entendimento no topo da Torre de Babel. Ela é a japonesinha mais loira e mais linda que algum dia vi na vida. Calculo-lhe uns seis meses de idade e sei que não costumo errar por muito: já se senta muito bem e vocaliza monossílabos. No entanto, ainda está longe do tamanho e robustez dos oito meses, idade da pré-marcha. Acordo de manhã ao som dos sons dela e isso transporta-me para um tempo de saudades que não mais verei. É madrugada, mas era também de madrugada que os meus seis meses todos chamavam ma-ma. Nunca pesquisei sobre o assunto, pois sempre assumi como verdadeiro que a origem de mamã é mama, assim como de papá é papa. No entanto, para a minha japonesinha loira (que só não roubo porque nunca passaria por minha filha, que fique já aqui claro), cuja língua materna é aquela que os pais encontraram no topo da Torre, o que será ma-ma, que não seja mamma, entendível universalmente como mamã? Os bebés, eles sim, inventaram uma linguagem comum, espécie de esperanto, sem barreiras nem desentendimentos. E isto, com meia dúzia de palavras, mono e bissilábicas.

14/06/2017

É verdade que já não foi a minha primeira vez, mas caramba

Fui à praia. Já tinha ido este ano, mas não conta.
Até ia contente, a estrear um bik — embora, má ideia, branco sobre uma pele que ainda não é bege decente —, o percurso foi na paz, apesar de o estacionamento já ter envolvido algumas batalhas, porque eu acho sempre que o meu carro, assim como eu, não cabe em lado nenhum. Mas isso é problema meu. 
Bandeira amarela, mar de gentes a perder de vista, mas eu, ao contrário do carro — que tem a mania que não cabe em lado nenhum —, arranjo sempre lugar num cantinho qualquer invisível a olho nu, mas que, e talvez por isso, até oferece alguma invisibilidade à (quase) nudez em que me encontro. 
No caminho para o mar, meti o pé numa argola qualquer em forma de buraco, caí de gatas e doeu-me logo o orgulho, que ficou feridíssimo. Um joelho esfolado, sem dor, mas com ardor do mar salgado. (Se fosse o Cristiano Ronaldo, esse mesmo que agora parece querer povoar o Mundo mais do que eu, já estavam a accionar o seguro e a bombar na fisio, e cenas.) O pior foi a posição de rabo para o ar, ou melhor, para o povo. Então não podia ter caído no regresso, virada de frente para a plateia? Não, não podia. Isso era se fosse outra pessoa. 
Água gélida, mas o calor da vergonha ajuda à coragem, e vai de mergulhar. Tinha menos um brinco, quando emergi. Comprei-o em Olhos d'Água, uma localidade que o mais belo que tem é o nome. E também tem mar.
Crianças impacientes, pais desesperados. Uma miúda que quis porque sim jogar à bola nos escassos trinta centímetros que separavam a minha toalha da dos adultos que a acompanhavam. (Nunca percebo muito bem os parentescos de alguns grupos.) Uma outra que levou os pais ao limite, incapaz de lidar com os irmãos, e ainda se pôs aos berros, a chorar (?), porque, imagine-se, o pai a pôs de castigo. (Quieta e calada, deitada na toalha, olha a ofensa, olha a violência sobre a selvagenzinha.) Pus-me a pensar que "eles" dão muito trabalho quando são pequenos, mas nada se compara às guerras de nervos do final da infância e da pré-adolescência, que consegue ser mais requintada do que a própria adolescência. 

Em resumo: estacionamento difícil, bandeira amarela, mar de gente, queda, brinco perdido, ambiente incomodativo.
Cômputo geral: valeu tanto a pena. 


