28/02/2017

And that awkward moment # 19

em que recebes um convite para um aniversário e, logo de seguida, te fazem chegar um NIB para, ao que parece, alavancar uma viagem de recreio, cujo destino não te é comunicado?

Zé, velho Zé... agora que está a ficar velho, refina.
Faz anos, o Zé. A completar década, acha por bem convidar a malta toda do seu tempo de garoto e jovem. Para que não pareça tão mal comemorar os dele e não os dela, faz saber que a festa é dos dois, sendo que ela completou a mesmíssima idade... há um ano e um mês. 
Foi sempre um sovina sem lei nem grei, poupando no impensável, criando situações profundamente inóspitas. Toda a gente deve ter um amigo assim, para quem dar boleia a um ou a dois faz toda a diferença em termos de poupança de combustível, e capaz de mandar um amigo de autocarro (ainda que chovam picaretas), porque os mil e quinhentos metros que distam até à sua casa são capazes de lhe gastar mais um mililitro de gasolina no carro mais insustentável daquela e de todas as épocas. (Uma m. de um 2 CV e faz favor refreiem lá a tentação de vir para aqui dizer que o 2 CV era um granda carro, porque não era. Justo era que tivessem todos matrícula CM.)
Foi também o primeiro a atingir um lugar certeiro para trabalhar, daqueles que ficam para a vida, e que são imunes a crises económicas e outras tempestades, logo assim que saiu do forno onde todos fomos cozidos.
É, de todos, o que menos precisa de ajuda para pagar o almoço de aniversário ir viajar com a sua Maria.
É e será sempre o primeiro a estender a mão vazia, com os bolsos cheios.


Free


Hoje em repeat na minha pobre cabeça dançarina. Tudo derivados a uma aula extra. 
(Coreografia dança contemporânea) 

 Bom Carnaval, môres.

27/02/2017

Na blogosfera como na vida # 2

Parecendo que não, tudo isto está relacionado com o Carnaval. 
Estava ontem a meditar sobre um mantra daqueles meus, com ar e cheiro [lá mais para a frente, já vamos perceber por que é que hoje o verbo cheirar me é tão pouco caro] de pita corada, 


e, nem de propósito, hoje decidi mascarar-me. De jovem inconsciente e avariada dos chifres. Bem, não foi bem, mas tinha umas cenas para fazer que implicavam algum endurance da minha parte, e vai daí e calcei aquele téni que faz de mim a jovem mais jovem mais ganda-maluca da minha cabeça. 
Depois pisei cocozinho de cãozinho. 
Na verdade, pisei uma bosta de vaca, saída do orifício de um boi cão a sério. Um tarolo tipo um toro, não sei se estão a visionar. Daqueles que a pessoa pisa e se colam à sola, fazendo-nos uma ternurenta companhia por mais três ou quatro passos, até nos apercebermos de que algo esponjoso em nós se cola ao passeio, na mesma medida em que nos provoca um suave coxear. Tipo pastilha elástica xxl, não consigo ser mais específica nem mais gráfica. Lamento. 
Não posso dizer que tive um pensamento escatológico, porque sou sempre a mesma pelintra desaustinada, e ocorreu-me logo que pisar a defecação é sinal de dinheiro. (Também possuo uma alergia brandamente furiosa a esta palavra, mas, de vez em quando, tem que ser. Já bati na boca.) (Com pouca força.) (E tirei os anéis.) Até fiquei contente, no fundo, apesar de ter tido que limpar com um palito aquelas reentrâncias todas da sola do téni. E andado a esfregá-lo na relva e nas poças de água que encontrei pelo meu caminho. (Vá, mas não sou assim tão boa, que bem roguei uma ou duas pragas aos donos dos cães, e à fraca mão sem ferro do nosso policiamento.)
Apesar de tudo, fiquei a cheirar mal dos pés. Daquele pé, pelo menos.
No entanto, retirei uma grande lição, que há-de ter sido dimanada lá pelo cosmos: nunca saias do salto. 


26/02/2017

A idade é um posto?

Já tive esta sensação tantas vezes que não pode ser só uma impressão minha, ou uma mania da perseguição, daquelas de que sofro amiúde com minudências e menoridades. Existe, está confirmado por mim mesma, através daquela cena hegeliana da tese, antítese e síntese: ora, disse-me esta última que sim, que existe uma casta de miudinhas que consideram que só elas podem (e devem!, acrescento eu aos berros) fazer ginástica, ou melhor, frequentar ginásios, pelo que, e em consequência, a espelunca daquele espaço (sempre claustrofóbico, fedorento e de paisagem inestética), lhes pertence no seu todo, até ao mais ínfimo cantinho, por consequência de uma qualquer escritura que assinaram naquele preciso momento em que decidiram mudar de estilo de vida, ou lá o que é que as move.
Senão, vejamos: 
1. Ele é toda uma atitude sempre que a pessoa se encontra, languidamente, a ocupar um tapete, uma máquina, um qualquer recanto lá do espaço do qual, como já vimos, são donas: colocam-se em posições tais, disparam olhares tamanhos, processam sussurrinhos entre si tão evidentes de que é aquele lugar específico que pretendem ocupar , que, não fora uma data de coisas, uma pessoa até se sentiria mal e trataria de lhes fazer a vontade se:
    a) Fosse insegura — oh, shit, I'm not;
    b) Não as topasse e não estivesse verdadeiramente a defecar-se para aquelas intenções tão óbvias;
    c) Não tivesse já tido a idade delas, coisa que não é recíproca e na qual, portanto, leva vantagem;
    d) Não pagasse a sua mensalidade;
    e) Considerasse a vaga hipótese de elas terem alguma razão — mas é que não.
2. Ele é toda uma série de momices ao nível da conquista do exíguo rectangulozinho que é o banco corrido do balneário, destinado a apoio, para sentar ou colocar o saco (ou, na loucura, ambos, sei lá). Vai de exemplo: a pessoa põe o saco. Logo surge uma incomodada que precisa daquele mesmo niquinho de madeira para ali colocar a sua escova do cabelo, ainda que todo o banco esteja livre;
3. Ele é a palhaçada de a pessoa abrir o seu cacifo e quase se meter inteira lá dentro para se vestir, e já ter a do lado a precisar que feche a porta do seu para que ela possa não só abrir o dela, como também ali montar escritório, procedendo a mil actividades, entre responder a duas mil mensagens, pôr/tirar vários totós do cabelo, passando pelo espalhar de não sei quantos cremes para não sei quantas zonas diferentes e específicas do corpo/cara/cabelo/mente, mas que cheiram todos, basicamente, a coco (não pus circunflexo nem acento agudo, por motivo de uma dúvida não gramatical que só eu sei);
4. Ele é nas aulas de grupo, aquela imperiosa necessidade de se colocarem na fila da frente assim que se apercebem que a pessoa já ali estava. Penso que são as mesmas que discutem o mesmo lugar nas aulas de matemática.
Tudo nelas, desde os rolling eyes mais ou menos disfarçados, à linguagem corporal, passando pela atitude, grita Minha senhora, ponha-se no seu lugar! (Vá para casa coser meias!) [Quem melhor do que uma mulher para ser machista com as outras mulheres?] E eu, olhem, ponho-me: no meu tapete, na minha máquina, no meu espaço, na minha fila da frente.


