31/05/2015

Eu só escrevo textos e posto-os, a blogger és tu, maluca.

Tive, em tempos, uns óculos de sol que faziam de mim a gaja mais gaja da minha paróquia, quer eu frequentasse a missa, quer não, e eu não queria.
(Cruzes, credo, lagarto-lagarto, lagarto és tu, que eu sou águia, vermelha até ao osso)
Aquilo era um fenómeno extra-extraordinário — eu aplicava os óculos no belo rosto e tcham, um arraso de figura, uma coisa de nem eu própria aguentar de xitex, a ponto de marrar contra os espelhos, na vã tentativa de me autoabraçar e beijar e sabe-se lá o que mais que o vidro espelhado impedia, porque, como já por demasiadas vezes confessei não sei se aqui, se algures, se às paredes ou noutro lado qualquer, os meus momentos homossexuais mais agudos e exclusivos deram-se comigo mesma, em automirex, ora de soslaio, ora de rabujo, ora de ladex, ora de frentex. 
Um dia, à força de tanto usar os meus amados óculos para repuxar a cabeleira não sei para aonde, eles morreram, partindo as duas hastes, e gritando-me, em silêncio, "Eu não sou uma bandolete, genitais!". 
E eu vivi cá na Terra sempre triste, a partir desse fatídico.


E não mais usei óculos de sol na minha vida, pelo que, um destes dias, ou espeto uma seringa de botox no meio das sobrancelhas, ou passo a ser o sonho erótico de qualquer tarado que se preze, tamanha passa a ser a proeminência do pipi que apresento no meio do sobrolho. Será que, nessa altura, everybody will look me in the eyes

Asfixiada de saudades dos meus oculinhos, fui à Grandoptical procurar, não iguais, mas semelhantes, com a séria intenção de iniciar a amizade ou algo mais. 
Fui-me à parede onde estavam expostos os óculos de sol, mas não vi a marca dos meus — Dior. 
Foi quando se iniciou o diálogo com a funcionária a quem me dirigi, que me levou a uma única conclusão (deixava para o fim, está bem? É uma conclusão):
- Boa noite. Diga-me uma coisa, que eu não estou a perceber: por que é que têm óculos daqueles de ver... os de ver coisas... [paragem de boneca, típica minha]... os de sombra... [porra, a riqueza vocabular só atrapalha. Sombra por contraposição a sol, tá?]... ou melhor, por que é que têm óculos Christian Dior para pôr lentes e não têm de sol?
- Temos... e só lhe digo uma coisa: a colecção deste ano está qualquer coisa de surrealista [segunda paragem de boneca minha, esta por conta da informação recebida, de chofre, e imediata associação com o movimento surrealista, mas disso ela não teve culpa]. Eu já tive vários ataques epiléticos por causa dela [terceira paragem de boneca, por imediata associação com essa doença tão séria que é a epilepsia].
- Eu não queria ter ataques, mas, já agora, via a colecção...
Dirigiu-se à parede e constatou:
- Ah, são os únicos que não têm flyer [a minha boneca já estava de tal forma empedernida que, mais vocabulário abstrôncio, menos dislate, já me era indiferente. Ela queria referir-se ao letreiro que encimava o expositor].
A dita colecção era, simplesmente, pavorosa. Eu punha qualquer daqueles óculos na cara e ficava o John Lennon, mas se nunca tivesse sido assassinado, ou seja, como ele seria actualmente. Imagine...
- São todos tão feios...
- Esta colecção é outro mundo, é uma coisa muito à frente...



Pá, a gaja é blogger. Mas ca raio de linguagem metafórica é aquela?
Foi esta a conclusão a que eu cheguei, depois de ter sido brindada com tantos recursos linguísticos seguidos. Nem eu, que uso metáforas até para perguntar ao merceeiro se tem tomates, tenho uma linguagem tão rebuscada. 
Livra. Vade retro, ou vá de metro.


Resolvi uma dúvida. E, no entanto...

Vim há pouco da Nespresso do Colombo, a tal que tem estantes com cinco metros de altura, cheias de caixas que me punham a pensar. Perguntei ao rapaz que me atendeu se as caixas lá de cima estavam todas vazias. Por momentos, achei que ele fosse leitor do meu buraco (a pessoa está pior dos nervos), drivados ao sorriso cheio de significados que me lançou, antes de responder Sim, estão todas vazias. 
Acabaram-se-me as dúvidas, as conjecturas, as ânsias e, no entanto, sinto-me muito mais pobre. A riqueza informativa pode bem corresponder à pobreza criativa.

30/05/2015

E quando foges a um estereotipo e acabas por preenchê-lo?

Todos nós sofremos da detenção de preconceitos. Não fujamos, nem com os rabos às seringas — tarefa totalmente inútil, sei-o desde os meus tempos de idas ao pediatra, que mo seringava à bruta —, nem à implacável espada da verdade (ou da justiça, ou lá o que é), que é a que vem sempre à tona, como os afogados — porém, nem sempre vem podre —, e também se encontra no fundo de uma garrafa, como diz o povo, que é quem mais ordenha, e, acrescento eu, na boca de uma criança. 
Podemos ser as pessoas mais abertas, tipo aqueles frangos que vão para as brasas, em relação a outras raças e credos e ai jesuses, mas temos sempre umas merdinhas que, sem sabermos muito bem como nem porquê, nos atormentam os espiritinhos, nos incomodam as vistas pouco largas e nos fazem sentir altinhos de tão pequenininhos que ficamos.

Eu é com cabelos molhados na rua.
Tenho o preconceito de ver mulheres — só mulheres. Eh, tché, eu já explico, caluda —, especialmente se tiverem cabelos compridos, de cabelos molhados na rua. 
Dá-me-lhes ares de badalhoca, não sei explicar isto assim melhor.
Aquela cena de 
Acabei de me lavar.
Tenho poliban (pulivan, em algumas localidades) em casa, sou mesmo sensual. E também tenho bidé.
Ainda não me cortaram a água.
Não uso secador, sou tão irreverente.
Lavei-me agora, môr.
Ai, sí, cariño...
E assim.
OK, sou doente, mas também há gajos que não gostam de amarelo e ninguém os chateia. Eu sou assim com cabelos molhados na rua, em sendo de gaja. De qualquer maneira, é difícil que aconteça o mesmo com os deles, uma vez que secam ainda no elevador, e já não atingem a rua naquele preparo. 

Hoje tinha o cabelo sujo e queria lavá-lo no ginásio, mas não levei champô. Esperei por chegar a casa, mas a água do prédio estava cortada, devido a uma obra no meu andar, mais concretamente na minha casa. 
Quando a água voltou, lavei o cabelo e deu-me uma súbita vontade de tomar café. 
Mas tinha que ir à rua, já que se acabara o pó (por acaso, são cápsulas, mas dá este ar de agarrada, bastante selvagem, falar em pó). E tudo — o que inclui a indumentária de hoje: calças de ganga, top sem alças, lencinho animal print e sandalete salto vertiginoso, que só a mim não me dá vertigens, mas suscita a tonteria alheira — se conjugou para que eu atingisse, em cheio, o meu bairro, tal e qual aquilo a que eu chamo, carinhosamente, uma mulher de Chelas

Fui à bica de cabelo molhado. Nem sei como resisti a entalar um porta-moedas na axila. E a arranjar duas amigas que me acompanhassem, Lina e Priscila.
Para atingir o pleno, falta-me só uma ida ao shopping, Primark adentro. O que ainda não está fora de questão.
Hoje estou tão Zona J.

Pensamentos que me germinam na caixa, porém nunca me chegam à boca # 8

Aos outros, a vida dá limões, eles fazem limonada.
Ou dá-lhes ovos, eles fazem omeletes.
E a mim, que me dá tantos caramelos, o que é que faço?

Ah, já sei: cerro os dentes.