13/06/2017

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 50

Ponham-se no meu lugar.
Faz de conta que foram ao supermercado e compraram um queijo manchego. Chegaram a casa e o queijo não estava no saco das compras. Assumiram imediatamente que: 
1. O queijo caiu ao chão, ainda no supermercado, uma vez que vós não usastes carrinho nem cesto, e levastes as compras nas mãos, qual polvo;
2. O queijo ficou esquecido na plataforma, depois de pago.
Sabeis que não vos apetece voltar lá só por causa de um bocado de queijo.
(Tenho a protestar junto da administração do LIDL, aquela coisa de ter que se pagar parque para compras de valor inferior a vinte euros. Já uma vez tive que comprar uma saca plástica porque a minha conta era uma piada de € 19,94, e vá que os dez cêntimos da saca me pagavam largamente o parqueamento.)  
A cena do parque de estacionamento, do elevador, das filas intermináveis no LIDL, etecetera, é o bastante, assim a priori, para vos demover de lá ir reclamar um queijo esquecido, e, ainda assim, com uma alta probabilidade de ninguém se lembrar e vos mandarem chatear o Camões, ao invés de estarem ali a empatar quem trabalha. 
Olhem, não fui. 
Passou-se um dia. Cheios de coragem, fostes verificar a conta e, realmente, havíeis pago a coisa.
Passaram-se dois dias. Foram dois dias de calor, em que o interior do carro atingiu temperaturas de, vá, quarenta e alguns Celcius. (Então em Fahrenheit, upa, upa.)
O queijo apareceu no chão do carro, quarenta e oito horas volvidas sobre o seu desaparecimento. Um pouco derretido, molinho, mas impecável dentro da embalagem. 
Diz na etiqueta que é curado. E velho. 


Assumindo que está ainda mais curado e obviamente mais velho, a grande questão que se agiganta de per si no momento, é: se fossem vocês, comiam o queijo? E se não fossem?

12/06/2017

Ambrósio, [hoje] apetece-me algo [diferente] # 2

Encontrei-a um dia, quando andava perdida. Trazia com ela todos os cabelos desfiados, o olhar pregado a pregos, carregado de tinta negra, ensopada de desgosto, e dizia por todos os gestos que tinha muita vontade de morrer. Só parecia ainda não ter decidido de quê — se de frio, de fome, de calor, ou de sede. Talvez tivesse que ser de uma necessidade básica, que lhe sumiam as forças para que fosse de algum modo épico ou trágico, e não havia uma causa natural que lhe pudesse valer naquela aflição. No peito alojara-se um amor maior, que a consumia da carne ao osso, dos olhos ao coração, do andar à respiração. Nesse dia eu estava médica, e não lhe disse, para que não tivesse esperanças infundadas. Mas percebi que ela estava a morrer-se de coisas muito incorpóreas e incuráveis, uma espécie de desalma — de saudades, de tristeza, de amor desamado. 

A minha pegada ecológica de hoje

Abri a porta de Rosinha, minha canoa, e entrou comigo lá dentro uma mosca. Conduzi-nos às três até Cascais, com o ar condicionado no máximo, drivados da canícula. Deixei Rosinha ao sol durante uma hora e meia e depois voltei, um pouco temerária daqueles estofos de poli-pele (ou peli-pole, ou poli-poli, ou peli-pele, já não me lembro bem dos termos utilizados no stander aquando da aquisição, mas lembro-me que me soou extremamente bem em Fevereiro). Aquilo é coisa para fritar numa polme as pernas quando nos sentamos nos assentos, caso não estejamos a usar calças. Lá dentro haviam de estar uns quarenta e cinco graus à sombra e a mosca saiu a jacto. Nem tive tempo de me despedir da minha companheira de viagem (Zica). Espero que se dê bem com as moscas de Cascais. Teria sido pior se tivesse entrado num avião e fosse parar a um país estrangeiro. Conformei-me com a ideia de que quem não quis regressar a Lisboa foi ela. 

(Por aqui se afere como vai a minha vida, cheia de interesse blogosférico.)
(Por aqui se afere como vai a minha vida blogosférica, cheia de interesse.)
(No entanto, consegui dizer que minha Rosinha tem ar condicionado, estofos naquilo da poli e até faz viagens na A5.)


Adenda ao post anterior

Esqueci-me destes dois personagens:

Por que é que aquele deita a língua de fora cada vez que levanta os alteres? Já não lhe basta ter uma barba gigantesca para que pareça que a vai lamber, cada vez que faz o esforço. Parece um boneco de molas, tipo aqueles frades. 
[Por acaso, foi bonito: levantava os alteres, deitava a língua de fora; baixava os alteres, metia a língua para dentro.]
Coitada daquela miúda, tem o braço cheio de varizes grossas. Ou está sujo de tinta azul? Ai, espera, é uma tatuagem. A Vénus de Botticelli. (Tudo a ver com o cabelo preto e liso dela.) Podia tatuar a de Milo no outro braço. Haha, boa piada, a Vénus de Milo num braço.
[Este ser humano que ora digita merece o Hades. Não, que não há-des.]