25/02/2017

24/02/2017

Pagar e morrer, quanto mais tarde melhor - Ditado # 18

Toda a gente me faz propostas indecentes. 
(Também tenho uma propensão marginal para ser transformada, contra a minha vontade, pelo menos consciente, em confessor de tudo o que é vergonha e drama existencial mundial e mundano. Sou uma vítima de mim mesma, no fundo. Não tivesse eu esta cara de padre-psiquiatra-tonta-da-aldeia, e teria uma vida muito mais, se não fácil, pelo menos facilitada.)
Entro na casa de cafés da Nestlé*, ponho a máquina desfalecida em cima do balcão, que levo num saco de plástico, amarrado como uma trouxa — e com o qual atravessei o shopping todo, ah, se estivéssemos em Paris, mon amour, onde mora a civilização, não haveria força policial que não me interceptasse, mas aqui neste país à beira-mar plantado, mais concretamente nesta menina e moça à beira-mar estendida, é sempre esta desolação —, anuncio que a levo avariada e que pretendo a sua reparação. O funcionário pede-me autorização para fazer um pequeno diagnóstico à enferma, entro nos delírios do costume, com vontade de fazer perguntas absurdas [Mas vai doer? É preciso assinar alguma coisa? Vão dar-lhe contraste? Quando é que tenho o resultado?], mas calo-me, depois de anuir. Vem de lá ele de volta, com a minha pobre máquina inerte, um papel A4 em duplicado, um ar pesaroso, e pergunto, absurdamente: 
- Está mesmo avariada?
Responde-me com um silencioso abanar de cabeça, e respeito-lhe o silêncio, engolindo um litro de saliva pela mera perspectiva de ter que comprar uma nova (e já a preparar o discurso "Vou mas é para a Delta**, aqui não me apanham mais, que ando farta desta cena da boutique!"). Apresenta-me a papelada para eu assinar, mas antes faz-me saber que existem duas formas de pagar o tratamento: 
- Ou a senhora paga 19 euros quando vier levantar a máquina, ou adquire já duzentas cápsulas e não paga nada.
- Duzentas? Isso é quanto? 60 euros?
- 75.



Há-de ter sido diante da minha cara n.º 4 que ele se explicou:
- É que, assim, a senhora fica com um bem que, mais tarde, ou mais cedo, iria consumir.
- Iria. Mas pagar e morrer, quanto mais tarde, melhor.
Concluo que não dou para economista, uma vez que sou incapaz de fazer este tipo de poupanças. Mas isso pode dever-se à tal propensão marginal. 


* Ninguém me paga para me calar.
** NMPPI

23/02/2017

Na senda de "Sou só eu?" # 4

Hoje acordei um bocadinho MRP, pelo que pretendo plagiar-me a mim mesma. Tudo porque acho que já falei disto, mas, sendo o caso, preciso de falar de novo.
Estou que nem me seguro. 
De entre outras graxas, betumes e rebocos que utilizo diariamente para parecer mais nova, bela, distinta, lúcida, sóbria, educada, fresca e quente, encontra(va)-se o eyeliner da Sephora*. Na verdade, não sei muito bem ao certo para que serve o eyeliner no meu caso, porém havia um tom de cinzento escuro que parecia que me alongava, aumentava, esticava, potenciava, pronunciava o olhar muito para lá do pretendido e do razoável, fazendo de mim a Miss Olhos Ímpares da minha rua do meu prédio. Não sendo preto-carvão, não me punha com ar smokey — que também havia de me ir muito bem, mas não pretendo — nem mal dormido, nem mal alimentado, nem mal coisa nenhuma, nem mesmo até anos 20's do século passado. (Ai, aquelas boquinhas, que miminho!)
De repente, acabou-se-me a embalagem, uma vez que, tal como diz o povo, não há bem que não se acabe. (Mas, lá está, pela mesma ordem de ideias, era o eyeliner ser uma porcaria e também não duraria para sempre e todo o sempre.) Peguei nela, meti-a na mala e dirigi-me à loja para comprar outra igual. É óbvio que, por mais que rebuscasse, a bendita não apareceu, já que existe em mim o fenómeno do desaparecimento das merdinhas no único momento da vida delas em que fazem alguma falta ou podem ser úteis. Através da descrição, ouvi a resposta que mais temo, logo a seguir ao clássico só-há-o-que-está-exposto: Foi descontinuado.
Qual é a cena de descontinuarem as cenas?
Ele é o perfume, ele é o champô, ele é o café, ele é o papel higiénico.
Não vendem, é? Sou só eu que compro, no planeta Terra? Não compensa porque sou eu? É alguma coisa pessoal? É preciso fazer o quê? Quando gosto de uma coisa, comprá-la por atacado e arrendar um armazém (ou alugar um contentor) para acumular, e, assim, garantir que vou ter sempre? 
Descontinuada serei eu um dia, para grande mal da Humanidade, sem grande remédio, e lá a ver se alguém se anda a preocupar em clonar-me para garantir que não falho. Ora esta. Pôxa, deprimi.

*NMPPI



22/02/2017

Tutan, come on!

A Didi já escreveu sobre a exposição Tutankamon - Tesouros do Egipto, e já disse quase tudo, mas eu também quero. Estive lá, e também dispendi 11 euros só para entrar, fora as outras largas centenas ou mesmo milhares que valem a minha paciência — bem de valor incalculável que ainda não percebi se é de pavio curto ou comprido, dado que aguento secas até à náusea, e só as venho regurgitar aqui três dias depois. 
Começa por que a pessoa aborda o pavilhão de Portugal e encara com uma bicha daquelas mesmo à Expo. Eram cerca de 50 pessoas/grupos/famílias à minha frente, de entre os quais pessoal que, efectivamente, não vai fazer nada para estes lugares, tendo em conta que transporta consigo uma grupeta de crianças mal comportadas e cheias de laços nas cabeças, que não estão obviamente interessadas, nem sabem ao que vão, caso contrário ainda se portariam pior. 
Como é uma mulher prevenida (e, embora não só por isso, vale por dez), naquela meia-hora que dura a espera em pé, debaixo da pala tomara-que-nunca-caia, retira da mala umas bolachinhas de água e sal, que traga. (Verbo tragar, não trazer.)
Ora, somem por mim, que eu não estou psiquiatricamente capaz: trinta minutitos da bicha.
Chegada lá dentro, depara-se com umas cinco ou seis imagens em PB, à laia de pré-exposição, numa pequena ante-sala de espera (!?) para um filme explicativo de como Howard Carter descobriu o túmulo do faraó. Mas, e derivados de ser a rainha da sorte macaca, a sessão, com a duração de 15 minutos, havia acabado de começar, pelo que se viu compelida a esperar pela seguinte. Aquilo entre uns se levantarem e outros se sentarem e desatarem a fita outra vez, foram mais trinta minutitos da seca. Ou seja, a pessoa já vivera uma hora feliz e desnorteada da sua vida, desde que chegara ao pavilhão da exposição, quando começou a ver o filme do Carter e ainda nada da exposição.
(Valeu muito a pena, nomeadamente porque me lembrou as matinés de cinema de quando eu era pequenina, desde a imagem à qualidade do som, à voz da locução. Ou um filme de Super 8, com voz off. Não sei explicar.)
Ora bem, quando a pessoa começou a ver a exposição propriamente dita, ou aquilo que se entendia como tal, já habitava aquele espaço há coisa de perto de hora e meia. Pode ter sido por isso que começou a sofrer de um síndrome qualquer que, não podendo ser o de Estocolmo, há-de ter sido o da visão distorcida. Cerca de dez por cento das peças expostas não continham qualquer legenda explicativa e a maior parte das que a tinham, sofriam de um erro qualquer. Não se trata sequer de uma má tradução, pois que no original inglês os erros persistem. Ó este ilustrativo, tão bonito:

Não sei, talvez deusa... goddess... diosa...

