Ando com muita dificuldade em expressar-me e em exprimir-me. Espremo-me e quase me esperneio, mas sem resultados. A geração a que pretendo levar a cabo a criação e, já agora, a educação, não aceita nem entende o meu ponto de vista, ou, pelo menos, todos eles. Às vezes, nem eu. Foram muitos séculos de educação judaico-cristã.
O meu vizinho do primeiro andar a contar vindo do céu está desempregado há dois anos e fez-se vendedor de uma mediadora imobiliária. Eu sei que ele é uma pessoa com preparação para outro escalão de ordenados, já passou dos 50 e tem uma excelente figura. Quando surgiu o panfleto com a cara e nome dele na caixa do correio, tive pena. Não sei chamar outra coisa ao que senti. Trata-se de uma saída válida, todos os trabalhos são dignos, em tempo de guerra não se limpam armas, qualquer coisa é melhor do que estar desempregado, toda a gente tem o dever de saber ajustar-se, e beca-beca. Mas não consigo deixar de pensar na quantidade de feridas abertas, vidas destruídas de, pelo menos, três gerações — queimadas —, que esta crise vai deixar para trás, se é que algum dia se irá embora daqui. Os projectos, os sonhos, as expectativas e muito do que já haviam conquistado, simplesmente desfeitos, como aquele pó fininho que fica das obras, que se mete pelo nariz, pela boca e pelos cabelos, mas não se vê e nem memória guarda, a não ser um incómodo daqueles que só nos assalta de onde em onde.
- Tenho pena deste homem. Não deve ser fácil começar alguma coisa agora, e por uma questão de necessidade. Ser o sustento de uma casa e depois estes dois anos...
- Mas porquê o sustento de uma casa, se ele tem mulher?
- Porque ele é o homem, e... eu sei que o que vou dizer é extremamente machista, mas...
- Olha, pára, que já vais começar a entrar em campo minado.
Mesmo sabendo que nada neste raciocínio bate certo, mesmo fazendo um esforço por sair da caixa cerrada que é a tal educação judaico-cristã, ainda assim, parece-me sempre mais trágico quando é o pai que não trabalha. Talvez porque consigo pôr-me na pele dele, que terá recebido uma educação muito semelhante à minha. Ou talvez porque sinta na primeira pessoa todas aquelas lutas interiores por que ele estará a passar neste momento.
Tenho pena deste Homem.
(Até de mim, não homem, tenho pena.)
Tenho pena deste Homem.
(Até de mim, não homem, tenho pena.)
Tenho pena de todos os Homens que sentem a crise na pele e não conseguem, por mais que tentem, colocar comida na mesa.
ResponderEliminar(Continua a espremer-te... corre sempre muito bem :P)
Beijos LB
Já são demasiadas fomes.
Eliminar(Olha quem fala. Obrigadinha :P)
Beijos, Imp.
Querida Linda Blue,
ResponderEliminarÉ sempre muito trágico quando um pai não trabalha. (Já ouvi dizer que as mães são as culpadas da educação machista dos filhos... Mas, tratando-se de uma educação "judaico-cristã" fica tudo sanado.)
Bom dia,
Outro Ente.
Querido Outro Ente,
EliminarA falta de trabalho é trágica em qualquer circunstância. Há muitas mães sozinhas, muitos pais sozinhos. (E é uma luta constante com os nossos preconceitos, aquela que travamos todos os dias.)
Um dia feliz,
Linda Blue.