11/06/2017

Esforço mental

Naquela passadeira está uma grávida, a caminhar. Vai ter uma menina. 
[Tenho sempre a mania que é uma menina que está dentro das barrigas. No meu caso, só falhei uma vez em quatro.]
Como é que ela aguenta a peruca no ginásio? Aquilo quase nem dá para fazer rabo-de-cavalo...
[É um fenómeno no qual tenho vindo a reparar: as mulheres negras usam perucas de cabelo liso — geralmente, preto —, que hão-de ser suportáveis em muitas ocasiões, mas, no ginásio, a fazer esforços, e com o calor que tem estado...?]
O médico mandou estas duas exercitarem-se, e elas vêm juntas, já exaustas antes de começarem, para não desistirem antes da primeira vez. 
[O "mal" nem está tanto na postura com que chegam. O semblante de quem já atravessou o corredor da morte é assim qualquer coisa de tirar o fôlego a quem já o está a perder de cansaço.]
Socorro, vai rebentar a variz àquele senhor!
[Se já me custa perceber que as mulheres aguentem as pernas com varizes — mas o espírito de sacrifício, próprio do género, pode explicar alguma coisa —, num homem não entendo de todo. Pois, se eles gemem à mínima dor, que se torna insuportável e excruciante em menos de um pum, que direi de varizes? Ah, o medo da operação, é verdade. Podem morrer da anestesia, e cenas.]
Olha que miúda tão gira, e corre tão bem. Não sendo magra, tem um corpo tão bonito. 
[Miúda mesmo, uns vinte anos de idade. (Conforme sabeis, eu não chamo miúda a mulheres dos trinta para cima. Cá preconceitos.) Haja exemplos de pessoas que, não tendo o esqueleto todo à vista, são bonitas, harmoniosas e manifestamente saudáveis.]
Aquele musculado-depilado-bronzeado não pára de olhar em volta, porque precisa de ser visto.
[Este tipo de prototipo deixa-me nervosa. E falam alto, e fazem a comunidade saber que ontem não foram à praia, e hoje também ainda não, dando a entender que estão em síndrome de abstinência da manutenção do seu ar plástico.]
Coitado do jovem, tem a t-shirt tão suada e ainda agora começou. Terá problemas de sudação? Serão as hormonas? Digo-lhe daquilo do botox? 
[Claro que não digo nada. São as hormonas. E eu não sou mãe dele.]
Olha, aquela deu em chicotear o chão com um par de cordas pesadíssimas. Não pode com uma corda pelo rabo, quanto mais içá-las. Sou tão má. 
[Às vezes, os PTs arranjam exercícios tão inúteis quanto parvos. A mim ninguém me põe de gatas nem a dar pulinhos ridículos, quanto mais a agarrar duas cordas da grossura de uma jibóia e sovar com elas o pavimento. Mas isto, cada uma sabe de si.]

Imagino o que pensam de mim, em compensação. 
O que é aquilo?

10/06/2017

Eu tenho problemas com tudo # 25

Havia de ter tirado o retrato à máquina, que era para agora não vir para aqui falar de cor. Ao invés, vou mas é gamar duas imagens à nettinha, que isto também já não dá para tudo.
Ontem fui confrontada com os novos parquímetros da EMEL, e ó, se não são novos, são-no aos meus olhos, e é isso que conta neste coiso. 
Eu ainda sou do tempo em que a pessoa botava a moeda, lia lá na janelinha até que horas é que podia estar descansada sem bloqueador e ou multa, aquilo expelia um papel, e cada um ia à sua vida descansado dela. 

Então havia lá coisa mai linda do que estas máquinas
com ar de República Democrática? 
Depois, lá se puseram com as mariquices da electrónica e inventaram máquinas mais bonitas, mas, tal como dita o preconceito em relação à beleza das mulheres, também mais estúpidas. Ou que têm o dom de fazer com que uma pessoa como eu, sempre desesperadamente à procura da ligação-Terra, se sinta um calhau com olhos.