Ser dependente de cafeína é muito triste

(não sabia que título dar a isto, porque tenho sono)

Ah, já sei:

Tenho sono

Acordei a ferros, estava lá tão bem, icei-me de grua, arrastei-me a penas das mais duras e submergi-me em Pilates, imediatamente após angustiada constatação de que o café acabara.
André Pilateiro tem vindo a melhorar com o tempo, assim como o vinho do Porto e eu.
Passou ali uma fase lumbersexual, com mais barba do que cabelo — que também não lhe falta —, mas felizmente há luar, e há mulheres no mundo, e alguma lhe há-de ter dito, com melhores ou piores modos, Corta-me essa barba, pá!, que ele lá lhe fez, de entre outras talvez, essa vontade.
Desconheço, com sinceridade, o que é que fui fazer hoje para o ginásio, a não ser que me movesse a ideia subconsciente de encostar o lombo por enquanto não sovado por algum subcomissário desta vida, num colchonete daqueles, esses sim suados e batidos, que só a um corpo exausto como o meu podem apetecer, já que a cabeça desistiu, por escassas vinte e quatro horas, de tecer bordados de raciocínios válidos. 
Ando assim, a precisar de dormir por anos seguidos, desde que tomei as três colheradas bem aviadas de anti-histamínico e a garrafa de Cartuxa, embora não o tenha feito no mesmo momento. Exaurida, é o meu middle name do momento.
Pilateiro apareceu de boneca ao colo e isso fez-me imediatamente considerar, mais uma vez, a possibilidade de raptar uma criança — que, convenhamos, nem sequer cumpriria os requisitos do crime de rapto, uma vez que não haveria lugar ao pedido de resgate, quanto mais à devolução da raptada. Pronto, um criminho de subtracção de menor e não se fala mais nisso. 
Justificou-se ele que ela havia dado uma péssima noite lá em casa e, como entendeu que a mãe precisava de descansar, levou-a com ele para a labuta.
Perfeito. 
Homens, aprendam: podem ter os abbs mais definidos do mundo (quando, na verdade, nós não estamos minimamente interessadas em lavar cuecas à mão nesse tanquinho), podem ter a maior cara de anjo (mesmo que devasso), podem ser o cavalheiro mais requintado de todos os nossos castelos de areia, podem ter uma voz que nos põe as borboletas a provocar o caos desde a Austrália, que nada bate a imagem de um papá com uma menina de um ano ao colo, sobretudo e muito em particular se ela deu uma má noite, vai de babygrow e chucha na boca, e ele todo despenteado e sorridente de sol. 
Era assim: eu ia para me encostar ao colchão, ora levanta um braço, ora as duas pernas, ora respira fundo, ora, em calhando, fecha os olhos e dá uma de Bela Adormecida, que se ôda. 
Foi assim: levanta um braço [acho que agora é uma boa altura para a roubar], levanta as duas pernas [ai, que fofa, vou-me agarrar a ela e enchê-la de beijos], respira fundo [tão querida, está a adormecer, ai... e eu... queria... tanto... levá-la... para... casa... mesmo... a... dar... más... noites...].

Nem me quero lembrar do que significa para o corpo e para a cabeça uma noite totalmente em claro, por conta da gritaria de um bebé.
Ainda bem que não a roubei. Teria que a devolver ainda hoje.


29/05/2015

Estou a aprender a ser blogger — comigo mesma, que dispenso professores. E sou empírica

Faço um único post num dia inteiro, em que ponho uma foto minha.
Boom de visitas.
Mais visitas do que nos dias em que escrevo três posts.
Salta logo para a mais lida da semana. A mais lida do mês. Uma das mais lidas de sempre.

Agora já sei: quando quiser afaguinhos e massaginhas, espeto uma foto minha no post, vou buscar o balde das pipocas e fico de pezinho delicado, em cima do teclado, a ver as visitas entrar.
Conclusão: não preciso de me inspirar, de puxar pela imaginação (que é zero), nem de postar os meus textos que, embora não tenham cabeça, sempre têm pés. Basto eu, em carne e osso, mais carne que osso, mas não em carne viva.


Estava capaz de amanhã repetir a façanha, só para fazer a antítese antes da síntese.
Sou tão gira.


PDI ou PDM?

Sabes quando ainda estás a lavar os dentes e já sentes que o teu pescoço escorre água, vulgo suor?
Sabes quando te estás a pentear e te apercebes que nem podes juntar as pernas, ao nível coxal, porque elas estão tão molhadas que escorregam uma na outra?
Sabes quando, no rádio, dizem que estão 15 graus em Lisboa (era madrugada, tipo 8 da manhã) e tu sentes cerca de 35 dentro do teu vestido?
Sabes quando sabes que, se não fosse o banho e um bom desodorizante, eras bem capaz de te tornar o texugo da tua área de residência?
Sabes quando a solução é fazeres um rabo-de-cavalo, mas com aquele vestido vai bem-bem-bem é mesmo o cabelo solto?
Sabes quando já estás desejando a noite, para te poderes livrar do escafandro?
Sabes quando tens a certezinha absolutinha que o povo todo te vai ovacionar o vestido — que é lindo —, e opinar que ele é tão fresquinho!, só porque tens montes de pele(s) à mostra? E tu não vais poder dizer Porra, este saco de plástico ia bonito era num dia de Inverno, com 4 graus ao sol, ó genitais!?

Assim estou eu hoje.

Mas ele é absolutamente maravilhoso e faz-me tão feliz.


28/05/2015

Bebo uma mini e fico assim

Soube há pouco que o mediador deste lar fez uma simulação de um seguro para o meu boi, a ver se abatia, não o boi, mas a carestia em que ele vem ficando, por conta das maleitas que o assolam, ora ao nível das correias de distribuição, ora ao nível dos pneus, ora ao nível dos cilindros, ora ao nível dos pistons, isto tem sido um arraial de porrada (como dizem lá naqueles sítios) na minha carteira Tous, que até me tenho arregalado em termos oculares, e ela magra-magra como um cão. 
Vai na volta e, surpreendentemente, não sei se mais para ele do que para mim, a simulação, dissimulada, deu, oferecido de mão beijada, como resultado, que até parecia uma lotaria daquelas da roleta russa, pum, já morreste, que, e muito cavalheiristicamente, por se tratar de uma condutora do sexo (tântrico ou à bruta) feminino, o seguro fica, como é que hei-de dizer isto sem parecer que sou burra?, mais caro. Não é mais querido, é só mais caro, mais dispendioso, menos em conta, mais oneroso, menos bagatelas. 

No Grupo Novo Banco Seguros, o mesmíssimo seguro, é mais caro — não sei explicar isto melhor, mas saem-vos mais moedas do porco — se o condutor tiver pipi em vez de pilinha, mesmo que esta seja microscópica ou já tenha sido decepada por alguma daquelas chinesas vingativas, que os apanham a dormir e zás, rente. Genitais.

Por outro lado, descobri hoje que existe uma marca de combustível que responde pelo nome Optima, e que não cedeu o nome ao manifesto, às balas, à tentação e ao acordo ortográfico, embora lhe falte o acento, mas é que não se pode ser boa em tudo, quanto mais óptima, eu que o diga.

*

Vou passar a abastecer-me na Optima, por uma questão de feliz e alegre associação de ideias.
Resta-me procurar no mapa onde é que elas andam mas não mordem, e, nem que tenha que fazer 30 quilómetros para meter dez euros de gasolina, acredito que valerá a pena.
Não sei porquê, liguei um assunto com o outro.
Acho que foi um anagrama daqueles meus: Mulher — Incapaz — Estúpida — Óptima — Optima — Gasolina.

* Ninguém me paga para isto (mas estou aberta — chiu — a propostas).

Diário de bordo, a bordo de uma cápsula, al borde de un ataque de nervios

Está a corroer-me a cabeça este céu tão azul e a minha desarrumação.

