Ainda não montei a árvore de Natal, mas já a comecei. Comprei a primeira prenda, ontem à noite — para mim. Na minha casa, as prendas põem-se na base da árvore, que é um tripé de plástico bastante mal enjorcado, e que convém tapar rapidamente (na verdade, ninguém se importa, mas eu sim). Aquele tripé chateia-me porque não me cheira a resina. E o Natal não me cheira a resina desde que tenho uma árvore artificial, a imitar um abeto.
Nós fazíamos a árvore num pinheiro, altamente negociado com os vendedores ambulantes sazonais, e transportado rua acima, uma a agarrar o topo, a queixar-se que a caruma picava, a outra a agarrar no tronco, a queixar-se que tinha as mãos (ou as luvas de lã, porque estava sempre frio — dantes, em Lisboa, fazia frio em Dezembro) cheias de cola, mal sabendo que é, precisamente, com a resina que se fazem as colas. Depois roubávamos pedras da calçada portuguesa, metíamo-las dentro de um vaso grande e espetávamos lá o pinheiro, a cheirar a Natal durante um mês. Como devolvíamos as pedras à calçada depois do Ano Novo, talvez não fosse bem um roubo, mas sim um furto com reposição natural da situação, ou um empréstimo forçado (por uma boa causa).
Nem umas nem outra das árvores da minha vida foram de bases muito sólidas. Mesmo com as pedras todas, era comum o pinheiro tombar, normalmente durante a noite — porque, conforme se sabe, o Pai Natal faz incursões uns dias antes do 24, e, como é desastrado e gordo, desarruma tudo. Principalmente, se se tratar de apartamentos, como forma de vingança, por não ter uma chaminé por onde descer.
Nem umas nem outra das árvores da minha vida foram de raízes profundas: na verdade, os pinheiros eram ramos de pinheiro adulto, por imposição legal para evitar a selvajaria do desarboramento. E esta árvore artificial que tenho agora, não cria raízes, nem que eu a deixe todo o ano plantada no chão da minha casa.
A copa das árvores parece simbolizar o topo, numa escala hierárquica.
No topo de uma árvore genealógica, encontram-se as pessoas que deram origem a todos os ramos que a compõem.
Na vida, e principalmente na vida de uma árvore, a origem está na base, a importância está nas raízes — sem as quais todo o resto da árvore não existiria: qualquer daqueles ramos, até ao topo, teria a sua vida comprometida, ou inexistente, sem a existência, o vigor — a vitalidade — da raiz da árvore a que está agarrado, por dela fazer parte.
Por isso, este ano, comecei a árvore de Natal por baixo — mesmo antes de ela "nascer", alimentei o seu ponto mais importante: a raiz — eu.
É esta, a minha prenda para mim. (imagem tirada da net, que a minha prenda está embrulhada a preceito) |