Era assim quase igual a esta, mas em melhor: tinha um
teclado. Leram bem — um teclado. Não teria sido má ideia
escrever este post directamente na coisa.
Estes novos parquímetros são temperamentais. Vamos supor que queremos estacionar durante um euro e meio. Uma pessoa tenta inserir a primeira moeda e a máquina não deixa. Não abre a goela, que é como quem diz, não solta o travão da ranhura. Naquele ecrã, que com o contraluz é ilegível, existem quatro possibilidades — que correspondem aos quatro botões amarelos —, que não chegamos a conhecer, pois, lá está, não conseguimos lê-las. 
Naturalmente apreensivos, mudamos de máquina, pois até equacionamos que aquela está escangalhada dos nervos. 
Então, a cena repete-se na seguinte. Mas, supreendentemente, há um momento aleatório, após termos carregado em todos os botões e experimentado mesmo o tal teclado, em que a ranhura se abre. Atiramos lá para dentro uma moeda, e ela cospe-a. Voltamos a tentar, e ela retém-na, mas fecha a ranhura. E nós queremos meter mais uma moeda. Só que isso já a bonita não deixa. Então, fazemos sair aquela moeda retida, lá através do botão vermelho, e, receosos de que no-la engula e já não nos deixe pôr mais outra, o que é que fazemos? Pomos uma de valor superior, para prevenir a possibilidade de ela só aceitar uma moeda de cada virada. Parece mesmo uma slot, só que com a diferença de não dar trocos nem jackpots. 
Foi assim que deixei quatrocentos mil réis dois euros — [!!!] — na chula proxeneta agiota, ontem. 

09/06/2017

Post about posts

Não sei se com as outras pessoas que têm blogs acontece o mesmo que comigo, mas não só os rascunhos se multiplicam a uma velocidade estonteante, como também tenho sempre o rascunho rascunhado, o rabiscado que nunca vê a luz do dia, que é como quem diz, que nunca salta para outros olhos que não os meus: o que é editado vezes sem fim, alterado, limado, podado, acertado e nunca parece estar bem — bem, ou com requisitos mínimos para ser lido sem ter cara de lixo logo ao primeiro minuto de publicação. Acontece mesmo gostar dele, mas não ter coragem, paciência, tempo ou disposição para o parir, e então ali fica em gestação dias, semanas, meses, até que um dia é apagado como se nunca tivesse existido. São 93, neste momento, a contar com este, que também já foi começado hoje de manhã. Fiquei aqui a ler um outro, que está rascunhado há vários dias, escrito com o meu próprio sangue, guardei e fechei o computador. Ser cada vez menos anónima tem destas coisas: a liberdade, senão literária, pelo menos linguística, a da expressão escrita pura e dura, perde-se numa proporção tão grande que, o que sobra do que se pode dizer sem ficar a parecer, é uma ínfima parte da criação, é um quase nada de nós. Nem as metáforas nos podem valer.

(yey, também consigo escrever um post-pastilha-pastelão)


08/06/2017

Ela fala tanto # 15

E outras vezes tão pouco.
O que fazer a uma pessoa que trabalha na tua casa há dezanove anos, que já viu nascer — não literalmente — dois dos teus filhos, que é (quase) mais um elemento da tua extensa família, e que amua? 
Se já não é a Miss Simpatia, e anda de carona fechada na rua — queixando-se que os vizinhos não lhe dão boa tarde, pois pudera, se os meus vizinhos são praticamente todos mal educados, diante daquele semblante, até eu, que pareço uma candidata à Câmara, preferiria virar a cara para o outro lado —, a facilidade com que amua, e assim fica por dias seguidos, é coisa para me fazer sentir não a mais na minha casa, mas com ganas de a pôr a menos a ela. 
Por exemplo, hoje: disse-lhe que não passasse a ferro uma t-shirt que tenho, decote em barco, que o ferro fez com que ficasse decote em navio porta-aviões, um autêntico desassossego, cai a manga, cai o decote, cai nas costas, cai tudo, e só não revela nada de importante porque, ou só alargou no decote ou é muito estúpida (refiro-me à t-shirt). Já ficou de cara torta, porque dizer-lhe que o ferro deu cabo de uma t-shirt é o mesmo — para ela — que dizer-lhe que fez de propósito para me dar cabo dela, por maldade, inveja, ou sei lá o quê, de uma porcaria da Zara* que me custou 5 euros. 