No pino do stress, comprei hoje o vestido mais bonito que tenho neste momento. Sinto tanto amor por ele que estou capaz de chorar um bocadinho. Há também um misto de paixão, uma coisa quase carnal, que me vai comprometer a noite que vem, a passos largos — a noite tem destas ironias, usa aquela passada enorme quando menos precisamos que ela chegue —, só pela ânsia de que chegue o amanhã, que me permita estreá-lo de novo (não novamente, pois nada se estreia de novo nesta vida. Estreá-lo de novo, mesmo. É uma redundância e eu posso, porque ando a arredondar, que eu sinto).

Enquanto constato, com um misto de angústia e indiferença, que não vou cumprir um prazo, agarro-me ao princípio da espiritualidade, sofre e abstém-te, apanágio dos estóicos, como uma tablete inteira de chocolate, cujos quadradinhos me derretem na mão antes de chegarem à boca, já mousse, e, simultaneamente, ma ocupam, impedindo-a de se mover teclado afora, inviabilizando ainda mais o meu cumprimento — boa tarde, mal, muito obrigada —, e sonho com uma cápsula. 

Isso é que era: uma cápsula, como as dos comprimidos, que se tragam de uma só vez, e eu lá dentro, o computador, o monitor, o rato, o bendito teclado, cheio de mousse, ar condicionado, e nenhuma janela com vista sobre a cidade ou o mar, que eu só deveria ver outra vez quando me tornasse uma pessoa cumpridora, como as outras.

Não se ama alguém que não ouve a mesma canção

(A Paixão - Rui Veloso)

Nunca como hoje me pareceu tão metafórica esta frase.

Todos estes anos, desde que a canção existe (1990), entendi-a ao pé da letra, ou melhor, desentendi-a, uma vez que nem sequer concordava com ela.  Não só nunca fui grande fã do Rui Veloso — demasiado monocórdico e monótono, e mais-do-mesmo —, como também por me criarem uma certa azia algumas passagens usadas na dita canção. A saber: 
1 - a saliva que eu gastei para te mudar — para além de não ser bonita a imagem mental de um homem a salivar-se todo, ainda temos, da sua parte, a intenção parva de o fazer para nos mudar. Ora, diz-me a lógica da batata que, amigo, se a queres mudar, é porque não gostas dela assim, e, se não gostas dela assim, também não lhe serves à justa (imbuída de justiça) medida, que é a única tolerável nestes assuntos cardíacos. Tipo axioma, topas?
2 - mesmo sabendo que não gostavas — vá lá fazer chantagem emocional para a barra da saia da senhora sua mãe que o ature e o pôs no mundo. Se sabias que ela não ia gostar, não o fizesses. 
3 - empenhei o meu anel de rubi — tudo depende se se trata de um cachucho (safa-te do mamarracho, nem que seja com a desculpa que é para levares a gaja ao Rivoli) ou de um princesa de gales. Ainda assim, questiono-me se os advogados já estavam tão aflitos de trabalho em 1990 (esta é muito à frente), que precisassem de empenhar o anel para levar uma mal-agradecida ao concerto.
4 - não fizeste um esforço para gostar e foste embora — sincera, a tipa. Mal agradecida, mal educada, mas sincera. Encontram-se várias assim, em zonas periféricas. Todas elas sem uma ruga e sem úlceras de estômago.

Mas acho que não era a isto que eu vinha. 

Não se ama alguém que não ouve a mesma canção — isto soa-me mal, como uma cantiga mal cantada. Não é quase indiferente que um ouça Bach e o outro Metallica? Não, lá estou eu nos extremos. Mas não é irrelevante que um ouça U2 e o outro Bryan Adams? É.

Não se ama alguém que não lê os mesmos livros.
Não se ama alguém que não nos lê. 
Ou melhor, não se ama alguém que, apesar de pegar nas nossas palavras com os olhos, não lê nada do que escrevemos. Que não nos sabe ler, olhos adentro, quanto mais o que pomos no papel, mesmo que não seja numa folha em branco.
Não se ama alguém que não entende nada dos nossos gatafunhos, ainda que eles estejam em letra bonita de computador. Nem os nossos textos acabados, que nunca estão, quanto mais os nossos rascunhos.
Não se ama alguém que, na melhor das hipóteses, sabe ver que escrevemos sem erros. Qualquer criança, no último ano do primeiro ciclo, deveria saber escrever sem erros. Isso põe-nos ao — altíssimo, sem ironia — nível de uma pessoa nascida há nove anos, acordada para as letras há três, a nós, que andamos nesse desacordo há séculos.
Não se ama alguém que não nos ama.
Porque essa do amor não correspondido é tão bonita, é tão trágica, é tão próxima do épica — por ser desses fracos que reza a História, em mil Ave-Marias —, mas é número que (nem) eu (nem ninguém que o mesmo tempo que eu já viveu) já não papo. O amor exige uma reciprocidade que, a não existir, ó: a barra da saia da mãe — ou, no limite, um cão abandonado — cumpre na perfeição. 

27/05/2015

Encontrar "O Tal" / Uma espécie de Mr. Right

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e-ternamente

Frágil e miudinha como uma menina, não fosse a vida avançar ao contrário e ter ficado velhinha ao fim de tantos anos de permanência. Estava sentada na poltrona de sempre, sempre vai variando, uns dias fica numa, outros dias numa outra. Vi-lhe a saia cor-de-cobre, as pernas magras e muito branquinhas, à mostra, cruzadas, brilhantes. 
O meu pai tapava-lhe as pernas na praia, com medo que se queimassem, com medo que lha levassem,
Boneca, as tuas pernas estão a brilhar demais.
E ela deixava, por saber que ele não sabia que ninguém a levava dele, mas não lhe dizia nada.
Esta saia tem uma blusa igual. — disse-me, quando lhe gabei a beleza da saia e lhe perguntei se ia a alguma festa.
Essa saia — metade de um vestido de festa — foi de um casamento, há muitos anos. 
Era dia de branco e engalanámo-nos bonitos. O meu pai estava com um fato novo, que havia de vestir eternamente, um ano depois.
Com o mesmo fato demos o braço e atravessámos a nave, amparados. Com o mesmo fato o vi tão imóvel que fiquei morta e desamparada, porém grávida. Era dia de preto.
Mostro-lhe a fotografia onde estão os dois, o fato e a saia.
Usou-a naquele dia, porventura nunca mais, até ao dia em que o meu pai voltou a vestir o fato bonito e ela se vestiu de preto eterno, até se esquecer de ficar.
E foi-se, agora que já não veste as saias pretas.
(Assoma-me um pensamento que me assombra — que ela vista aquela saia eternamente)
Observa a fotografia por muito tempo, tanto quantos os anos que ela tem.
Quem é esta giraça, mãe?
Ri, por reflexo, porque gosta de mim, porque ouve um calão, porque não quer errar na resposta — que não sabe dar.
Não se vê.
Caem-lhe os olhos na imagem do meu pai e vejo-lhe a mãozinha miudinha segurá-los, para não lhe rolarem pela cara, direitos ao peito de menina.

Hoje é dia de Sol ☼

Por um dia absurdamente azul, em festa.


Claude Monet, Nascimento do Sol — 1872

26/05/2015

Deslarguei esta frase # 30

Eu tenho os meus momentos.
Está ela a ler-me Saint-Exupéry,


e sai-me, singela e poética:

Xi... até fazer chichi. Chiu.

Fechem os olhos e atentem só na letra.

Pessoa, quantas vezes consegues mentecaptar por minuto?