A antecâmara do sarcófago, espaço onde eram colocados todos os objectos pessoais do faraó, aposta numa enorme vitrine, tinha como nota explicativa que se tratava daquilo mesmo, ou seja, nem uma peça identificada. E, convenhamos, eu até posso saber o que é uma caixa de madeira e um baú, mas ele há peças que não me ocorre adivinhar para o que servem. Mas deve dar um trabalho do caneco legendar as cenas, e não há quem o faça.

Tirada daqui

Tirada daqui

Falhas na organização, umas atrás das outras, nenhum guia minimamente instruído que pudesse responder às mil questões sem resposta, uma multidão a deambular de sala em sala, na penumbra, sem rei nem roque nem a amiga. Descuido, desleixo, desrespeito por quem paga e até gostava de viajar sem ter que voar.
Mau.
Não vão.


do Tutankamon?
of Tutankhamon?
Mas andámos todos na escola, ou quê?
Mau.
Já disse?



21/02/2017

Expliquem-me esta mulher # 4

Outro dia, andava eu a deambular pelo balneário do ginásio, quando vejo passar uma outra doida quase totalmente nua, não fora o facto de ter vestido um soutien. Portanto, basicamente, faltavam-lhe as cuecas. Naquele momento não pensei em nada, a não ser no quão treinado está o nosso olho para acolher determinadas imagens em detrimento de outras: o topless já está difundido e vulgarizado no nosso cérebro — especialmente no nosso, feminino —, a nudez total idem, o downless não. Mas suponhamos que pensei que a senhora fosse ali a passar, numa pressa qualquer, que sei lá qual, tipo ter deixado cair as cuecas na outra ponta da sala e ir naquele momento com a intenção férrea de as apanhar para as vestir. Pois, não sei.
Sei que, ao contrário do que havia imaginado, a mesma mulher se acercou dos espelhos, agarrou num secador de cabelo e toca a secar a melena toda naquele (des)preparo. Aquilo, a mim, deu-me bastante que pensar sobre as várias hipóteses que levaram a tão inusitada indumentária:
1. Não usa cuecas e assume;
2. Usa cuecas, mas não assume;
3. Usa cuecas, mas pertence a uma seita que não permite que se usem ao domingo;
4. Esqueceu-se das cuecas em casa e não sabe que:
  a) Isso já aconteceu a 100% das pessoas que frequentam ginásios;
  b) A solução é aquela mesma, mas não há necessidade de exibi-la.
5. Deixou, naquele momento, de usar cuecas, como determinação de Ano Novo que foi impossível cumprir antes;
6. Perdeu as cuecas:
  a) Dentro do saco;
  b) Na rua;
  c) No próprio balneário, por terem os elásticos relaxados;
  d) Onde o Diabo perdeu as botas.
7. Não se apercebeu/esqueceu-se que não vestiu as cuecas;
8. As cuecas eram tão transparentes que eram invisíveis ao tal olho treinado/só os espertos é que conseguiam ver aquelas cuecas;
9. Roubaram-lhas, como a mim a minha garrafa;
10. Foi ela que me roubou a garrafa, mas não fui eu que lhe roubei as cuecas, numa de ladrão-que-rouba-a-ladrão;
11. Andar sem cuecas e com soutien num balneário é todo um pináculo.


20/02/2017

Estou aqui, estou a votar no BE

Richard Armitage, Colin O'Donoghue, Ryan Gosling e
Ricardo Robles

Um caso de manipulação genética, clonagem, separados à nascença?
É indiferente.

Eu meti a sexta

Foi há uma semana, mas conta na mesma. Era domingo e foi no eixo norte-sul. Talvez fossem umas 11, grosso modo, isto mais minuto, menos minuto. Rosinha pediu, Rosinha teve.
Nunca tinha metido a sexta velocidade. (Na verdade, nunca tinha conduzido um carro com sexta.)
Já está. 

(Nota mental: passar de sexta para quinta é como passar de quarta para terceira; e de segunda para primeira.)


19/02/2017

Diálogos à sombra # 28

Tenciono ir ver a exposição do Tutankamon, e pergunto-lhe se também vem. Responde-me que está de calças de fato de treino e, por isso, não vai. Ao fundo, ouço a voz da bilingue:
- Mummies don't give a shit!
[O que é que a pessoa ouviu? Mummy don't give a shit.]
Sentindo-se moderna, pensa que, finalmente, os filhos a consideram uma descontraída, e, feliz, confirma:
- Pois não, hoje até estou de calças de ganga...


Vá que (ainda) ninguém me chamou múmia.

Queria falar-te da minha tristeza pequenina sem te carregar com ela

Não quero que penses que sou uma pessoa triste, logo eu, que sou a pessoa mais alegre que conheço (e, se calhar por isso, a mais triste também. Preciso de equilibrar tanta euforia pela vida, tenho que justificar ao Mundo que gosto de aqui estar — quando gosto, porque gosto, e por que gosto, e que é muito —, que tenho tido uma sorte mal ou bendita, que parece nunca me querer largar, lagarto, lagarto), porque não sou. Mas tenho umas tristezas pequeninas, que são as que me dão mais alegrias, pois sem elas nem saberia ser feliz, assim desta forma, tão vasta e tão parva, tão plena e tão funda. Sei, por exemplo, neste momento, que se aloja uma tristeza minha num canto de uma sala, nem sei como, se aquele é o ponto mais bonito e mais iluminado de todo aquele espaço, mas é precisamente ali que ela me toma, e por isso já não vou para lá, cobarde ou desistente de lutas sem tréguas em que saio sempre vencida. Fosse eu a triste pessoa que não sou e quisesse ter uma inspiração bonita para escrever bonito, e era ali que iria recolher-me em criação literária. Também sei, por outro exemplo, que senti uma tristeza pequenina, fina e afiada, no momento em que ela me relatou uma história que envolvia um boneco bebé-chorão, mimado até ao desinteresse nos braços que me haviam de carregar a mim no colo, grande demais para eles que sou agora, mas que, por mais uma vez, esteve indisponível para me acolher, umas vezes demasiado pequeno, outras efectivamente distante. É por estas coisinhas assim, sem importância nenhuma, que às vezes choro da mágoa que foi a grande injustiça de ter perdido a minha gata. São tão pouco importantes as minhas tristezas pequeninas que qualquer dia não me lembro de nenhuma delas — ou terei outras, assim exactamente do mesmo tamanho, para me compensar da falta destas —, só que, se as somar todas juntinhas, parecem mesmo a soma das partes e dão um todo, que é uma tristeza que parece mesmo enorme. Mas não é.

18/02/2017

Desesperado/a por visualizações no blog?

LB, num exercício pro bono de grande abnegação e extremo despojamento, ensina:
Não escrevas.