Imagem obviamente gamada
Eu digo: Estas blusas — porque tenho mais duas semelhantes — não podem ser passadas a ferro, menos ainda com ele tão alto. Esta já está com o decote alargado a um ponto que não posso voltar a usá-la. Ou então, isto deve-se à qualidade Zara. 
E ela ouve: Estragaste-me esta blusa, que foi caríssima, porque, de maldade, ligaste o ferro no máximo, só para eu não voltar a usá-la, logo esta, que é a minha preferida e me fica tão bem.
É que só pode. Ainda, parva, lhe dei a dica da falta de qualidade da roupa da Zara — quando disse qualidade Zara, era uma ironia! — para a desculpar de uma culpa que ela, obviamente, tem — canso-me de lhe dizer que não use o ferro no máximo para tudo —, e ainda a tenho de bezerra durante os próximos dias — que, no caso presente, serão só dois, a contar com hoje: outro dia avisou-me que, para a semana, vai de férias durante uma semana inteira, e eu caí para o chão — não literalmente, também —, indecisa entre o pânico e o alívio. Devia ter amuado, era o que era.

* ninguém me paga para me calar

07/06/2017

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 6

Tornei-me proprietária de um biquíni belíssimo, cuja marca escuso de esconder, porque é mais do que evidente, mas não é isso que me traz aqui, porque ninguém me paga para isto. Não sei se foi porque, alapado àquele, veio outro, igualmente detentor de uma beleza estupidificante, a verdade é que me foi oferecida uma garrafa térmica daquelas, assim, como hei-de explicar?, térmica. 



Havia de dois tamanhos e em quatro padrões, mas eu encrencei que havia de trazer igual ao padrão de um dos biks, e por isso trouxe a mais pequena, que era a última, e era a de exposição, mas era aquela e era aquela e a menina queria, e acabou-se. (As outras eram um bocado feias. Havia uma de camuflado da tropa, há-de ser para quando uma pessoa vai para a semana de campo, poder beber água ou absinto, às escondidas dos camaradas, no meio do matagal.)
É claro que, logo após estes embates estetico-estratégicos, qualquer pessoa entra em meditação profunda. E é que dei comigo, no caminho de regresso daquele afã que tinha acontecido no provador (quatro partes de cima e quatro partes de baixo, o ser humano já não vai para novo e estão muitos graus de temperatura atmosférica), a pensar que, na verdade, a almejada garrafinha só me trará problemas. Porque:
1. É igual ao biquíni, mas eu não uso o mesmo todos os dias (ou não fora eu uma verdadeira blogger), portanto, o matchi só se dará uma vez lá de quando em vez;
2. Só tem capacidade para meio litro, o que, num dia como hoje, marcha em cerca de alguns minutos;
3. Dita-me a já vasta experiência que a tampa destas garrafas é uma pequena prova de nervos (e os meus são bastante frágeis), porque o raio da rosca tem pacto com o Cão e, uma vez desenroscada, é preciso fazer uma concentração mental extremamente cuidada e esperar que os astros se alinhem, para que as riscas da rosca se reencontrem e a garrafa fique fechada;
4. Se descurarmos a higiene da garrafa por mais de dois dias, ao terceiro dia podemos afirmar com alguma propriedade que já metemos a boca numa ETAR;
5. A higiene da coisa inclui escovilhão, detergente e água quase a ferver, fora um par de mãos (não vai à máquina) que se preste ao serviço.
Acho que trouxe para casa uma carga de problemas, como diz o povo. O melhor é ir para a praia e esquecer-me da garrafa na arrecadação, ao lado de uma colecção delas, que um dia serão vendidas na feira da tralha, ou recicladas no ecoponto amarelo.
Mas não é linda?

06/06/2017

Eu tenho problemas com tudo # 24

Não sei se sou só eu, e se calhar até sou, porém acontece que com a minha peculiaridade já eu me habituei a lidar, mas custa-me muito sentir-me realmente lavada com essas espumas de banho em gel que agora aí se vendem com cheiro a comida. A de chocolate é coisa para só ter cheirado uma vez na vida, por curiosidade daquelas que matam os gatos, mas depois ele há uma panóplia extremamente variada de aromas que, oh tormenta!, se hão-de transformar em sabores, ou não fôramos nós um pouco gatos, lá está, e não tivéssemos uma irreprimível vontade de nos lambermos após uma banhoca que nos põe a pele a cheirar a tais odores. Vai do jasmim e manga ao leite e amêndoas, passando pelo leite e mel, coco [vá, sem circunflexo], laranja, pistachio e magnólia, frutos vermelhos, oliva [azeitona? Really?], iogurte e mel, framboesa, baunilha, romã, papaia, kiwi e uva, e já me cansei. Mas também não posso deixar de referir o já velho aveia, mas que raios, aveia? Uma pessoa lava-se com aquilo e, na verdade, não se sente lavada. Mas quem é que quer ficar a cheirar a um cereal que regula o intestino, pejadinho de glúten? Hum? 


