24/07/2015

O mail que me mandaste | abri-o com todo o jeito | trazia meu coração | caiu-me dentro do peito

Tenho uma fotografia em que o meu pai está quase de costas, mas em que se vêem os olhos de amor dele, do lado de lá.
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Pedi-lhe que me digitalizasse umas fotografias, dos álbuns da infância comum, para não ficar só com as minhas, e de infância incompleta.

Mandou-me as que lhe pedi, e mais uma, em que estou com o meu pai — nosso.
Estamos numa piscina, no Funchal, e tínhamos ali aterrado há dias, naquela que foi a minha primeira viagem de avião, continuo eu a acreditar que no Caravelle. O aeroporto ainda tinha uma pista diminuta e ainda não tinha ocorrido o maior acidente aéreo da História da aviação civil portuguesa. Toda a gente achava que a pista era pequena e que os aviões eram grandes, mas os pilotos continuavam a acertar com a lança em África. 
Ela gritou a viagem toda, que o avião não batia as asas, e chorava, chorava. Depois via os flaps a mexerem, e gritava que o avião estava a mexer as asas, e chorava, chorava. Eu tinha uns cadernos e uns lápis de cor que a TAP fornecia, e passei a viagem a pintar bonecos. Ainda fomos juntas à casa-de-banho, roubámos tudo o que apanhámos à solta — sabonetes, toalhas de papel, sacos para enjoo — e fomos imediatamente entregar-nos à hospedeira, que entendemos ser a autoridade máxima ali dentro, e, por conseguinte, com poderes de polícia. Ela achou uma graça, riu-se, não julgou e sentenciou vão-em-paz, com tantas atenuantes que ainda nos forneceu mais material para que pudéssemos aumentar o valor ao objecto do furto.
Eu estou a beber um copo de água, mesmo ao lado da piscina — as crianças são tão esquisitas — e o meu pai está quase de costas, a olhar para mim. Julgo que foi a minha mãe que tirou a fotografia, porque não há nenhuma fotografia mal enquadrada nos nossos álbuns que não tenha sido tirada pela minha mãe. No entanto, é uma fotografia cheia de luz e também de cuidado, atenção e dedicação. E muito bem-querer.
Não estou, sequer, a fazer uma momice, ou qualquer coisa de mais extraordinário que não seja aquilo mesmo: beber um copo de água. Não estou a sorrir-lhe, ou, sequer, a olhar para ele.
E, no entanto, mesmo quase de costas, tenho os olhos do amor dele, do lado de lá, a olharem para mim.
Quase consigo ouvi-lo cantar Ciao ciao bambina.
Sou tão esquisita.




6 comentários:

  1. Dizem que uma imagem vale mais que 1000 palavras... Mas a ternura que se adivinha nesta é apenas o complemento perfeito à forma como a descreveste. Ou vice-versa. E ambas, imagem e palavras, são tão Linda e tão Blue. Emocionaste-me em dobro.

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    1. É tão bom, quando o revejo. E tenho-o em todos os meus lugares, todos os dias, a olhar para mim assim.

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  2. Muito lindo, LB !
    Tanta ternura ,amor e saudade .

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    1. Tudo junto. Uma amalgama, doce, amarga, pesada, levíssima.

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  3. Do lado de cá, também sentimos o olhar embevecido do seu pai pousado em si. Um amor do tamanho do mundo...

    Um beijinho e um bom domingo :)

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    1. É um amor tão grande. Presente do indicativo, Miss Smile, como sabe. :)
      Ouvi uma vez, e sei que é assim: http://lindaporcaoucheirodeestrume.blogspot.pt/2013/12/e-isso-fez-me-chorar.html

      Um beijinho também, um domingo feliz :)

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