Papel deixado no vidro de uma das viaturas pertencentes à frota cá do lar:


1 - Acabei de fazer uma bela merda, mas Boa tarde. Um gajo educado é sempre um gajo educado, e isto a pessoa nunca sabe o que é que a espera do lado de lá. Pode ser um grunho sem educação nenhuma.
2 - Ao tentar mostrar. Mostrar-lhe, a si, dono do carro, apesar de não se encontrar presente no momento em que lhe esmerdo uma peça do dito cucujo. Mostro-lhe a esta distância do anonimato, não vá dar-se o caso, lá está, de se tratar de um grunho sem educação nenhuma, e assim até evito altercações com consequências ao nível do sabe-se lá.
3 - que o seu estacionamento era. Era, já não é. Deixou de ser, por compensação da esmerdança que lhe fiz na peça, poças, piça. Mudei de ideias, mudei o tempo verbal. Parecendo que não, eu sou um gajo educado. E um gajo educado evolui, não estaca como um burro.
4 - terrível. Foi o melhor adjectivo que encontrei, mas agora também já se me varreu qualquer outro, após a terrível acção que pratiquei, de que poderão advir-me terríveis consequências, o que é sempre terrível para um gajo educado. Já disse isto? Terrível, como o Ivan, aquele outro gajo mal educado.
5 - fiquei com o seu limpa vidros na mão! Antes o seu limpa vidros do que outra coisa qualquer sua, que pode ser um grunho sem educação nenhuma e eu sou... não sei se já disse... parecendo que não... E, repare, foi um acidente, eu estava só a tentar mostrar uma coisa, e fico com outra na mão!? Algo de muito anormal se passa no reino do seu carro, seu... grunho. Espero que não se repare na tremeluzência do meu ponto de exclamação, que só consegui colocar após dura luta interior. Parece mesmo sinal de gente mal educada, que grita, e assim.
6 - [entrelinho] traseiro. Ah, é verdade. Era a isso mesmo que eu vinha: traseiro. Esta minha mania de tentar meter (ups, maroto) conversa de ir ao... espere lá, refazendo: fiquei com o seu... o quê?, na mão, olhe, desculpe, hoje estou uma maluca. Telefone-me, bruto. Grunho, grrr.

Isto é só um supÔnhamos

Suponhamos que a pessoa chega à praia, arma a tenda — estou a tornar-me uma beach-bitch do espeta-espeta, naquela cena de espetar o parafuso na areia, para depois lhe espetar o guarda-sol e o vento não mo levar embora para outras margens, qual pássaro do sul —, estende a toalha o melhor que sabe e pode, que a mais não é obrigada, e deita-se, a equacionar quantas vezes ainda vai lavar -se antes de almoçar, tirando os azimutes à rebentação, fixando algum calor encorajador ao nível da axila, imaginando quantos segundos, de dez para baixo, conseguirá levar até se submergir no degelo, e etecetera.
É importante frisar, alisando a descrição, que se encontra acompanhada por uma jovem que lhe é extremamente cara, não só porque não lhe tem ficado nada em conta a sua educação, como também, e essencialmente, porque as une o amor.

Eis senão quando, ainda em decúbito ventral, se apercebe que, na sua diagonal esquerda, se encontra um manganão, quase despido, que as fotografa, munido de telemóvel. Como se não bastasse a sua suspeita, vai a jovem e — assim, a seco —, confirma-a.

É quando se lhe alevanta e arrebita a perspectiva única, que é: ergo-me daqui, acerco-me do animal e confronto-o, verbal ou fisicamente. 
Tem que se ter em linha de conta que a praia se encontra sem vigilância, logo, não existe uma autoridade presente, quanto mais não seja para arrefinfar umas quantas bastonadas no lombo dos banhistas (e que até lhe poderiam calhar a si à sorte). E também que, embora ele igualmente, se encontra em trajes menores. Mais menores do que isso, é noves fora. E ter que fazer um ar compungido, caso cometa uma injustiça e haja lugar a pedido de desculpas, estando em cuecas e soutien — sejamos sinceros —, coloca qualquer um numa dupla desvantagem. Socialmente, é desnudante.
E engrandecem-se vários cenários diante do belo olhar da pessoa, o mesmo que se encontra a borbulhar de expectativa, é certo, mas de cólera também:

1. Afinal, o gibo só vê mal e estava a tentar ler um sms — há que pedir perdão, diante da plateia que logo se organiza nestas circunstâncias: a praia potencia o fervilhanço dos ânimos. Após a montagem da barraca, torna-se muito simples que outras barracas se armem, qual acampamento gaulês; 
2. O coiso parte para a ignorância e desata na adjectivação desqualificativa, que é a reacção mais comum de quem é apanhado de calças na mão (não literalmente, neste caso): enquanto o interlocutor se ocupa com defender-se da pejoração, desocupa-se do assunto que ali o leva. Essa hipótese abre-lhe, então, no espírito, duas sub-hipóteses: 
     a) Ele dirige-lhe os epítetos — esta é a altura certa para demonstrar o quão bem sedimentado ficou o doutoramento em bon chic-bon genre que os pais lhe patrocinaram, apesar de ter, sistemática e irremediavelmente, chumbado numa cadeira do 1.º ano, Jamais perder a compostura, e ignora o adversário, após transmissão de breve lição de moral e ligeira angariação de seguidores para a causa (há sempre umas vozes concordantes nestas manifestações públicas que, apesar de não servirem para nada, sempre dão à pessoa oportunidade de menear a cabecita daquela forma amorosa que só ela é capaz de fazer);
     b) Ele dirige os epítetos, não ao seu ventre, mas pior: ao produto do seu ventre — é este o instante decisivo em que a pessoa revela ao mundo a besta quadrada, cheia de curvas redondas, que a habita, não só o espírito, mas também o corpo todo, desde as unhas lá de baixo (pintadas de encarnado sangue) até às pontas cá de cima (encaracoladas de vida), diante da possibilidade, por remota que ela seja, de alguém ousar proferir desaforo à sua obra criativa. E saltar à unhada e à dentada sobre um boi suado, embora não se apresente como a hipótese mais higiénica, será, certamente, a única que a cegueira lhe permitirá. 

Epílogo: 
Quando a namorada do tarado veio do mar e se sentou ao lado dele, fotografei-os aos dois. Amor com amor se paga.

Não me ponham a pensar no que é que ele pode fazer com as fotos que tirou. A sério. Eu borbulho de cólera em três segundos, e sou uma pessoa frágil do coração.

25/05/2015

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato?

     O que espanta num gato é a maneira como combina a neurose, a desconfiança e o medo - para não falar numa ausência total de sentido de humor - com o talento para procurar e apreciar o conforto e, sobretudo, a capacidade para dormir 20 em cada 24 horas, sem a ajuda de benzodiazepinas.
     O gato é neurótico mas brinca. Brinca com seriedade, mas brinca. Tem acessos, muito curtos, de loucura, em que se embandeira em saltinhos oblíquos. Mas, acima de tudo, descobriu o sistema binário da existência.
     Que é: dormir faz fome. Comer faz sono. Acordo porque tenho fome.
     Adormeço porque comi. Nos intervalos, faço as necessidades.

     É ou não é uma lição de vida?
     Sim, é.