Para quando o aroma brócolo e couve roxa? Ou o pepino e [era engraçado, mas não é esse que vou sugerir a combinar] beringela? Ou couve-flor e beterraba? Será o passo seguinte, o gel de banho aroma a pezinhos de coentrada? A favas com chouriço? A salmão à lagareiro?
Oh, senhores das marcas, se sois tão amantes da Natureza, ficai-vos pelo pinho, eucalipto, rosas, jasmim e outras florzinhas igualmente cheirosas. Se quereis ser originais, ide até ao jacarandá — que tem feito as alegrias visuais nesta cidade de tapetes lilases pintada e carros barrados a cola de contacto com aquela frágil flor lilás —, ou até às ervas aromáticas, que tão bem cheiram. Mas, por favor, desisti de nos tentar fazer cheirar a mosto, a moagem, e, em geral, a tudo o que engorda e ou nos põe a cheirar a comida. 
Mais vale uma pessoa não se lavar, se é para isto. 


05/06/2017

Feira do Livro a um domingo é bom para pagar uma promessa

Tinha mesmo que lá ir ontem. Havia um evento muito importante, ao qual não podia faltar, nem que chovessem picaretas, canivetes, cats and dogs. Este ano, ano de todas as surpresas e fugas à regra, não vai chover durante a Feira, apostamos um jantar? Diz que Feira do Livro sem chuva não é Feira, mas olha, este ano não há. Uma ventania de arrancar os dentes pela raiz, mas lá chuva é que nada. Não sei como é que ainda não começaram a voar livros e o céu não se fez de papel com letras. (Ai, que imagem tão blogger, vou já registar.)

Não só não há chuva, como também não há mapas da Feira propriamente dita — nem desdobráveis, que uma mulher que se preze não sabe ler, nem em forma de cartaz (pelo menos, em número suficiente, tipo um a cada dois metros). Ou melhor, há uns mapas, mas apenas dizem onde se come, onde se bebe, onde se defeca e onde se muda a fralda à petizada.
Também não há balcão de informações, ou então está muito bem camuflado sob as ervas. A pessoa adentra-se no recinto e, se se perde, está irremediavelmente desaparecida do Mundo para quase todo o sempre, tipo Deserto do Kalahari. Assim estive eu ontem, por cerca de meia-hora. (E foi um sarilho tão grande sair do labirinto humano-barraqueiro e ser encontrada por quem eu procurava, que está decidido que, para a próxima, vou de tocha na cabeça.) Se vai à procura de uma editora, não sabendo muito bem (nem muito mal, na verdade) onde é que ela se encontra, primeiramente é sugada pela compacta multidão que sobe e que desce o Parque a passo de funeral, incluindo carrinhos de bebé e crianças dos mais variados tamanhos pela mão. Procura a dita editora, sob o sol a pino entranhando-se-lhe pelas vistas, indecisa entre tentar ler as mensagens que chegam a chico-smart a cor-de-rosa | Onde estás? | Estás no lado oposto da Feira | Eu disse-te lado esquerdo |, ou meter os óculos de sol pela cara afora, evitando cegar de excesso solar ou de raiva incontida. Vê uma placa a indicar "Informações", cuja direcção vai dar a nada [I'm on the road to nowhere], e pondera desistir de tudo e tornar-se sem-abrigo.
Também não vi um único encarregado-funcionário-nadador-salvador de apoio aos perdidos e não achados (como o ser humano que ora digita), para uma pessoa pedir socorro-acudam-ó-da-guarda, ou então guinchar que está perdida.
E, nas diversas barracas, ninguém sabe onde fica o que procuramos, provavelmente porque também não sabe onde está.
Igualmente, não há casas-de-banho em número suficiente: do lado esquerdo de quem desce, há apenas uma, junto ao Marquês de Pombal, o que torna a aflição algo de mais agudo épico trágico, caso se tenha entrado pelo alto do Parque. É correr, minha gente, é fazer pela vida, preferencialmente por detrás das barracas, senão já não ides a tempo, que aquilo ainda são uns bons seiscentos metros. E depois, ainda ides dar com uma filinha pirilau à porta da das senhoras. Hah, boa piada.
Outra coisa que também não há ao domingo: gente que compra livros. Ele é cerveja, ele são hambúrgueres, ele é ginja de Óbidos. Mas livros, propriamente ditos, isso já não. Vêem-se passar muito poucas pessoas com sacos na mão, a generalidade do povo simplesmente não pára nas bancas. Sabem que vão à feira, mas não sabem que vão à Feira.