É só este o segredo.
Nos dias em que não escrevo nenhuma coisa, tenho mais visitas do que naqueles em que posto postas logo pela manhã. 
Cerca de 57% — percentagem quase rigorosa, retirada de estudo praticamente científico por mim elaborado, com dados fidedignos e não viciados (daqueles cubos 🎲 que vão de 1 a 6) — das visitas diárias disto, acontecem até ao momento em que publico uma coisa qualquer. Ou seja, não é a postagem que traz para aqui pessoas. 

Ou será antes o cosmos a gritar-me pedir-me rogar-me Não escrevas

17/02/2017

Eu gostava era de ter escorbuto ou herpes labial/Um post onde LB escreve as palavras pipi, cuecas e soutien

Após pausa sabática de quase um mês, que percorreu alguns sábados, é certo, mas também os outros dias da semana todos, deu-se hoje o regresso ao ginásio de uma pessoa. 
Lembram-se da história das minhas havaianas? Eu também não, mas o blog não mente. Hoje repetiu-se a saga com a minha garrafa de água. Linda, azul, curvilínea, quase a minha descrição, se eu fosse (ainda mais feita) de plástico. Tive o grande atrevimento de ir fazer um pipi [Linda Blue, aquele ícone, escreveu a palavra pipi no blog histriónico de que é autora] antes do treino, pousei a garrafa não sei aonde (autoclismo? dispensador de papel? na minha própria cabeça?), que foi um ai enquanto fui só ali e já voltei, que já não tinha garrafa nenhuma no lugar onde a deixei. Não houve buscas, não houve súplicas, não houve ameaças, não houve promessas a senhoras dos aflitinhos que me valessem: a minha garrafa azul sumiu no ar, como um anjo alado. 
Eu só quero perceber o princípio de quem encontra uma garrafa, que obviamente foi acabada de deixar naquele lugar, e fica com ela, sem sequer passar pela secção de perdidos e achados mais próxima. Também já lá deixei uma toalha de treino usada, que nunca mais vi. Há uns anos, foram umas cuecas e um soutien [Linda Blue, aquele ícone, escreveu as palavras cuecas e soutien no blog histriónico de que é autora] usados, que também nunca mais vi. Espero que quem os encontrou e se apossou deles lhes tenha feito bom proveito. Mas, no fundo, o que me agonia não é que me andem a ficar com as cuecas, os chinelos, a toalha suada ou a m. da garrafa, onde meto as beiças. É que haja gente capaz de reciclar e reaproveitar m.s usadas por sabe lá quem. Ó pá, a sério, em última análise isto não é roubo? (Não, quanto muito, é furto, eu sei.) Então as gajas estão no balneário, vêem que deixei as minhas ceninhas e metem-nas no saco? Gatunas. Larápias. Deviam ir reclusas.
Vá lá a ver se desta vez não mereciam este cartaz-zinho:


16/02/2017

Amadeo, amei

Exposição no MNAC: check.


Ela fala tanto # 13

Faz a minha cama, enquanto profere uma frase com a palavra menino oito vezes (sei porque contei), anaforando alegremente. Qualquer coisa como: 

Agora a minha Tatiana não está a trabalhar [agora...] e fica a tomar conta do menino, só que o menino, mal me vê, quando eu chego, só quer o meu colo, e eu não posso andar com o menino ao colo enquanto faço o jantar, tenho que dizer à minha Tatiana 'Pega lá tu no menino, que eu tenho que fazer o jantar', e ela também é muito ciumenta com o menino, porque foi a ela que a minha irmã disse para tomar conta do menino, só que o menino fica muito chato ao fim do dia, e não a quer a ela, o menino só me quer a mim. 

[Jesus.]
(Menino Jesus.)
(Um dia vou perceber esta necessidade que o povo tem de chamar menino e menina às suas crianças. Eu devo ser uma bruta, tratei sempre os meus, os teus, os dele, os nossos, os vossos e os deles pelo nome próprio. Ou então, o rapaz, a rapariga, o miúdo, a miúda, a criança. Ai, que agressivo para com o menino e a menina.)

Um par de horas mais tarde, disse-me assim:
- Então há bocado, estávamos tão distraídas à conversa [but wait...], que nem vi que não lhe fiz a cama de lavado. Depois tive que desmanchar tudo e pôr os outros lençóis. 
[Eu distraio-a. À conversa.]


15/02/2017

Um pano encharcado nas bochechas

Vi anunciado num blog que sigo, e vai daí entusiasmei-me e qui-la: a toalhinha desmaquilhante da Sephora*. O que prometia, que era passar o trapo em o rosto à noite, imediatamente antes do recolher aos aposentos da princesa, e ficar magicamente sem graxa nem tinta desde o queixo até à raiz, era promessa a levar em conta, porque só mesmo quem passa por elas é que sabe. Assim la qui-la, assim la tive-a. (Cara, a coisinha para a cara — 20 euros por um pano do pó, que só dei porque também tenho as minhas idiossincrasias e às vezes julgo que não tenho mais onde o enterrar.) Tão fofis, ainda por cima vem numa caixinha a fazer de conta que é uma borracha para apagar borradas e borrões. Eu escolhi a cor-de-rosa porque a tinta que coloco nas pestanas é preta e dá-me jeito verificar se já saiu ou quê. (Nota mental: se e quando usar tinta cor-de-rosa, compro a preta.)


Gostei logo muito dela quando a tirei da caixa. Parecia uma daquelas fraldinhas/paninhos/trapinhos que os bebés usam como xodó para ó-ó. Estive a ponto de ir nanar um nico antes de a estrear. 
Mas ó: este post não é para dizer mal. O que a Make Up Eraser* promete, a Make Up Eraser cumpre: molha-se a bichinha até parecer uma chinchila molhada, passa-se pelo rosto, pestanas incluídas, e sai tudo.
O que parece? Um bocadinho de peluche. 
Há por outros preços? Em qualquer lado, neste momento. Na Primark*, são 3 toalhas por 4 euros. A da Elite Models*, a 8 euros. Enfim, para todos os gostos e para meu desgosto, que tinha que comprar a mais cara. 




E é bom ter mais do que uma, porque ela suja-se dramaticamente ao primeiro uso, e depois só lavando na máquina é que fica bonita e cheirosa de novo. Aliás, nas primeiras utilizações — e porque nunca leio instruções com cuidado, e depois queixo-me da vida —, usava, passava por água, no dia seguinte ainda estava húmida e a cheirar a mofo, voltava a usar, repetia-se a cena, eu cada vez mais a deitar-me com a cara a cheirar a mofo, nem sei como não arranjei um fungo facial (deve ser porque não existe), até que li que a toalha aguenta até mil lavagens, ora senhores, mil lavagens são três anos, e eu sei lá se daqui a três anos:
1. Ainda tenho cara;
2. Ainda me maquilho;
3. Ainda me maquilhando, ainda me desmaquilho;
4. Não estou já cheia de netos e a dar-lhes a Eraser para dormirem sossegados a sesta;
5. Não foi já inventada a pólvora seca, que é só espalhar na cara e bum!

_____________________________
* NMPPI
Tudo imagens palmadas da nettinha


14/02/2017

Namorando trapos

Nada como fechar os olhos, cerrar os punhos de braços dobrados, suspender a respiração e desejar com muita força que o sol regresse e que o Inverno se acabe depressa. 
(Sei lá se é um mantra.)
(No dia em que este blog se dedicar a palavras de alento, auto-ajuda e motivação — tenho uma alergia suavemente furiosa a esta palavra —, terei que lhe encontrar os quartos traseiros para lhe assentar um valente roundhouse kick.)