Miguel Esteves Cardoso, in Como é Linda a Puta da Vida, pp. 126


MEL MARIA PREPARA A SESTA






Aujourd'hui je suis jolie

A história começa porque hoje vesti um vestido branco.
Tenho uma colecção interminável de vestidos pretos de Inverno e outra idêntica de vestidos brancos de Verão. Nunca tive nada contra uniformes. Agora vinha para aqui dizer que fui educada num colégio que impunha o uniforme e ai-ai-ai, que trauma tenho com isso, mas é que não. Não mesmo, não impunha. A seguir, chamavam-me tia cagona, e eu lá cagona até admito — que isso só quem o tem preso é que não é, o que origina maus fígados por mau intestino —, mas tia só mesmo dos meus sobrinhos e olhe lá: cinco rapazes e nenhuma menina, que mal distribuído.
Antes de me ser mais qualquer coisa, a minha Preta é minha amiga, e eu dela. É ela quem me apalpa toda, desde os dedinhos dos pés até ao cachaço. No entanto, eu pago-lhe. Drenagem linfática é com ela e mais nenhuma. Eu sou muito criteriosa com quem me mete a mão nas chichas (manias de velhos).
Para além disso, tem um filho deliciosamente castanho, de chocolate — tenho a certeza disto, porque a quantidade de beijos que aquela criança já levou é suficiente para eu saber que me souberam a chocolate —, a quem ofereci os primeiros pares de cuecas que usou na vida, e, também por isso, passou a ser, para mim e para sempre, Capitão Cuecas. Agora já conta a provecta idade de quatro anos, mas continua a receber-me, ao cimo das escadas, de t-shirt e cuecas, e também de braços abertos, obrigando-me a subir o último lance de dez degraus daquele quarto andar, em passo de corrida, Meu Capitão Cuecas, minhas saudades, quero beijos e abraços só para mim.
E assim vai a nossa relação. 
Hoje ofereci-lhes boleia, porque ela preparava-se para se meter num táxi e fazer uma deslocação de quinze quilómetros, com o meu Capitão ao colo, o que me pareceu inadmissível. Tendo em conta que onze dos quinze me ficavam em caminho, não fiz nenhuma extravagância. 
Desci à frente com o meu Capitão pela mão, enquanto ela ficou a acabar de arrumar umas coisas, e alcançámos o passeio a parecer dois namorados, de mão dada. 
E eu senti, claramente, que morri de vaidade. 
Nem a Angelina Jolie alguma vez esteve tão jolie, com um menino tão bonito pela mão, a rebentar de um sol intenso, mesmo que tenha vestido um vestido branco.
Ele foi calado todo o percurso, só a ouvir as minhas tagarelices com a mãe. À chegada, olhei para trás, vi-lhe o sorriso de leite, mil dentinhos, os olhos negros, tão claros, pregados nos meus, tão escuros, e asfixiou-mos, balbuciantes,
Olhos lindos...
Os teus —, diz-me o pilantrinha, pelo que, e em consequência, hoje vou passar assim o dia, très jolie, já que, naquele momento, também morri de felicidade.

24/05/2015

Amor I love you

Ouvi hoje, pela primeira vez, esta versão com o Roberto Carlos. Sempre adorei a música, mas nem tanto o refrão. Agora gosto mais um bocadinho. 
És grande, Roberto!

Diálogos ao sol # 3

Bola de Berlim, água fresca e cerveja!

- Boa tarde. Tem nougats?
- Não, hoje não tenho.
- Já reparou que eu lhe pergunto sempre por coisas que não tem?
- É. Outro dia, era água. Hoje tenho água.
- Mas eu hoje não quero água, quero nougats.
- Tenho bola de Berlim, água e cerveja.
- Mas vai ver que, quando não tiver bolas, eu chamo-o para lhe perguntar se tem bolas.

Não eram as letras dos graffitis que tinham outro significado?

Vocês, não sei, mas eu leio coisas, naqueles grafismos.


Final da A 5, saída para Cascais

23/05/2015

Eu tenho problemas com tudo # 6

Eu preciso de respostas. A minha busca pelo conhecimento e pelo saber é constante. É exaustiva — pelo menos, para mim, que fico exausta — e permanente. Veio para ficar.

É que só conheço dois tipos de pessoas, mas deverá haver um terceiro tipo, quanto mais não seja para fazer a síntese: 
1. as que acordam sempre bem dispostas e 
2. as que acordam sempre mal dispostas. 
Não existe o tipo umas vezes sim, outras vezes não. Eu sei porque já vivi anos suficientes e assisti ao acordar de gente que baste. O que há é dois subtipos da categoria 1., que são
a) os eufóricos;
b) os zen.
Como eu pertenço à categoria 1. b), vou defender a minha dama: não deve ser fácil lidar com quem acorda a jorrar energia pelos poros e pelos canos, doido varrido saltado da cama, numa de voar a jacto para a rua, o ginásio, ou o trabalho. Esses deviam trabalhar para as obras, para despender aquilo tudo. 
Assim como não será fácil aturar uma pessoa que acorda sempre — quando eu digo sempre, é todos os dias, os 365 do ano, ou 366 caso seja bi — de mau humor. O que é que lhes dói? A cabeça, de tanto, ou tão pouco, dormirem? Mas o corpo não lhes diz a medida exacta? Tiveram pesadelos? Mas sempre? Todas as santas 365?

Reconheço que a minha categoria também é ligeiramente irritante, principalmente para quem acorda todos os dias a amarrar a bezerra: sorrio, desejo bons dias, não chateio, falo pouco (a moca é tanta...), até rasgos de inteligência tenho (é a hora em que faço os melhores raciocínios). 
Percebo que os maldispostos da alvorada tenham vontade de me torcer o pescoço.
Eu também torcia o deles, se pudesse. Mas a soneira é tanta que, para além de não ter forças para isso, só consigo ser simpática e amorosa. 
Desculpem.


Ainda não desisti da ideia, mas a mood está aqui estacionada



22/05/2015

You Took The Words Right Out Of My Mouth (Hot Summer Night)

- On a hot summer night, would you offer your throat to the wolf with the red roses?
- Will he offer me his mouth?
- Yes.
- Will he offer me his teeth?
- Yes.
- Will he offer me his jaws?
- Yes.
- Will he offer me his hunger?
- Yes.
- Again, will he offer me his hunger?
- Yes!
- And will he starve without me?
- Yes!
- And does he love me?
- Yes.
- Yes...
- On a hot summer night, would you offer your throat to the wolf with the red roses?
- Yes.
- I bet you say that to all the boys!


Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua

Decorrente de contingências, hoje almocei no local que se apresenta no canto inferior direito da imagem. 
Calhou sentar-me mesmo ao lado das duas mesas de snooker que o espaço disponibiliza.
E passei a refeição inteira a tentar o exercício de me abstrair da terna e inspiradora libidinice contida na frase do aviso.



Eu tenho problemas com tudo # 5

Estava aqui em projectos, planos e mapas para o fim-de-semana, e a tentar perceber por que é que não consigo combinar nenhum evento pós-praia, sem antes ter que passar por casa e autoinflingir-me um potente jacto, acompanhado de purgativo detergente, qual criolina, procedente de banhos purificadores a que me sujeito amiúde horas antes.

É que é assim (como diria essa grande mestra da comunicação oral, Pita Corada): eu pano-me.

Conforme já explanei fartamente — não confundir com gordamente, neologismo acabadinho de sair deste forno crepitante que me encima o corpaço —, eu atinjo o areal, praticamente o alvejo, toda gordurosa de factor 50, e imbuída do luso espírito conquistador, dominador e colonizador: vou para montar arraiais, armar a barraca, criar as raízes, fundir-me com a terra, içar a bandeira.

Ai, que exageros, que estúpida. Vou nada: vou para espetar o pau (chiu) na areia, esticar a toalha e deitar-me em cima dela, mal saia do mar. Mais nada. Estava só a florear a coisa. A grande questão, aqui, a roçar o fracturante, é que já lá chego engordurada — por favor, mais uma vez, não confundir com gorda —, e, por mais anos que passem sobre estas carnes mais ou menos fartas, e também exaustas, a realidade é que não sei comportar-me na praia. Vejo pessoas crescidas ali deitadinhas, um dia inteiro, ao solinho, ora viram a franga para um lado, ora giram a toalha para o outro, e saem da arena (a palavra-mãe é a mesma, apeteceu-me, posso?) totalmente impecáveis, cabelo alinhado, roupas engomadas, pele de galinha tostada, um luxo — prontinhas para qualquer sunset, para sorver o bom do croquete até atingir a dúzia, a tirar as flácidas de misérias maiores, porca miséria.

Já eu, não. Começo a lide esticando a capa, toureando a brisa, ou o vento, tudo conforme se a vaca que se me apresenta é mansa ou brava, respectivamente. Normalmente, o rectângulo da toalha fica, como hei-de dizer?, num desarranjo semelhante ao intestinal. Às vezes, não corre uma aragem, daquelas de nem a bandeira indicadora se mexer — o que, convenhamos, é tenebroso. Uma pessoa também aprecia um certo agito. Sal é igual a vida, ou é a vida que precisa de um pouco de sal, mas a ausência de vento e águas paradas é sinal de sal a mais —, falta de vida, e é por isso que o Mar Morto tem aquele nome funesto de defunto. 

