em que estás ali à porta da sala de dança (Zumba, naquele dia), à espera que surja o mestre, de conversé com uma companheira de lides, idosa, pesada, corpo em triângulo invertido, perna curta e grossa, embora extremamente (atrevo-me a um excessivamente, porque existe) musculada, e sai um ciclista da estática e diz-lhe: "Parabéns!". Depois sai uma ciclista da estática e diz-lhe: "Parabéns!", e tu, já não aguentando de curiosidade pela possível coincidência, perguntas: "Fazes anos?", e vai ela assim para ti: "Não, fiz no sábado". E tu, toda cheia de condescendências para com a senhora, mas, simultaneamente, a pores-te nos bicos de pés na tua imaginária putativa pretensa mas há muito perdida juventude
(embora, conforme todos sabemos, essa é uma noção sempre relativa ao nosso interlocutor, a menos que tenhamos vinte anos de idade)
e declaras, num sorriso de vitória bacoca: "Eu também! Mas eu fiz cinquenta e quatro".
Este mas, que foi completamente intencional de demarcação de distâncias
(mas eu fiz muitos menos, ou eu certa de que ela diria Ah, eu não, eu fiz sessenta cinquenta e oito — o que, convenhamos, é muito mais)
que, afinal, ela entendeu exactamente ao contrário
(mas tu és muito mais nova, eu já fiz cinquenta e quatro)
pois não é que me diz a anciã, Ah, mas eu fiz muitos menos, fiz quarenta e seis?
...
...
...
Juro que até tive uma pequena regurgitação mental.
E que pensei assim: "Mentirosa". Ponderei pedir-lhe o cartão de cidadã.
Pensei também ter ouvido mal. Fi-la repetir [say whaaaat?], não fosse ter querido dizer cinquenta e seis e pronto, estar só muito acabada para a idade. Mas insistiu. Confirmou.
Quarenta e seis. Eu na terceira classe, na minha primeira (de muitas) adolescência(s), e a idosa a, vá lá, nascer.
Diz que quem vê caras não vê corações, ou lá o que é.