Eu conheço, pelo menos, duas pessoas que têm uma necessidade absurda, absoluta e incontrolável de, cada vez que me encontram, e uma delas é diariamente, me contarem tudo o que se passa na vida dos filhos. Agraciam-me com relatos ao pormenor, em que, invariavelmente, os filhos são uma espécie de super-heróis, excelentes alunos, altos e espadaúdos, incrivelmente inteligentes e extremamente melhores do que qualquer ser humano da mesma idade ou de outra qualquer.
Também conheço e compreendo a história da coruja, "Ó raposa, não me comas os filhos, eles são tão fáceis de reconhecer, são os mais bonitos da floresta toda" e ai que a puta da raposa não viu beleza nas crias da coruja e comeu-lhas mesmo. Vá que nesta história eu devo ser a raposa.
À parte os dois casos em concreto não serem miúdos excepcionais em coisa nenhuma, excepção, aí sim, feita ao facto de um deles jogar à bola melhor que a maioria, e independentemente das qualidades humanas, físicas ou intelectuais destes dois miúdos, eu pergunto só isto: o que raios tenho eu que levar com a pastilha dos filhos dos outros, sistematicamente, cada vez que encontro um (semanalmente, no mínimo) e outro (diariamente, já disse?)? Hã? Querem-me provar exactamente o quê? Ou só querem desabafar tanto amor e ternura, e eu sou apenas uma de mil vítimas? E não lhes ocorre que eu sinto interesse igual a zero? Eu preciso - é uma necessidade premente, isto é um pedido de ajuda público, é um S.O.S., genitais! - de criar uma cara, uma expressão facial, uma postura corporal, que transmita claramente esta ideia: "Isso ainda me interessa menos que o [ponham vocês aqui a imagem, que eu já nem estou capaz], fo#*-se!"
Acresce que o caso que se dá com frequência diária é o da tipa.
Ela entra e já vem a contar-me qualquer coisa que se passou com a Tatiana, que é a miúda mais gira e graciosa, mais capaz e trabalhadora, mais engraçada e fixe, e vai-se a conhecer o baleote da Tatiana e sai-nos um cepo que anda no 8º ano com 18 anos e é preguiçosa até para começar uma dieta como deve ser, quanto mais para abrir um sorriso, que envolve demasiados músculos. A Tatiana, que fala como a mãe (stander, engive, óbcesso, slada, Berssska, and counting) teve o azar de, um dia, me corrigir uma frase.
Ela entra e iniciamos diálogos assim:
- A roupa deixou toda de servir ao meu filho, ele cresce todos os dias - avisa-me disto quatro vezes por ano, portanto. Com a intenção de...?
- ...
- Tenho que lhe comprar roupa para 14 anos - ele tem 12.
- ...
- Os calções não lhe passam dos joelhos.
- Engordou.
- Não... alargou...
- Engordou.
- Ele o que tem é rabo, por isso os calções não lhe sobem...
- Engordou. O seu filho faz algum desporto?
- Eu bem lhe digo que está há três meses em casa de rabo para o ar, agarrado ao computador, só engorda! - as palavras "computador", "Bimby", "carrinha" e "minha filha/filho" fazem parte de 60 % das frases dela.
- Pronto, engordou. E vai jogar à bola para a rua com os outros miúdos, ao menos?
- Vai, chega-me a casa todo suado!
- É porque engordou.
(Pá, calem-se, que eu já tenho uma Penthouse reservada na quinta subcave do Hades)