Depois, deito-me nela.

Às vezes, caio em cima dela, tal é a falta de graciosidade com que se dá a investida. Marro-a, em suma. 

Se tenho a veleidade de me virar, procurando consumar um parafuso perfeito, ou seja, que o corpanço fique no exacto local onde estava, pese embora a alteração de frente para verso, já começa a saga: sem me aperceber, fico fora dos limites da toalha, iniciando, assim, o panado arenoso. 

Depois farto-me e vou banhar-me — não confundir com encher-me de banha ou banhas — marchando, a passos firmes (lá estou eu, não é nada, vou aos pulinhos se a p. da areia está a ferver, vou aos zigue-zagues se não está — não vá vir atrás de mim alguma cobra, e sempre a despisto) em direcção ao mar. Habituei-me desde antes de nascer a nunca vacilar e entrar logo, quer encontre a hidrosfera em modo glaciar ou fervente (pronto, é uma hipérbole), até mesmo porque tenho que atravessar através (redundância absolutamente necessária, chiu) de uma enorme mancha masculina que se prostra à beira-mar, quais leões-marinhos, sem juba mas muitos dentes (esta foi só para ver se ainda estão atentos, mas já requer altos conhecimentos em termos de fauna) que, esteja a jogar à bola, esteja a conversar com um grupo de senhoras, esteja a fingir que toma conta da criança, ergue e segue com os faróis qualquer fêmea que penetre a dita mancha num raio de cinco quilómetros, a cinco quilómetros à hora. 

E saio, salgada. O que inclui, naturalmente, a crina.

E repito a panação, já anteriormente iniciada segundo a lógica gordura (formosura) mais areia. 

E ainda me salgo mais umas quantas vezes, até ser arremetida pela perdurável sensação de estar toda a picar e me pôr mas é a andar dali para fora, ou para outro fora, pois fora já eu estou, uma vez que me encontro ao ar livre, livre de preocupações, ónus ou encargos, tal como um passarinho. 

Regresso, então, à grande capital, inteiramente panada, de sal e areia, a picar como um ouriço cacheiro de picos invertidos, cabelos em desalinho, no ar, ar de louca no forno ao sal e sem batatinhas. Expliquem-me só como é que é possível ir directa, neste plangente estado, para onde quer que seja, que não seja uma banheira a fervilhar de ácido clorídrico, muriático, ou, vá, sulfúrico.

Deslarguei esta frase # 29

A falta de assunto singra. E sangra.


21/05/2015

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 11

Num LIDL perto de mim

Baralho-me toda. 
Aquilo parecia o berçário de uma maternidade leguminosa.
Vi pepinos-bebés. Ou, como diriam os estrangeiros, cucumber-baby (I love you — lembra-me sempre os grandessíssimos Ramones), o que não melhora nada a coisa. Cucumber... hey, guys, with or without a little twerk?

Não os trouxe comigo porque não me têm serventia nenhuma. 
Mas notei que a etiqueta os publicita da seguinte maneira: Cute, Tasty & Easy to Eat — Carinhosos, saborosos e facilmente comestíveis.
E também que a marca responde pelo nome de TOPMATO, numa aglutinação feliz das palavras top e tomato. Mas é uma produtora de pepinos. 

Llorona

Olha, eu tenho sempre vontade de chorar.
Antigamente, era Escorpião, pura e dura, mais pura que dura, e fazia assim: cada vez que tinha vontade de chorar, metia-me atrás de portas e travessas, chorava até estar seca, secava-me, e só depois reaparecia, recém-renascida. Mesmo de cara em carne, o assunto ficava arrumado junto às frinchas e às dobradiças, não arrastava sombras maiores do que eu atrás de mim.
Sabes que chorar, para mim, é uma necessidade fisiológica, como fazer chichi. Há dias em que não tenho motivos nenhuns, e, mesmo assim, tenho que chorar. Toda a gente tem dias em que não bebeu mais água e tem mais vontade de fazer chichi, não é? Pois, é igual, mas em lágrimas, nos meus olhos. Deve ser por isso que bebo tão pouca água e nunca tenho sede. Nem quero imaginar se bebesse mais. Nem saber nadar me poderia salvar.
Todos os dias me dá um piquinho de vontade, na verdade. Tenho vontade de chorar quando vou ver a minha mãe, quando não a vejo também tenho, choro porque atropelo um gato, apetece-me chorar quando recebo um mail que me enche de alegria, também me apetece quando tenho trabalho, e quando não tenho, choro aos bocadinhos pequeninos a dor da ausência — que essa dói como um entalão, nem ao palavrão encontro o alívio —, choro de os ver crescer — eh, alto lá, mais devagar, da outra vez deram-me nove meses, agora são semanas, são dias...? —, também ando para chorar quando me adentram os olhos, já húmidos, as notícias daquele pasquim que diz que é matutino e que é aparentado com o carteiro, mas não toca duas vezes, é só uma e como dói, mas que depois transforma, em passos de mágica, tudo o que regurgita em casos nacionais.
Por outro lado, ando a perder a capacidade de chorar porque um pai matou o seu bebé, porque uma adolescente ficou grávida do padrasto, porque um miúdo comeu umas lambadas na escola, porque um jovem matou um rapaz, porque um polícia bateu num homem. Atravessa-se-me o espírito o espírito do gato que matei e tudo o mais me parece irreal demais. Estou a ficar tão imune, tão autocomiserável, tão miserável, que só me apetece chorar.
Sinceramente — quando estou a chorar, normalmente, começo frases assim, sinceramente, muito em particular porque ninguém me pede sinceridade —, era melhor que, assim como acontece às outras pessoas, os meus olhos diminuíssem, à medida que choro estas mágoas todas. Pois que não, ficam maiores, ficam enormes e cada vez mais abertos — ainda que possa ser acusada de tê-los tão vendados que já só consigo ver o meu umbigo e, mesmo assim, muito ao longe.

20/05/2015

Olhos lindos

Ia a sair do carro quando ela passou. Alta, loira, cabelo comprido, com jeitos de onda, corpo a escopro, vestido esvoaçante, saltos altos, andar de gazela. E um sorriso contagiante, contagioso como uma doença benigna, de uma esperança certa, de um hoje bom, de um amanhã melhor. Tão jovem, tão fresca, tão bonita, tão plena de viço e brilho, tão extraordinária, tão rara.
Deslumbrante.
E — não mas — cega.
A acompanhar os saltos altos, as pernas perfeitas, a brisa do vestido, a bengala.
A acompanhar a bengala, incerta, os passos dela, certos, no passeio da avenida de calçada portuguesa, altos e baixos de cubos desencontrados, dir-se-ia que a conduzir a bengala, cega, e não o inverso. Passos formosos, seguros, e o sorriso, sem queixa ou traço triste. 
Um qualquer indicador lhe segredou que tentava empurrar a porta errada — do banco, já fechado —, e vi-a, claramente, dar uma gargalhada arrebatada do seu próprio engano. 
Veio colocar-se atrás de mim, na fila do multibanco, feliz.
E eu muda, a receber as últimas gotas de uma lição de vida.
Devia ter-lhe dado prioridade de passagem?
Devia, pelas leis dos Homens. Mas nem sempre consigo reger-me pelas regras dos códigos e dos diplomas. Já há três minutos que a conhecia, e não lhe encontrava defeito nem mácula. Imperfeita eu, falha e insuficiente, se lhe desse passagem na fila. À integridade da perfeição dela não faltava absolutamente nada — nem sequer uns olhos lindos.

19/05/2015

Biquinis, um assunto muito sério

Bem sei que outro dia desanquei nos biquinis tipo Cantê e derivados, mormente drivados aos preços que se praticam na sua venda, quando, na verdade, o que mais me transcende naquele tipo de bik é exactamente o formato deles, a dificuldade que alguns modelos apresentam para o veste, para o despe e para as idas à retrete que, conforme sabeis, são francamente mais frequentes, necessárias e úteis (ok, já estou a exagerar, mas fica bonito, chiu) nas mulheres do que nos homens.