Sinto que já ando de namoro a vestidos felizes, e isso pode ter algum significado. 

É amor sóbrio e fiel o que me proponho dedicar a este lindinho.

Por este sinto amor-tonto, amor inconsequente, amor sem amanhã.

Este só tem o grande defeito de me transportar
para o Japão, para onde não quero ir. Fora isso,
até beijinhos lhe dava.

No entanto, a realidade ainda é esta outra: 

Casaco adquirido ontem. Ainda estamos naquela fase do amor-amor,
ninguém nos separa um do outro nem à vergastada.

Tudo Lanidor, mas, acreditem ou não, NMPPI. Antes pagasse, o site está recheado de bombons. 

13/02/2017

100 sombras

Já não se pode ir ao cinema sem se levar com a pastilha do trailer das sombras do Sr. Grey. Diz que estreia amanhã, a propósito do dia dos namorados (?). 
Vamos já aqui acertar dois ou três parâmetros, que é para que não hajam confusões: eu não li a trilogia das sombras. E não lo fi-lo por três ordens de razões, cuja ordem é absolutamente arbitrária:
1. Não faço viagens de metro suficientes para ler um livro desses, quanto mais três;
2. Não tenho uma daquelas capinhas floridas, que servem para tapar a capa do livro que se vai a ler, muito concentrada, entre Arroios e o Martim Moniz, numa de não-tens-nada-a-ver-com-isso, ou eu-sou-bem-comportada-mas-preciso-de-saber-do-que-se-fala-lá-no-escritório;
3. Não sou suficientemente mentirosa para ter lido e vir para aqui dizer que não li — o mais certo era desbroncar-me, ou eu não me conheça;
4. A actividade sexual dos outros interessa-me, basicamente, zero.
Afinal foram quatro.
Vi o primeiro filme, já em casa — porque pagar e deslocar-me para ver o que se anunciava, também me pareceu desperdício a vários níveis —, e aquilo foi o tédio. Também já me havia entediado até ao bocejo com o Nove semanas e meia, e era muito mais nova do que sou hoje (assim como era ontem) (assim como era a Kim Basinger), por isso acho que a idade não perdoa, sim, mas emplastros em forma de filme. 
O trailer das Cinquenta sombras mais negras anuncia mais cenas de sexo à maluca, tudo muito consentido, em que a frágil Anastasia mantém o ar frágil (ó pá, coitadinha, lembra-me a Sophie Marceau quando tinha 16 anos, no La Boom, não consigo desligar o impulso de ter peninha dela), entre orgasmos no elevador, contra a parede, e até tira as cuecas no restaurante (porque ele manda). Ui, que maluquinha. Que atrevida. (Espero que a moda não pegue. Deixem-nos andar de elevador sossegados, e tomar uma refeição sem interferências ao nível sensorial.)
Mas, como nem tudo pode ser mau, a música que acompanha o trailer é o melhor que ele tem. O original é Beyoncé, e heh. Esta é cantada por (simplesmente) Miguel, mas não houve modo de encontrar apenas a música sem o trailer, portanto aqui fica. Desculpem. 

12/02/2017

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 4


Deve haver poucas compras que me façam mais feliz do que a das caixas térmicas, caixas de culinária, Tupperwares*. Daqui se afere a minha pequenez mental, ou, por outro prisma (haverá moeda que não tenha duas faces?), a minha grandiosidade intelectual, pois que melhor desejo pode assistir a uma dona de casa não desesperada do que o da arrumação, organização, determinação, sobretudo àquela que é tudo menos isso tudo?
Acerquei-me do stand da marca, que adoro sabe-se lá porquê (quando eu era pequenina — e pode vir daí —, havia uma publicidade que dizia que eram as únicas caixas que fechavam, e acho que não é mentira nenhuma: experimentai encher uma com água e virá-la de borco. Não cai nem uma gotícula, uma coisa de ir às lágrimas), e pedi tampas. Desabafei assim: Na minha casa dá-se o fenómeno das tampas. Respondeu-me a funcionária: O fenómeno do desaparecimento? Em todas as casas, minha senhora. 
Muito mais descansada, pedi então caixas, mais para incrementar a minha colecção (digna de um coleccionador de obras de arte, ou de relógios) do que para substituir as que já tenho, e anunciou-me a mesma senhora que Estão com 50% de desconto. 
(Ai, os saldos e eu; ai, a pelintra que sempre me habitará, ainda que o Euromilhões me estoire em cima.)
Escolhi duas de 1,2 litros, tampa obviamente amarela, porque amarela é a minha cozinha e amarelo é a cor dos malucos, e recebi mais duas, de oferta, uma por cada uma das que adquiri. Pensando que os 50% eram a oferta das duas mais pequenas, eis que sou brindada não só com o brinde, como também com o desconto. Ou seja, paguei metade por duas e ainda trouxe outras duas. Ou, ainda (tão) melhor: paguei uma caixa e trouxe quatro. 
Não consigo fazer esta conta, e isto é importante para mim: 
1. São 75% de desconto? 
2. Tendo em conta que as caixas de oferta têm metade da capacidade, pode considerar-se 75%, ou é menos? 
3. Faço o somatório das capacidades das quatro caixas e depois uso uma regra de três simples?
4. Somo tudo e divido por cem?
5. Esqueço o assunto e vou fazer sopa?

(Vê-se mesmo que é domingo: estou sem assunto; estou incapaz de acordar o neurónio.)

* NMPPI, mas o post é mesmo sobre a marca, embora eu chame tupperware (taparuéres) a tudo o que é caixa plástica para conservação de alimentos.


11/02/2017

Eu tenho problemas com doidos # 13

Estava eu muito bem no posto de abastecimento, ainda a viver partes do filme de David Lynch que constitui esta minha existência, à espera que a segunda chave viesse abrir Rosinha, tão trancada que mais parecia ter sete chaves e não apenas duas, sem ter nada para fazer a não ser contemplar a bela paisagem e esperar (o cosmos é muito engraçado, até parece que não esperei já 36 meses da minha vida, fora mais uns quantos que não contam), e vejo um cão. Um cão belíssimo, todo assim em bege, grande e magro, com um pêlo a parecer o de um casaco de pêlo de camelo. Estava agarrado pela trela a um poste, enquanto esperava pelo dono. Nisto, passa ela por mim, toda risonha, olhos em linha, óculos da cor do cinzento do cabelo e desata a travar um diálogo:
- Ai, que linda, ali tão quietinha à espera do dono.
- É um cão. 
- Pois, mas parece não estar nada satisfeita de ali estar.
- Tem o rabo entre as pernas, pode estar com medo da porta, que se abre cada vez que ele se mexe. 
- Ou então não, coitadinha.
- É um cão. Olhe que, visto daqui, não dá grande margem para dúvidas. 
Ela deu uma gargalhadinha redonda e disse assim:
- Ou então, tem lá os problemas dela...
- É um macho. É um cão. Daqui de onde estou posicionada, consigo vislumbrar perfeitamente o sexo do animal. 
- ... que ela também há-de ter lá os seus problemas, isso a gente nunca sabe...