Conselhos de borla: evitem o fim-de-semana; levem sapatos baixos, garrafa de água, óculos de sol, protector solar, pára-vento e, para os mais prevenidos, o guarda-chuva (por causa das picaretas). Quanto ao mapa e ao penico, pois, também não posso tudo, que eu sou só uma e vocês são muitos — que é o que eu digo aos meus filhos.


03/06/2017

And that awkward moment # 28

em que estás a acabar de almoçar num local onde os donos do espaço te conhecem e tratam por tu, pedes, para sobremesa, umas cerejas, que ele garantiu estarem daqui [e fez aquele gesto tão português de quem acaricia/repuxa/arranca o bolbo], ele traz-te as cerejas, lindas, escuras, gordas, suculentas, acompanhadas de cubos de gelo, aquilo tudo muito estético e apetecível, e, quando te põe o prato à frente, profere a seguinte frase: Arrebenta com o pacote de açúcar?


Assim.
Arrebenta com o pacote de açúcar.
Isto, tendo em conta que nunca pus nem vi pôr açúcar nas cerejas — nem mesmo naquelas mais branquinhas —, foi coisa para me ter feito parar a boneca. Tornou-se-me impossível desligar da frase, por mais que incluísse as duas últimas palavras: as quatro primeiras já eram suficientemente confusas, inesperadas, descontextualizadas. Matava-me a curiosidade de lhe perguntar o significado, por muito que se tivesse tratado de um engano, ou por muito encriptada que fosse a expressão, mas abstive-me, e lá comi as cerejas, calada, baralhada, mas vertendo lágrimas daquelas boas, que uma mulher também não é de ferro. 

02/06/2017

Selinho Blog em Bom — as escolhas de Blue, Linda Blue

se é "selinho", é selinho até ao fim

Tenho muita pena de não poder pregar com aquele autêntico alfinete-de-peito — da criação altamente rephynada de inigualável Palmier — na lateral da minha alegre casinha, tão modesta quanto eu. Fá-lo-ia do lado esquerdo, pelas óbvias razões de ser aí que pulsa o que de melhor há em mim, apesar de os médicos não concordarem. (E também algumas pessoas não médicas.) No entanto, soube, após informação dada pela Mirone a dúvida alevantada pela NM, que apenas os eleitos pelo mentor deste mega movimento, Pipoco Mais Salgado, o podem fazer. 
Entrementes, há que escolher qual seria o meu blog, se o desgraçado fosse um Blog em Bom. Ora bem.
...
...
Se o meu buraco fosse um Blog em Bom, perguntam-me vocês e questiono-me eu sem cessar, desde que ontem a Nê me pôs nesta alheira.
Então,


seria este.
Ai, não posso? Mas quer dizer, este é à minha medida, é o único que eu consigo escrever, umas vezes com sangue, outras (quase todas) com suor, muitas com lágrimas (de riso e tudo).
OK, escolho outro. 
Também podia ser o da minha irmã. (Queríeis link? Olha...) Mas fazia-me sentido, para já porque não a homenageei no Dia dos Irmãos (sorry, sis, acho que tive um dia daqueles, mas gostei muito da tua singela homenagem às irmãs). E depois, porque ela tem um blog mesmo em bom: leve, alegre, sem os meus dramas de merda de vez em quando.
Acho, sem certezas, que também não se pode nomear quem nos nomeou, à laia de Casa do Big Brother, porque aqui não sai ninguém desta Casa, a menos que pelo próprio blogopé. Estás safa, Nê.
Vá, como não me apetece dar mais de mim do que já dei até agora, vou falar a sério: eu só queria escrever como a minha flor, eterna madrinha deste nick Linda Blue desde que ele existe. A forma como entrelaça as palavras rasga-nos o coração em mil bocadinhos bons, e depois, artisticamente, volta a pô-los todos no lugar, sem deixar marcas das que doem quando o coração se escaqueira. 
Quanto aos cinco, vou ali ao meu reader e já volto. Estou a tentar não repetir nomeados, o que não é fácil. Parece que nos movemos num blogoberlinde, e quase todos os que lá tenho já foram escolhidos por alguém. É no que dá chegar sempre tarde às festas. Já só posso rir-me do final da anedota, não porque lhe ache piada, mas porque as gargalhadas dos outros me contagiam como a praga. 

