Começou a corrida e eu levava os olhos cheios de água, vinda não sei de que esforço, ou seria da alma que se arrasta por estes dias, que até nem chovia.
Carcinoma das maminhas, tinha dito a veterinária há um ano. E ela bem, recuperada das duas cirurgias quase seguidas, magra, silenciosa como só um gato sabe ser. De um dia para o outro, ainda mais magra, ainda mais silenciosa, o ser gato levado a um extremo insuportável.
Está maior, o tumor dela. Por isso, também por ela, fomos correr no domingo. Quando a Ciência avançar para umas, terá igualmente um braço que alcance as outras. Fiz o melhor tempo de sempre, não parei para andar, para descansar, para pensar - mais ainda -, sequer para chorar. A alegria de ter concluído a corrida sem percalços nem dores no corpo esteve sempre atravessada por aquela farpa que transporto no coração, eu no meu e os outros cinco nos deles. Ainda assim, não adianta camuflar com demais explicações: estou velha, estou extremamente velha, sou aquela ridícula que adoece cada vez que lhe morre ou adoece um animal de estimação. Diz agora a veterinária que devemos - como se se tratasse de um dever tout court, e não de algo que, implícita e naturalmente, sairia de nós - dar-lhe todo o mimo, todas as guloseimas que ela aceite. E também que devemos - esse, sim, um dever a cumprir ninguém sabe muito bem como - preparar-nos para a deixar partir.
Não sei fazer essas preparações, e recuso-me a tentar, sequer. Não considero nem quero fazer mais nenhum luto, seja ele antecipado ou em tempo real. Ao invés, encho-lhe a boca com a cortisona receitada, o corpinho com festas, a cabecinha com beijos. E, contra tudo o que é normal - ou não fosse eu - rejubilo com todos os pequenos progressos, quando come bem, quando dorme tranquila, quando esgatanha alguma coisa, desconsiderando a evidente reacção à medicação, subestimando que o tempo corre implacável, numa corrida cuja meta será toda ela de lágrimas, enchendo-me de uma coisa qualquer a que nem admito chamar esperança.