[Genitais.]

10/02/2017

Dos chatos cumá [porra da] potassa

Eu tinha que ir meter gasóleo em Rosinha?
Tinha. E fui. Fiz tudo bem, estacionei do lado certo em relação à entrada do depósito, entrei na bomba, pedi gasóleo, paguei, saí, carreguei no botão lá para abrir a cancelinha do combustível, abasteci e...
...
...
... e não consegui voltar a entrar no carro. 
Vamos lá a ver se a gente se entende: meu Rosinha não precisa que se use a chave para o abrir. Ela anda dentro da mala, é só preciso carregar num botão do manípulo da porta para a abrir, que ela sente a proximidade da chave. Mas dá-se que não estou habituada a nada tão evoluído, e fiz o que faço sempre: meti a mala dentro do carro enquanto abastecia.
...
...
... e fechei a porta.
Fiquei fora do carro, triste, só e abandonada, gelada, gelada. Sem chave, sem telemóvel, sem ligação à Terra. Dirigi-me de novo ao balcão e pedi ao funcionário que me emprestasse um telemóvel, explicando-lhe a sit. Um senhor, muito cavalheiro, achando-me mais aflita do que eu efectivamente estava, disse: Se a senhora quiser alguma ajuda, estou ao dispor.
Obviamente que o telemóvel do rapaz não funcionava, porque a minha vida tem sempre que ser um filme de Lynch e só falta mesmo o anão entrar e desatar a dançar. 
Obviamente que o senhor insistiu que podia ajudar-me.
O rapaz foi buscar outro telemóvel, que até fazia chamadas. 
E o senhor, que já não estava a fazer ali nada, repetiu: Se a senhora quiser, eu posso ajudá-la. 
Respondi-lhe Muito obrigada, não preciso de nada, enquanto toda a minha expressão gritava Sim. Podes. Sim. Ajuda-me. Desliza. Raspa-te. Desintegra-te. Eclipsa-te.


09/02/2017

Rosinha (?) e eu

Ainda estamos a fazer-nos um ao outro, my new baby and I. Tenho que lhe arranjar alcunha a preceito e a contento. E contente. 
Meu barco.
(Ocorreu-me agora, não quer dizer que fique.)
Meu iate.
Rosinha, minha canoa.
Bluecar.
Bom, não interessa. Hoje não estou boa para baptizados.
Já passeámos tanto por esta cidade, Rosinha e eu.
É todo um mundo novo a abrir-se de par em par, como as portas.
Mas não é a isso que venho. Não é a dar conta do cheiro maravilhoso, no painel maravilhoso, do som maravilhoso do motor (também maravilhoso), e do quão xtpendaça (para não dizer maravilhosa) me sinto lá dentro. (I'm too sexy for my car, baby!) De manhã, nem sabia o que vestir, tamanha era a carga de nervos, só de me imaginar a sair lá de dentro mal enjorcada, pois bem já basta o que basta (o despenteio; a facilidade com que me engano no percurso a pé e tenho que arrepiar; o destrambelho; o mundo da lua em toda mim). Ao fim de experimentar três saias (vá que não umas em cima das outras) (vá que não foram sete), saí. Por acaso, esta que tenho vestida é a quarta do dia. Não sei se ainda visto mais alguma até me deitar.
Também não venho contar que o painel dizia 6,9, depois 6,8, depois 6,7 e a pessoa achou que era a autonomia do combustível. Assim achou, assim agiu, e colocou-se na bomba, mesmo sem saber onde é que fica o botão do depósito. (A autoconfiança é uma coisa muito linda.) Sai então da viatura, explora na porta, explora junto ao chão (do carro, tá?), explora sem resultados, pensa em abrir o manual de instruções (tudo menos perguntar a algum transeunte, uma mulher tem a sua dignidade), até que uma vozinha angelical lhe diz Olha ali, e, de facto, era ali: logo abaixo do volante, do lado esquerdo, capaz de a pessoa ter que se acocorar dentro do carro ou alçar o codril já cá fora dele para chegar a tão recôndito lugar.
Nem venho confessar que me assalta à mão armada a dúvida metódica: ponho Diesel normal ou Diesel 10? Espera, o bebé é bebé, precisa de filet mignon. Ai, mas se o estrago? 
(Eu sofro de um grave problema quando se me apresentam as hipóteses A e B. Marro para o meio.)
E que liguei ao comproprietário, a sentir-me superiormente iluminada quando fiz a pergunta:
- Ponho Diesel 10, não é? — Senti-me também um pouco taxista a dizer Diesel. (Carro a diesel é tão fogareiro.)
Eu tenho um carro a diesel. Chiu.
(A mulher pode.)
E também não venho cá dizer que li mal, que os 6,7 não eram indicação de autonomia do combustível, e sim do consumo naquele momento.
(Ainda tenho tanto que estudar.)
(Devia adoptar aquela velha máxima dos informáticos, RFM — mas sou um nico preguiçosa.)
Eu bem tentei, mas ainda não foi desta que consegui meter ali gasóleo.
Diesel.


E os teus silêncios, o que é que dizem?

Alguns, gritam coisas. Outros, sussurram.
A minha Titi dizia-me muitas vezes, Cinco tostões pelos teus pensamentos.
(Eu já era dada a disparar para o zero.)
Naquela época, ainda havia tostões, que, como se sabe, eram muito mais valiosos do que os cêntimos que temos agora. Dois tostões compravam uma mini-Pirata.
Mas dois tostões não compravam o meu silêncio, nem mesmo cinco.
Dizem - branco - lua - ausência - jardim secreto - paz - pausa - fuga - regresso - voo - adeus - nada.
Às vezes, é nada.
Mais nada.

08/02/2017

É tão blogger da minha parte # 11

Ali onde se lê 25 km, é a pura verdade: fi-los eu. Desde os zero.

O meu bebé é azul, azul, da cor do céu (da noite), lindo, riquezas da sua Linda. 

há momentos em que simplesmente não fazes falta

Desde o dia em que nos tornamos mães, passamos a ser mães do Mundo inteiro.
Desde o dia em que nos tornamos filhas, passamos a ver mães no Mundo inteiro.
~
Custa-me baixar os braços, desistir e seguir em frente. Na realidade, sigo transversalmente, enviesada, torta e mais perdida. Teimar em manter as unhas que tanto amo de encarnado bonito, é uma batalha que já travava sozinha, contra a indiferença, feita impaciência, de ausência feita, e então decidi, com muitas (auto)ajudas — como em tantas decisões verdadeiramente importantes da minha vida —, deixá-las apenas limpas e cuidadas, de verniz de amor transparente. E se me doeu realizar que nunca mais verei as unhas da minha mãe de amor encarnado.
~
Subi a rua à procura de lugar para parar um pouco o carro, e, ao alto, vi-a deitada no asfalto, rodeada de gentes várias. Tinha chovido desalmadamente toda a manhã, mas a estrada já estava seca, e dei por isso graças não sei a quem. A miséria humana mede-se por pequenos pormenores, invisíveis lapsos de tempo, que podem fazer a diferença entre a desgraça total e um incidente sem importância. Antevi-lhe as pernas vestidas por umas calças de malha confortável, os pequenos pés calçados por botins de salto raso, e não foi difícil perceber que se tratava de uma senhora de idade. Parei e saí do carro, acerquei-me para prestar a ajuda que fosse necessária, mas apercebi-me quase imediatamente da inutilidade da minha presença: a senhora fora atropelada, já fora chamado o INEM, o condutor, aflito, estava presente, assim como duas funcionárias de uma associação de gerontologia, um rapaz tinha ido buscar um edredon para a tapar, e duas raparigas diziam palavras de conforto, como "Está tudo bem", e "Vai ficar tudo bem". A senhora queixava-se, a cabeça ainda estava pousada no asfalto, de onde escorria uma pequena quantidade de sangue; os óculos, redondos e de aros finos, haviam tombado e ficado a poucos centímetros da cara dela; o cabelo, de um ondulado muito bonito e muito branquinho, fazia um contraste absoluto com o pavimento. Parou-me o coração no instante em que a ouvi gemer,
Mamã...
Ao menos, tivesse ela dito "Ai, mãe", ou "Minha mãe do céu", e eu perceberia a evocação daquela outra mãe, numa hora de aflição dos aflitos. Mas disse, assustada e pequenina,
Mamã...
chamando por aquela que é só sua, também ela agora residente num reino longínquo e imaterial.
Reprimindo o impulso de responder àquela súplica, baixei os braços, desisti e segui em frente. Na realidade, segui transversalmente, enviesada, torta e mais perdida.

