Enquanto me hospitalizaram e eu não tinha mais nada para fazer, a não ser, aparentemente, arranjar modos vários de não me darem alta, dei-me a um estudo antropológico das minhas amizades, através das mensagens SMS que recebia, nalguns casos bi-diariamente, noutros penta-diariamente, ou até ad-nauseum-diariamente, tendo chegado à conclusão que sim, talvez, quem sabe, é possível que seja verdade que atrais aquilo que és. (Enfim, isto não pode ser levado ao rigor rigoroso, caso contrário seríamos todas belíssimas, e não somos. Percebem?) Bom, em primeiro lugar, apercebi-me de que tenho muito mais amigas mulheres do que homens. Vá-se lá perceber porquê, os homens não costumam ser meus amiguinhos. Olhem, ide-vos encher de moscardos, já não vão aos meus anos.
Quase posso afirmar que saí do hospital com uma carrada de stress pós-traumático digna de ir directa para a Psiquiatria. As pessoas não têm consciência da profusão de mensagens (e não telefonemas porque cortei o canal logo pela raiz) que uma humana recebe quando internada, às quais não consegue dar vazão, só lhe restando uma de duas alternativas: ou responde, ou ignora. E acontece que grande parte das mensagens contém trinta perguntas, não se contentando o emissor, depois receptor, com um simples: "Estou melhor". É um "Já falaste com o médico?", "Já comeste?", "Já cagaste?", “O que é que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?”. A sério, pessoas?
Não consigo, assim de cabeça(da), eleger a best friend forever of das minhas mensageiras, sem que me sinta mal-agradecida ou malévola. Ou injusta, pois a verdade é que tal nem é possível, já que houve duas que ficaram ex aequo na capacidade de serem, como dizer…? Um ferro. Uma mala. Uma sarna.
1. A amiga que todos os dias me mandou mensagem de como estás, à qual respondi, imaginem o que quiserem, pois, indiferentemente do que dissesse, contra-respondia: “É uma recuperação muito lenta”. Imagine-se que a minha resposta à primeira abordagem do dia era: “Estou excelente, aos pulos na cama, já ensaiei o triplo mortal encapado à retaguarda com dupla pirueta”, que sim, lá vinha a contra-resposta pré-fabricada. Um dia enviou-me um longo texto a relatar que ficou presa na varanda e teve que chamar quem passava na rua, mas quem se passou fui eu, e então não dei resposta. Esperava-me uma recuperação muito lenta, nomeadamente deste tipo de interacção;
2. A amiga que todos os dias quis saber notícias, e, tal como a outra, tinha uma contra-resposta-tipo: “O que é que disse o médico?”, porque, convenhamos, ninguém melhor do que o médico — que, por vezes, ainda nem tinha feito a ronda e, quando já, tinha estado comigo, na loucura (não nessa loucura), dez minutos por dia —, sabia como é que eu me sentia. Um dia, à laia de solidariedade na saúde e na doença, disse-me que o marido estava com uma prostatite, e eu, impossibilitada de esgrimir de igual para igual esta espécie de argumento, já que nasci sem próstata, não respondi.
Para elas — se me lessem, mas felizmente que não, pois esta revolta sem reviravolta mágoa há-de passar-me (a tal recuperação muito lenta?) —, mas especialmente para mim, vale o lema: “Se não tens nada de útil ou agradável para dizer, simplesmente mantém-te calado”.