Tive, em tempos, uns óculos de sol que faziam de mim a gaja mais gaja da minha paróquia, quer eu frequentasse a missa, quer não, e eu não queria.
(Cruzes, credo, lagarto-lagarto, lagarto és tu, que eu sou águia, vermelha até ao osso)
Aquilo era um fenómeno extra-extraordinário — eu aplicava os óculos no belo rosto e tcham, um arraso de figura, uma coisa de nem eu própria aguentar de xitex, a ponto de marrar contra os espelhos, na vã tentativa de me autoabraçar e beijar e sabe-se lá o que mais que o vidro espelhado impedia, porque, como já por demasiadas vezes confessei não sei se aqui, se algures, se às paredes ou noutro lado qualquer, os meus momentos homossexuais mais agudos e exclusivos deram-se comigo mesma, em automirex, ora de soslaio, ora de rabujo, ora de ladex, ora de frentex.
Um dia, à força de tanto usar os meus amados óculos para repuxar a cabeleira não sei para aonde, eles morreram, partindo as duas hastes, e gritando-me, em silêncio, "Eu não sou uma bandolete, genitais!".
E eu vivi cá na Terra sempre triste, a partir desse fatídico.
E não mais usei óculos de sol na minha vida, pelo que, um destes dias, ou espeto uma seringa de botox no meio das sobrancelhas, ou passo a ser o sonho erótico de qualquer tarado que se preze, tamanha passa a ser a proeminência do pipi que apresento no meio do sobrolho. Será que, nessa altura, everybody will look me in the eyes?
Asfixiada de saudades dos meus oculinhos, fui à Grandoptical procurar, não iguais, mas semelhantes, com a séria intenção de iniciar a amizade ou algo mais.
Fui-me à parede onde estavam expostos os óculos de sol, mas não vi a marca dos meus — Dior.
Foi quando se iniciou o diálogo com a funcionária a quem me dirigi, que me levou a uma única conclusão (deixava para o fim, está bem? É uma conclusão):
- Boa noite. Diga-me uma coisa, que eu não estou a perceber: por que é que têm óculos daqueles de ver... os de ver coisas... [paragem de boneca, típica minha]... os de sombra... [porra, a riqueza vocabular só atrapalha. Sombra por contraposição a sol, tá?]... ou melhor, por que é que têm óculos Christian Dior para pôr lentes e não têm de sol?
- Temos... e só lhe digo uma coisa: a colecção deste ano está qualquer coisa de surrealista [segunda paragem de boneca minha, esta por conta da informação recebida, de chofre, e imediata associação com o movimento surrealista, mas disso ela não teve culpa]. Eu já tive vários ataques epiléticos por causa dela [terceira paragem de boneca, por imediata associação com essa doença tão séria que é a epilepsia].
- Eu não queria ter ataques, mas, já agora, via a colecção...
Dirigiu-se à parede e constatou:
- Ah, são os únicos que não têm flyer [a minha boneca já estava de tal forma empedernida que, mais vocabulário abstrôncio, menos dislate, já me era indiferente. Ela queria referir-se ao letreiro que encimava o expositor].
A dita colecção era, simplesmente, pavorosa. Eu punha qualquer daqueles óculos na cara e ficava o John Lennon, mas se nunca tivesse sido assassinado, ou seja, como ele seria actualmente. Imagine...
- São todos tão feios...
- Esta colecção é outro mundo, é uma coisa muito à frente...
Pá, a gaja é blogger. Mas ca raio de linguagem metafórica é aquela?
Foi esta a conclusão a que eu cheguei, depois de ter sido brindada com tantos recursos linguísticos seguidos. Nem eu, que uso metáforas até para perguntar ao merceeiro se tem tomates, tenho uma linguagem tão rebuscada.
Livra. Vade retro, ou vá de metro.