[Passado um bocado]

Só devia escolher homens, para ser original. 
[Ai eu já pensei mandar pintar o céu 
Em tons de azul, pra ser original 
Só depois notei que azul já ele é 
Houve alguém que teve ideia igual]
Mas isso já eu sou, mesmo não fazendo nada por isso.
Então, vá:
https://desabafosemrodape.wordpress.com/
http://www.diariodopurgatorio.com/
http://porquehojemeapetece.blogspot.pt/
https://naomudesnunca.wordpress.com/
http://carenciasefectivas.blogspot.pt/
(Safaste-te de boa, Piston.)
(E tu também, Caladinho.)
(E também tu, Mr. Peixinhos.)


Ainda antes do post do selo

Apercebi-me agora que ontem publiquei o meu dois milésimo quingentésimo post. Dois mil e quinhentos. Só para que conste. 

01/06/2017

Respeita a criança

Fui à Feira do Livro no Dia Mundial da Criança.
Ela levou-me, como se fosse minha mãe. Como não tem idade para ser, é minha filha. 
Cheguei ao recinto cheiinha de vontade de fazer chichi. Disse uma, disse duas, disse três, até que ela protestou, e com muita propriedade: "Que horror, mulher, pareces uma criança. E eu ainda nem comecei as colónias". (Porque ela é monitora de colónias de férias, de entre outras valências que tem, minha rica menina, e atura os filhos dos outros como ocupação sazonal remunerada.) 
Comprei três livros, como uma pessoa extremamente erudita, que vieram juntar-se a mais uns quantos da colecção Baby Blues. 
Consegui fazer chichi num contentor muito limpinho, e depois deu-me a fome. Havia muitas coisas para comer, que me lembraram a Feira Popular, que era a coisa que eu mais adorava [era o vinho, meu Deus, era o vinho], só que, em vez de cheirar a sardinhas, cheirava a hambúrgueres de vaca, iguais aos que a minha mãe fazia. (Isso e leite creme, eram as únicas coisas que a minha mãe sabia cozinhar, minha querida mamã.) Apeteceu-me um pacote de pipocas e escolhi um que tinha umas quantas coradas de cor-de-rosa, porque os olhos também comem. (E não engordam, ao que parece.) Entornei uma parte do pacote para o chão e para dentro da mala e fiquei tão desconsolada que a senhora me deu outro. Nunca vou saber usar carteira de senhora sem que me aconteçam mil desastres e esquecimentos com ela. Não sei como, nunca fui roubada.
Sentei-me muito direitinha numa cadeira, a ouvir umas senhoras a falar, enquanto me dava o vento pela venta sem pêlo e via as pessoas crescidas a passar, todas com um ar muito sério ou então curioso. 
Voou ao meu lado um balão azul, mas não o fui apanhar, porque me lembro muito bem do barulho que os balões fazem a rebentar e tenho medo. 
Que saudades da minha chupeta. Usei-a até entrar no liceu.

Viciada em bebés # 3

Eram um macho e uma fêmea, tidos como irmãos de adopção por terem nascido em datas próximas. Eu, que sou toda Eça, antevi-lhes uma relação feliz e eterna, e em nada fraterna, mas isso sou eu, que ainda acredito. Ele corria, desenfreado, pela sala, escondendo-se nos cantos, de toda a gente — nomeadamente de mim, que o perseguia para o agarrar e mimar —, de si mesmo, da sua sombra e da própria cauda, numa atitude tão típica dos gatinhos. Ela, bastante mais pequena, apesar de ter nascido apenas três dias depois, dormia, desenfreada também, enrolada numa rodela, numa atitude tão típica dos gatos. Mesmo assim, quieta, a contrastar obviamente com o irmão/futuro namorado, era uma lufadinha de ar fresco em todo o enorme espaço, tão pequenina. Exigiu-me o meu egoísmo que a pegasse com as mãos, nos braços, para sentir o corpinho junto da minha cara, nem que, para isso, tivesse que a acordar. Raptei-a um pouco do ninho que formara entre as ancas de uma senhora e de outra, aconchegada de almofadas, calor e afecto, e senti-lhe o tamanho, o peso sem peso, um montinho de pequenos ossos, pêlo, garras e bandulho de bebé. Inspirei-a e devolvi-a ao sono e ao berço, consolada.