Eu também não gosto de biquinis baratos. Assentam mal, não duram nada, exibem o que não devem, portam-se malíssimo a banhos — que, no fundo, é para o que servem —, colando-se ao corpo, fazendo foles e folgas, desviando-se da sua área (sai uma pessoa com uma mama ou com uma bochecha de fora, exactamente naquele momento em que vem a surgir das marés, armada em Ursula Andress da Caparica, mas em moreno, isso é que não pode ser).

E também os há com aparência boa, entre o barato e o caro (mais baratos que os caros, mais caros que os baratos), tipo Calzedonia (e todas as suas afins Tezenis, Blanco, Oysho, etc.), que eu já desisti de comprar: fora de época de saldos, caríssimos (a sério que uma parte de cima pode custar 35 euros?), duram dois ou três Verões (descoram, deformam, desmodam, desblegh) e ainda se dão à lata de se reproduzirem como ratos na praia, que uma pessoa atinge o areal com todo o souplesse e dá-se conta de estar vestida de igual ao povo todo, qual colégio interno, qual parada militar, qual jogo de Onde está o Wally?.

Vai daí, encravei na Salinas *. 
E na Poko Pano *.

(

Tudo muito samba-lê-lê, ôrra meu, cara. Bom, mas não me posso desviar do assunto que me traz aqui hoje.
)

Da primeira, tenho biquinis com dez — eu repito, dez — anos, em estado excelente. Não há uma costura rebentada, uma malha caída ou rota, um furo da traça ou da gata, um debotado do sol e do sal. E eu lavo-os na máquina, estou cá deserta para os lavar à mão.

O site não faz justiça à marca. Quando quero ver Salinas giros, meto-me nas imagens do Google.

O da esquerda tem 10 anos (Ericeira Surf Shop).
O da direita tem 6 anos (Ebay), e é, de todos, o meu preferido, por ser o que me assenta melhor. E, obviamente, é o único de todos que está a amarelecer, à custa da minha mania de me besuntar de factor 50, não respeitando a corzinha branca do meu bebé.
O da esquerda vai na segunda dona, e tem 7 anos.
O da direita é do ano passado, e foi o mais barato de todos (20 euros, comprado novo, na Feira das Almas).
Este é só um, mas é como se fossem dois, porque a parte de baixo é double face. Tem 5 anos e comprei-o numa loja na Praia do Barril (Tavira, Santa Luzia). 
Este tem 9 anos. Comprado na Ericeira Surf Shop.

Foram todos muito caros, tive que partir o porco, juntar as moedas, dar o cu e oito tostões, vender a alma ao diabo (isso não, que já nem esse ma compra) para ter cada um deles, mas todos valeram a pena. Todos.

Da Companhia Marítima, tive dois, que também já passei para segunda dona, ambos têm 11 anos, ambos foram comprados na (acho que) falecida Loja dos Biquinis da Marina de Vilamoura, e é o que se vê:


Da Poko Pano, não tenho nenhum, mas vários debaixo de olho, exactamente por já ter percebido, pelo método do apalpanço, que o tecido, o corte, as costuras, o modelo — tudo neles — correspondem aos meus itens mínimos, médios e máximos de qualidade e conforto num bik. 

Não vou exagerar se disser que tenho cerca de trinta biquinis. Mas os meus Salinas acabam por ser os mais vestidos, os mais estafados — e os que melhor me vestem, menos se estafam, e dos quais nunca me estafo.

* Ninguém me paga para isto.
Ó senhores, mas, se estiverem dispostos, eu negoceio, e até aceito uns exemplares de colecções passadas, que, como viram, dez anos depois, os bichos ainda mexem.

Pânico e tomates

Nunca como hoje tive a sensação de comandar ao leme um navio, em alto mar, mar revolto, mare nostrum.
Avisos luminosos ao longo da autoestrada VENTO | SEJA PRUDENTE. E eu a ser. No entanto, o boi a abanar como nunca, mas nada que, com maior ou menor experiência de condução, não se domine. Já fiz aquela autoestrada de noite, com chuva, com nevoeiro, com vento e com tudo junto (isso, acho que não, mas é possível). Para lá, a partir de Oeiras e, para cá, até Oeiras, nortada brava, praia do Guincho em dias de (mais ainda) monte de vendavais. 

No regresso, passada a parte mais crítica, boi controlado da fúria de Éolo, no final da curva que sai da A 5 para entrar na CRIL, nem me quero lembrar.
Ainda tenho a imagem nos olhos e o som nos ouvidos. A um metro e meio das rodas do meu carro, a uma velocidade de 80 ou 90 à hora, um gato deitado — mas a mexer-se, não sei se pelo impacto, ou por vestígio de vida —, acabado de atropelar pelo carro da frente. Antes de ter tempo de ter qualquer reacção, passei-lhe, também eu, por cima.

A seguir a isto, aconteceu-me aquilo que podia ter sido o meu fim: um ataque de pânico — numa via equiparada a autoestrada, e que não tem bermas de segurança. Ou seja, parar, nem pensar, abrandar é arriscado, pelo que percorri a CRIL toda, até chegar ao desvio para a segunda circular, a dominar a sensação de desmaio, mais falta de ar, mais tonturas. 


Eu sou a pessoa que já tirou dois miúdos do mar, certa de que — pelo menos, quanto a um deles — Este aqui não me levas, senão terás que me engolir a mim também, e eu sou muito mais indigesta. 

E sou também a que entra em pânico por ter atropelado um gato.

Aprendam comigo, que eu não duro sempre: diz-me a experiência que, se queres evitar desmaiar, a única coisa que pode reverter o processo é se conseguires chorar.

E foi isto: Linda Porca, não vais ter um acidente e arriscares morrer por causa de um gato! — Oh, mas era um gatinho... — Não, não era, era um gato adulto! — Oh, mas eu preciso de chorar um bocadinho, a ver se não desmaio... — OK, então pronto: era um gatinho. Agora chora, parva.

Chorei, chorei, chorei, toda a segunda circular afora, fiz o luto pelo gato, missa de sétimo dia, e não desmaiei, não me estoirei, nem morri. O gato, ao invés, morreu mesmo, pelo que esta já deveria ser a sua sétima vida.

[Agora vou dedicar-me aos biquinis, já volto]

A sério. Já não se aguenta.

Esventrados, esmiuçados, esfarrapados até à medula espinal os assuntos todos da ordem do dia, blogosfericamente falando, só me apetece falar de biquinis.

Mesmo.

Deitei pelos olhos o gajo que matou o filho à facada, depois a adolescente grávida do padrasto, depois os putos da Figueira, agora os polícias agressores, cada semana um tema levado às últimas ad nauseum, ad agonia, ad seca, ad frete.

So-cor-ro.

Vou falar de biquinis.


(Terá sido feita, algum dia, capa de disco — eram discos, não eram CDs — mais mal conseguida do que esta?)
(Esta, sim, é uma grande questão)

18/05/2015

Uns com tanto, outros com tão pouco - Ditado # 16

Se dúvidas houvesse, dissiparam-se-me todas, pelos pensamentos pecaminosos que me assolam em momentos desta vida, de que a quinta subcave do empreendimento do hades me está reservada, verdadeira penthouse lá do bas-bas-fond, espero eu que com cerveja preta a rodos (em garrafa, que eu não prescindo do gargalo, oh Freud, o que é que achas disto?), os meus leitõezinhos — a correr, a saltar, já meio tostados, as peles muito crocantezinhas, meus recos adorados, riquezas da sua avó, e desta Porca que vos avassala e venera depois de mortos, só não vos coroa —, e também favas com chouriço, não o meu prato favorito, mas lá quase. 