07/02/2017

Chico-smart não me tem em grande conta # 20

A pessoa abre o site do tempo para ver quando é que se fina esta chuva grossa. E é brindada com anúncios a coisas.


E intriga-se. Porquê 7534 novos fios de cabelo e não apenas 7533? 
Quem fez a contagem com este rigor matemático?
Como conseguiu distinguir os novos dos velhos?
Foram 7534 cabelos a nascer em zona árida? E, se sim, e mesmo assim, como é que foi possível contá-los?
Se uma pessoa tiver duas áreas carecas na cabeça e aplicar o produto nas duas áreas, ganha 15068 cabelos?
Então e se aplicar o dobro da quantidade, numa mesma área? 
E o triplo?

Depois, a pessoa engana-se e abre o link. 


Antes de entrar em detalhes, olharemos para o facto de o método ter sido testado em 300 voluntários e 92,3% deles terem recuperado... 
But wait, 92,3% de 300 não são 276,9 pessoas? O que é o 0,9? Quem é ele/a?

Vai que, assustada com a possibilidade de existir 0,9 pessoa, fechei o site.
Depois, por irresistível curiosidade, abri de novo. E saiu-me uma publicidade diferente.


Fiquei, então, a saber que alguém, algures neste Mundo, se dedicou a escrever um livro para me alertar para os seis erros que me estão a impedir de apanhar peixe.
Há pessoas tão boas. (E eu não sou uma delas.)

Não é fácil ser eu.


06/02/2017

Eu tenho problemas com médicos # 23

À boca de cena, pergunta o anestesista:
- Já alguma vez fez anestesia geral?
- Senhor doutor... quer por ordem alfabética, cronológica, arbitrária, ou qual?
[Aquela cara a que já me habituei, que diz tanto e quase nada, que-pena-podia-ser-tão-inteligente, sempre acompanhada por um sorriso (espasmo?), que pode significar surpresa, medo, divertimento, tuditudo. E um silêncio, à laia de resposta.]
- Está bem. Vou pela cronológica, que é o atalho mais fácil: aos seis, adenóides; aos dezanove, dentes do siso; aos vinte e sete, primeira de quatro cesarianas...
- As outras três foram com epidural?
[E a vontade parva de responder "Não, foram a frio, muáháháhá".]

roubei da né
Acabada a extensa lista, aproxima um nariz de borracha do meu e diz: "Isto é oxigénio, para respirar melhor."
Ainda está para chegar o dia em que terei tempo de responder: "Então não acabei de lhe revelar todo o meu extenso currículo em matéria de anestesias gerais? Eu já não caio nessa do oxigénio, essa máscara é a indução à anestesiiiiiaaaazzzzzzzzz".

Mais bonita do que ela mesma

- Olha aqui a tua filha no Facebook, num daqueles eventos profissionais em que participa.
- Não é ela...
- É ela, sim senhora, então não vês?
- Não. Ela é mais bonita.
- Olha lá bem.
- Ah, pois é. É ela. 
- ...
- Mesmo assim, ela é mais bonita.

05/02/2017

Fui ao cinema e vi dois filmes na mesma sala # 2

Elementos secretos
O título diz zero acerca do filme. Parece coisa de polícia (por associação de ideias com "Ficheiros secretos"), ou tudo menos o que verdadeiramente é: o melhor filme (excluindo os de animação infantil, incomparáveis com cinema para pessoas crescidas) que vi nas últimas décadas, que até já são algumas. O título original, Hidden Figures, faz-lhe melhor justiça, embora não possa ser traduzido à letra: figuras escondidas, nem tanto, Pessoas Invisíveis seria o título certo. Se este filme não ganhar os Oscars todos (guarda-roupa incluído!), eu própria me encarregarei pessoalmente de despedir a Academia em peso. É tão, mas tão bom, aborda tantos temas que me tocam tão profundamente, que posso revê-lo metida numa tina de gelo em pleno Inverno, que me aquecerá o coração na mesma. São duas horas e sete minutos de vale a pena, sem bocejos. (Aquelas três. E o Kevin Costner.) (Vá, agora calo-me, porque a partir de agora já é spoiler.)



Mas, antes do filme
Uma daquelas pastilhas rijas e dispensáveis, um filmeco de publicidade que se conta nestes quatro actos:
1 - A menina, com cerca de 12 anos, acorda num quarto branco, lindo e luminoso, onde apenas consta um colchão no chão. É o pai, simpático e carinhoso, que a vai acordar, dizendo, "Querida, o pequeno-almoço está pronto", ao que a bruta petiza responde, ainda a esfregar os olhos e sem se levantar da cama, "Pai, já tinhas uma mesa, não?". E o parvo querido come e cala;
(Violência doméstica, meus caros, pode ser praticada pelos filhos em relação aos pais, e tem uma vertente psicológica nunca subestimável.)
2 - A malcriada chega à mesa de pequeno-almoço que o palerma lhe preparou e exclama: "Torradas? Ó pai, mas a mãe faz-me sempre panquecas!". E o tonto faz um sorriso triste, em vez de lhe retribuir a patada com outra patada;
(Violência gera violência, ah pois é. Mas uma resposta assertiva no momento exacto trava muita mais violência do que se possa imaginar.)
3 - O bom do parvo está a fazer panquecas com material Pingo Doce;
(Pode ser um síndrome de Estocolmo, aquele de que sofre o senhor.)
4 - O bondoso vai novamente acordar a cavala, anunciando que já pode acordar, e que tem ali as panquecas à espera. Ela acerca-se da mesa, começa a comer uma panqueca em silêncio (ao menos não fala de boca cheia...), diante do olhar comovido e expectante do homenzinho, que, não aguentando mais a ansiedade, pergunta: "O que é que foi? Não estão boas, as panquecas?".
(Nesta altura, a assistência e eu contamos com algo do género, à laia de resposta: "Não, gosto mais das da mãe. Faz-me torresmos.")
Mas diz a arrependida, cabisbaixa: "Ó pai, tenho uma coisa para te confessar". 
(E nós Ai meu Deus, é agora que levas uma chapada, desembucha lá isso.)
"É que a mãe nunca me fez panquecas".
(E a nossa ambivalência a chiar Ai as cabras, tal mãe tal filha, pobre homem.)
"Eu sabia, filha", diz-lhe assim o ternurento, com uma festinha na tola. 
E a conclusão Pingo Doce: "Pingo Doce, a fazer das mesas portuguesas mesas mais felizes", ou qualquer regurgitação do género. 
~
Apneia, senhores, apneia, era o que se sentia na sala inteira quando acabou este filminho de terror.
Tanto que me fica por dizer.
Tanta pomba assassinada.

