quando vês passar um bando de papagaios no céu do bairro onde moras. Uma semana depois de teres visto passar, no mesmo céu, mas uns largos metros acima, um falcão.
Há alguns anos que voam papagaios no céu do meu bairro.
[Vou guardar esta para título do livro que nunca escreverei. Mas fica sempre bem meter passarada num título de obra.]
Durante alguns anos, o bando era constituído por três papagaios. Lá andavam, os três, que é como quem diz, lá voavam, eu Ai Jesus, mas serão três, duas elas e um ele?, dois eles e uma ela?, três elas?, três eles?, e o mistério adensava-se, mas os anos passaram, uns dois ou três, como eles, que haviam de ser dois, que três é demais, mas não era, eram felizes assim, em triângulo amoroso ou fraterno. A verdade é que a coisa funcionava lá entre eles. Via-os naquele micro bando triangular, um piar diferente, que não era o arrulhar dos pombos — até porque, felizmente, temos cá poucos pombos neste nosso ecossistema —, nem era o piar do periquito do vizinho de baixo — que, entretanto, morreu (o periquito, não o vizinho de baixo, que Deus o conserve, pois me sabe muito bem o champanhe pelo Ano Novo), ou deu-lhe ares de Vila Diogo e foi ter com a manada —, nem era cantar dos melros, que também cá temos tantos. Isso e insectos, e também morcegos. Há baratas que atravessam as estradas, veem-se manchinhas encarnadas no asfalto quando cai a noite, e há quem diga que já viu ratos a pular de árvore em árvore, quando o sol dorme, mas eu isso nunca vi, cruzes, credo, lagarto, lagarto, ai, é verdade: as osgas e as lagartixas são em bandos, só nos falta cá um crocodilo para a família estar completa.
Não sei lá como é que se arranjaram os três papagaios, mas o que é certo é que o bando vai em sete, contei eu por alto, quando os vi, lá ao alto, todos iguais, todos irmãos, com certeza, e em número ímpar na mesma...
[Tem piada, estou a ouvi-los cantar, enquanto escrevo isto. Eu moro na mais adorável aldeia de Lisboa. Um dia visto a bata e ando a bater às portas das vizinhas, a quadrilhar.]
... o que fica sem par, por ser ímpar, imparelhável, solteiro, solto, incasalável, pode ser, afinal, o mais feliz, o mais realizado — temos que pôr a hipótese de os animais sentirem a realização, não pessoal, que não pode ser, mas, neste caso, passaral —, e também o mais livre.
Saído do bando por breves segundos, pousou num cabo eléctrico, e ali ficou, a desfrutar da sua singularidade, da sua exclusão voluntária, da sua excepcionalidade. Igual ao bando, visto por fora, diferenciado em tudo o resto — talvez o último romântico da comunidade —, o sétimo papagaio: único.
Querida Linda Blue,
ResponderEliminar"talvez o último romântico da comunidade" também fica bem no livro. Em subtítulo ou como epílogo. Para deixar tudo em aberto.
Noite feliz,
Outro Ente.
Querido Outro Ente,
EliminarNo meu texto, aparece como quase epílogo, mas não me desagrada enquanto subtítulo (a verdade é que eu hesito sempre nos títulos, e apetece-me sempre pôr três ou quatro. Este mesmo era para se chamar "O sétimo pássaro"). O importante é que se conserve, em todas as comunidades, um último romântico.
Para si também, desejos de uma noite feliz,
Linda Blue.