21/05/2015

Llorona

Olha, eu tenho sempre vontade de chorar.
Antigamente, era Escorpião, pura e dura, mais pura que dura, e fazia assim: cada vez que tinha vontade de chorar, metia-me atrás de portas e travessas, chorava até estar seca, secava-me, e só depois reaparecia, recém-renascida. Mesmo de cara em carne, o assunto ficava arrumado junto às frinchas e às dobradiças, não arrastava sombras maiores do que eu atrás de mim.
Sabes que chorar, para mim, é uma necessidade fisiológica, como fazer chichi. Há dias em que não tenho motivos nenhuns, e, mesmo assim, tenho que chorar. Toda a gente tem dias em que não bebeu mais água e tem mais vontade de fazer chichi, não é? Pois, é igual, mas em lágrimas, nos meus olhos. Deve ser por isso que bebo tão pouca água e nunca tenho sede. Nem quero imaginar se bebesse mais. Nem saber nadar me poderia salvar.
Todos os dias me dá um piquinho de vontade, na verdade. Tenho vontade de chorar quando vou ver a minha mãe, quando não a vejo também tenho, choro porque atropelo um gato, apetece-me chorar quando recebo um mail que me enche de alegria, também me apetece quando tenho trabalho, e quando não tenho, choro aos bocadinhos pequeninos a dor da ausência — que essa dói como um entalão, nem ao palavrão encontro o alívio —, choro de os ver crescer — eh, alto lá, mais devagar, da outra vez deram-me nove meses, agora são semanas, são dias...? —, também ando para chorar quando me adentram os olhos, já húmidos, as notícias daquele pasquim que diz que é matutino e que é aparentado com o carteiro, mas não toca duas vezes, é só uma e como dói, mas que depois transforma, em passos de mágica, tudo o que regurgita em casos nacionais.
Por outro lado, ando a perder a capacidade de chorar porque um pai matou o seu bebé, porque uma adolescente ficou grávida do padrasto, porque um miúdo comeu umas lambadas na escola, porque um jovem matou um rapaz, porque um polícia bateu num homem. Atravessa-se-me o espírito o espírito do gato que matei e tudo o mais me parece irreal demais. Estou a ficar tão imune, tão autocomiserável, tão miserável, que só me apetece chorar.
Sinceramente — quando estou a chorar, normalmente, começo frases assim, sinceramente, muito em particular porque ninguém me pede sinceridade —, era melhor que, assim como acontece às outras pessoas, os meus olhos diminuíssem, à medida que choro estas mágoas todas. Pois que não, ficam maiores, ficam enormes e cada vez mais abertos — ainda que possa ser acusada de tê-los tão vendados que já só consigo ver o meu umbigo e, mesmo assim, muito ao longe.

8 comentários:

  1. Cara Linda,
    Música belíssima. Para acompanhar essas lágrimas que se lhe impõem, em vez lenço ofereço-lhe pequenas coisas:
    "Uno se despide Insensiblemente de pequeñas cosas. Lo mismo que un árbol Que en tiempo de otoño se queda sin hojas. Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas Esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón. Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amo la vida Y entonces comprende como estan de ausentes las cosas queridas. Por eso muchacha no partas ahora soñando el regreso
    Que el amor es simple y a las cosas simples las debora el tiempo. Demorate a ti, en la luz solar de este medio día Donde encontraras con el pan al sol la mesa tendida. Por eso muchacha no partas ahora soñando el regreso Que el amor es simple y a las cosas simples las debora el tiempo. Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amo la vida..."
    E um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Caro Outro Ente,
      Lindíssima, também a sua (fui ouvi-la, por Mercedes Sosa).
      Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas, esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón — era isto mesmo que eu queria dizer, mas, como sempre, espraiei-me em mil palavras.
      Obrigada.
      Um beijo também para si,
      Linda Porca.

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  2. Sinceramente LP... já te disse para largar as cebolas! :))
    Chorar é saudável. acredito que é a melhor forma de mantermos a mente minimamente sã.
    Lindas palavras :)
    beijos!

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    1. Posso ter descoberto uma nova droga, ou um psi portátil, na cebola... :)
      Ainda vou patentear a ideia e apresentá-la ao Shark.
      Transformo-me numa dealer, mas em chique :)
      Obrigada, miúda.
      Beijos!

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  3. Revi-me e deixou-me a pensar o que, para mal dos meus pecados, é algo que faço muito. E enquanto fico para aqui a pensar, deixo uma cena do filme Mulholland Drive, uma das minhas preferidas do cinema.

    https://www.youtube.com/watch?v=T-ZnqhXSzjw

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    1. Muito bom.
      Ficamos com a ideia de que a língua espanhola/castelhana sabe, melhor do que qualquer outra, cantar o choro.
      E também li a sinopse. Surrealista, David Lynch, delirante — certamente, um grande filme.

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  4. Anónimo22/5/15

    Também eu, tenho fases...
    Mas uma vez por mês é certo como eu ser EU que vem de lá a lágrima até sem motivo.
    Um vazio, cai a lágrima, passa... Choro de TPM, enfim. A verdade é que não falha!

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    1. Ainda um dia me vou debruçar sobre esse assunto humor-hormonas. Na verdade, é redutor pensarmos que todas as emoções das mulheres se reconduzem para o ciclo, mas que las hay...

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