Encontramo-nos três, juntas por contingências, mas não amigas. Uma delas olha para mim e olha para a outra e inicia lamúrias pré-época balnear, ou sei lá que raio:
- Estou tão gorda, queria tanto estar assim elegante...
Está, de facto, enorme. Gigantesca. Desculpa-se com uns comprimidos que tem que tomar, olha a novidade, há que séculos e à légua que lhe fiz o diagnóstico, o que ela tem são dois pólos, norte-sul, parece o eixo viário que vem da ponte e acaba lá para Camarate. 
Diz a outra assim para ela:
- É fechar a boca e fazer exercício.

Esta pessoa, que proferiu estas palavras de consolo à pobre gorda barbitúrica, já pesou o dobro do que pesa actualmente. Já foi o dobro da pessoa que é hoje, volumetricamente falando. Mandou fazer a ela mesma um bypass gástrico e passou de 120 quilos para 60. O encolhimento não lhe reduziu o fel para metade, antes pelo contrário: dobrou-lho. Se nunca foi uma gorda porreira e bem disposta, agora também não é uma não-magra feliz. Receio com sinceridade que uma figura assim vá parar à minha quinta subcave. Preciso de descanso. 

Pôs-me aquilo, a mim, na ambivalência digo-não-digo-digo-não-digo. 

Não disse. Uma é gorda, segundo ela, porque toma comprimidos. A outra não é gorda porque tem o estômago, cirurgicamente, talhado ao tamanho de um ovo. Abrisse eu a boca, não para comer, mas para explicar à gorda que a outra só não é gorda porque a comida, embora lhe caiba na cabeça e na boca, não lhe cabe na pança, e o que é que uma e outra pensariam de quem não é gorda nem nunca foi, e oh Natureza cruel, que me fizeste assim? Ainda virava gorda e ex-gorda contra mim, a imprecarem-me de pré-gorda a gordalhufa num ai. 

Eu, não. Fechei a boca, antes que tenha que a fechar aos leitões, por conta de praga rogada pela ex e pela actual.


Pai, eu vi-nos na areia

A pele dele deitada na areia, de costas, sem toalha de permeio, grãos quentes e rochosos, maciços, macios, aconchegantes, e ela sentada na barriga dele, uns sete quilos de gente, uns seis meses de mundo, uma vida enorme e longa, entregue inteira, intacta, àqueles braços, sorriso inquieto e desdentado, olhos limpos na descoberta do amor, aos saltinhos no colchão amado, respiração entrecortada de gozo — e, os dois, absolutamente felizes.
Juro, pai, juro que os vi brilhar, raiados de sol.
E, presa numa memória que não posso ter, olhei para cima, levei os olhos cheios de mar, e vi-nos brilhar, raiados de sol.
Vi-nos na areia, com os olhos cheios de céu, limpos, na descoberta do amor.


Expliquem-me esta mulher # 2

Eu até estaria disposta a dar por 10 % da vossa empresa, mas não estou disposta a dar os 40.000 euros. Por isso, vou ficar fora.

Eu acho que existe mercado, gosto da ideia, para mim é muito cedo para investir tanto num novo negócio, e, só por essa razão, estou fora.

Eu, por norma, gosto de monoproduto, e vocês têm uma coisa diferente, mas acho que as margens estão muito curtas, e, por essas razões, eu vou estar fora.

Eu até ia fazer uma proposta, mas o [outro shark] já fez uma rigorosamente igual, razão pela qual vou ficar fora.

Eu, para ser sincera, não percebo muito bem o vosso negócio, e, assim, vou estar fora.


Obrigada, grande querida, foste uma inspiração para que eu aprendesse a fazer gifs. A partir de hoje, ninguém me agarra. Não vou estar fora.

17/05/2015

The girl next door # 2

Daqui a pouco, começo a gostar a sério dos meus vizinhos.

É o que passa por mim, aí pelo Aqueduto das Águas Livres, me vê parada no trânsito e, cinco minutos depois, me telefona a dizer "Vai por Alcântara, que é muito mais rápido, o acidente é à chegada à ponte e, se continuares em frente, vais a passo até lá".

É o que me convida para um churrasco lá para as hortas dele, alicia-me com favas, e eu, só porque estou inebriada pelo mar — escrevam o que eu vos digo: este amor ainda me vai matar um dia —, declino, dizendo que tenho que ir à praia, e ele, mesmo assim, me oferece uma dose de favas para que eu não deixe de desfrutar de um prazer que ele me quer proporcionar.
Também me deu limões. Deve partilhar comigo a teoria Eu não posso fazer milagres sem limões, como diria uma professora de filosofia que eu cá sei.

(O dos cães anda mais calmo. Eu trato-lhe os animais como se fossem bebés e ele fica desorientado. Acha-me parva, e é isso mesmo que eu quero que ele ache. Temo-o, pois ainda não há uma semana me disse que eu estava com muito bom aspecto)

É a que me ofereceu a tinta, para que eu pintasse a minha porta da entrada — e que eu, naturalmente, nunca pintei — que se me emigra para o Dubai, não chegando a aperceber-se da minha não pintura da porta com a tinta dela, porém leva-me com ela a filha gritona, que eu adorava de paixão, e que falta me anda a fazer aquela piquerrita, que era uma alegria estrondosa, senão para o prédio todo, pelo menos para o meu andar, para a minha casa, para o meu coração. Que saudades da minha Francisca, a berrona, que dor me dá a privação dos gritos daquela patifinha.




Somos bicampeões

Este título era só para atrair freguesia. Desculpem lá.
Eu estou feliz, porque faço parte — de forma tímida, porém sensual — da grande nação benfiquista.

Agora vou contar o meu dia de praia.
Poupo-vos à descrição das duas piladas de trânsito que levei, ambas resultado da burrice do nosso povo a conduzir. Não haverá, estatisticamente, dia nenhum, de fim-de-semana, com temperaturas pelos 30 graus, em que não haja um totó que avarie ou se acidente perto da ponte, udendo a vida a milhares de pessoas. Portanto, a probabilidade de atingir o lado de lá da ponte sem levar uma hora e meia é igual a zero. Para percorrer 25 quilómetros.
No regresso, é a cena da via verde. A via verde, paradoxalmente, é a faixa que está parada. Isto explica-se da seguinte forma: o português está convencido que, por se tratar de uma via em que não há paragem para pagamento, anda mais depressa. E isto seria verdade, não fora existirem estes raciocínios oblíquos, que, iluminados, o que é que fazem? Vão para a via verde até quase chegarem à portagem, para, só nessa altura, de lá saírem, lampeiros. Ou seja, entopem-na. E são eles às centenas, aos milhares. Resultado prático: os mesmos 25 quilómetros levaram-me uma hora, sendo que, dela, 50 minutos foram despendidos no percurso até à ponte, e dez até casa. E, vá, eu não moro ao lado da ponte.

A parte seca já está.

Será que eu já fui assim?

- Não pises a minha toalha;
- Põe o chapéu;
- Não pises essa areia, que queimas os pés;
- Sai daí, que me estás a fazer sombra;
- Vai ali para o fundo fazer um buraco na areia;
- [vou fingir que não vejo que o puto está para ali a incomodar aquelas, que eu o que quero é sopas e descanso]
- [vou fingir que não ouço o puto a guinchar, nem vejo a cara do povo todo infernizado]
- Come e cala-te;
- Não sei do senhor das bolas [esta é das minhas preferidas];
- Mas por que é que queres um gelado de morango, se toda a gente escolheu de chocolate?

Não ouço ninguém dizer

- Vamos para a beira-mar jogar à bola;
- Traz o balde, vamos às conchinhas;
- Senta-te à sombra;
- Espera pela digestão;
- Queres ler um bocadinho?
- Anda cá, para te pôr protector;
- Veste uma t-shirt [branca] quando fores para a beira-mar;
- Bebe mais água;
- Queres cenouras?
- Queres fruta?
- Pára de guinchar, ninguém tem que aturar o teu mau humor;
- Não pises a toalha das outras pessoas.

Resumidamente: foi bom, mas acabou-se.

Hallelujah.