03/02/2017

Sabes aquelas merdinhas sem importância

(oh. Parece que foi a primeira vez que utilizei um palavralhão num título. Vá, não doeu.)

que te desaparecem do alcance visual e, por consequência, do alcance manual, sem saberes muito bem como, tu procuras nos locais mais prováveis, depois nos mais improváveis, a certa altura até nos impossíveis, nos inimagináveis, nos recônditos, nos inóspitos, nos insuspeitos, nos Infernos, ainda repuxas pelas pontas da tua memória (e persistes em chamar memória a isso que achas que também tens), e a merdinha não aparece?

Sabes quando é que vai aparecer? 
1. Quando já não precisares dela;
2. Quando te vires obrigada a ir comprar outra;
3. Quando andares à procura de outra merdinha sem importância, que não encontrarás igualmente, e que perdeste não sabes aonde, nem como, nem porquê;
4. Nunca, porque a perdeste. Ponto;
5. Nunca, porque ela está debaixo dos teus olhos;
6. Nunca, porque és louca e a merdinha nunca existiu. 

[Agora a sério, as casas têm buracos? As coisas ganham pernas? Asas?]
(Alguém?)

Eu tenho problemas com médicos # 22

Cada vez que, como hoje, tenho os olhos raiados de vermelho, lembro-me das palavras do oftalmologista, quando lhe perguntei a razão para o fenómeno, e ele me respondeu que sim, que se trata de um fenómeno, mas alérgico. Perguntei-lhe, então, Alergia a quê?, e mereci apenas a seguinte resposta:


Cada vez que, como hoje, tenho os olhos raiados de vermelho, e alguém me pergunta a que se deve o fenómeno, respondo, exactamente, que se trata de um fenómeno, mas alérgico. Quando vem a pergunta seguinte — que vem sempre —, Alergia a quê?, respondo apenas o que sei:

.

02/02/2017

Na blogosfera como na vida


Entrei na 5.ª dimensão e saí no 5.º andar

Parque de estacionamento do Edifício Castil.
Digamos que entrei e desci uma rampa. Lá em baixo, dizia completo, logo depois livre e eu avancei, fermosa e sigura. Pensei que tinha chegado ao piso -1, mas apercebi-me que tinha antes entrado numa mina, tipo da Panasqueira, escura, fria e crua. (Não que alguma vez lá tenha estado, mas há coisas que uma pessoa intui, mesmo sem aquela da experimentação.) Os corredores eram estreitos e em curva. Segui as setas em busca de um lugar vago, mas os únicos eram destinados a tudo menos a mim. Como em todas as catacumbas e pesadelos, havia dois homenzinhos a limpar carros com um trapo, e um deles gritou-me: "Lává o cárrinho, sinhóra?". Eu fugi, lá aplicar sufixos diminutivos à mãezinha. Dei mais uma volta àquilo, ainda esperançada, por ver passar pessoas com a chave na mão, mas agora, a esta distância, tudo me leva a crer que se tratava antes da chave de alguma passagem secreta, pois as pessoas desapareciam e nenhuma delas tirou o carro enquanto ali andei às apalpadelas. Consequentemente, não encontrei qualquer lugar onde coubesse o verdadeiro autotanque que é o meu boi, e vai de descer para o piso seguinte. A rampa para o fazer parecia uma descida da montanha russa: com uns 30º de inclinação (não sei ao certo, que não fui buscar o transferidor, mas era muito e deu-me vertigens), a direito (sim, dá para acelerar, levantar voo e ir estoirar contra a parede, nas calmas), tendo, de um lado, parede, e, do outro, grade de varanda. Desci assim devagarinho, pé ante pé, ai-ai-ai-que-eu-caio, e é quando me apercebo que atingi o piso 3. Não li mal, não era -3, era o 3, sendo que, pelos vistos, eu tinha vindo do 4, que também não era -4. Que giro, um prédio de pernas para o ar. Ou de cabeça para baixo. No piso 3 repetiu-se a cena da procura em vão por buraco, com a única nuance de ali não haver homenzinhos a gritar comigo. Tomei a resolução de descer para o seguinte, fosse lá qual fosse o número do patamar da mina. Sai-me, então, outra rampa daquelas, que desci com a mesma desconfiança e tenebrosidade da anterior. Lá em baixo, a iniciar a subida, deparo-me com outro carro, faço mil sinais ao condutor de que se encontra em contramão, mas ele ignora-me. Tal não me causa qualquer espanto, tendo em conta que se trata do Dr. Emmett Brown, ou de um clone dele. Antes que o carro dele disparasse em flamas em direcção ao futuro, manobrei avidamente de forma a deixá-lo exercer a sua prioridade de quem sobe, e fui estacionar arrumar o carro, com vista a facilitar a manobra ao outro condutor* no lugar destinado a deficientes, que foi muito bem rasgado ali assim naquele sítio: ao fundo da rampa, em paralelo com ela, o que significa que uma pessoa com mobilidade reduzida ainda tem que manobrar mais do que outra sem a mesma redução. Foi nesse piso, que afinal era o 2 (e, insisto, não o -2) que consegui um inacreditável lugar, que me obrigou a potrilhas várias para conseguir sair do carro. E era o lugar 136. Faz todo o sentido. Piso 2, lugar 136.


Depois meti-me no elevador e saí para a rua. Que fica no piso 5.
______
* texto corrigido, com vista a, desta vez, facilitar a compreensão do mesmo.


01/02/2017

fita branca

Entra-me no silêncio do quarto e aninha-se no meu descanso, toda ela.
(Lembro-me da revolução que operou dentro da minha barriga, das cambalhotas e espreguiçadelas que já adivinhavam grande atleta.)
O cabelo, lindo e brilhante, cada vez mais liso.
(E tinha uma cabeleira encaracolada que era uma festa de alegria e movimento, quando começaram as cambalhotas cá fora.)
O perfil que a desenha perfeita.
(A primeira vez que lhe vi o perfil, tinha quatro meses de gestação, e pensei perfeita.)
Diz-me que vai comprar as fitas de finalista. 
(Não percebo como é que ontem estava cá dentro e hoje já compra fitas de finalista.)
Esclarece-me que as brancas são para as pessoas mais importantes.
Tu vais ter uma branca.
E eu surpresa, lisonjeada, agradecida (também à vida).
Também vou comprar uma branca para os pais da Carolina. 
Cai-me aquilo como um mergulho inesperado em águas fundas e escuras e geladas, logo feitas lago translúcido.
A Carolina? Referes-te à Carolina?
A Carolina morreu no final do primeiro ano do curso. Filha única, deixou pais órfãos, pais únicos. 
Sim, mãe, ela também acabava o curso este ano e os pais não têm nenhuma fita branca para assinar.

[Perfeita.]