06/07/2015

A abdutora



A cadeira abdutora é algo que só pode ter saído da procriação entre uma cadeira eléctrica e uma cadeira de tortura medieval, quando se encontraram num qualquer ferro-velho deste mundo.
Sento-me nela, pelo meu próprio pé, e até me parece ouvir a voz de um grande mestre de stretch, que dizia "É até rasgar", enquanto me sinto rasgar como uma folha de papel. Até me ouço. Apetece-me chorar, gritar e espernear, e só não o faço, essencialmente, porque tenho as pernas amarradas à máquina infernal. Mas também porque tenho uma imagem a defender — há lá espelhos por todo o lado, e esse reflexo é o que mais me interessa.

Este fim de semana, fiz o que não fazia há meses: fui ao ginásio as três vezes que o meu plano permite — sexta, sábado e ontem. Fui sempre a horas diferentes nuns dias e noutros, e, de todas as vezes, à sala de treinos, mesmo quando fui fazer aulas. E, também em todas, sentei-me na abdutora. Aquilo abduz-me tudo, menos o que me está a mais nas coxas: abduz-me a crença na Humanidade, abduz-me as forças dissipativas e conservativas, abduz-me toda e qualquer vontade, tanto de ser fit (um dia na minha vida, lá mais para a frente), como de sorrir, de fazer força, e até de respirar. Fico, senão mais slim, pelo menos abduzida de ensejos. E azul, da falta de oxigénio.

Há pessoas que devem viver no ginásio. Vá uma pessoa a que horas for, encontra-as lá. Nem que vá à meia-noite. Ou às quatro da manhã. 
Confirmei, pela enésima vez, que há caras que, agarradas aos respectivos corpos suados, são uma espécie de núcleo duro da sala de treino. Ou de mobília.
Ou seja, estas pessoas, para além de, certamente, terem uma situação laboral muito confortável — que é na caminha, já dizia Marco Fortes, esse grande pensador das pistas e do lançamento do peso, directamente de Pequim, Beijing, cá beijing para ele —, tipo não fazerem a ponta de um (desta vez não digo genital, tá?) chifre, isto ainda laboralmente falando, porque, de resto, também não farão nem a ponta nem o resto do corno, pois que pouco tempo lhes sobrará para dormir, comer, defecar e já não me lembro que mais coisas é que as pessoas crescidas fazem quando não estão a fazer ó-ó ou cocó. 
Também pode dar-se apenas uma coincidência. Provavelmente, eu penso, quando entro, Eh, este grande boi não sai de cá, e eles pensam, de volta, Eh, esta grande senhora não sai de cá.

A grande diferença entre estas pessoas e eu é a enfatização do sofrimento: enquanto eles gritam e gemem a ponto de parecer que obtêm algum prazer na elevação de alteres — a avaliar pelos brados de júbilo e êxtase que emitem —, eu fico caladinha de dar gosto. Estes três dias de abdutora, só não me criaram a confrangedora situação de já só conseguir juntar os dois pés lá mais para o Verão que vem, porque, conforme referido acima, eu tenho uma (auto)imagem a defender. E até posso dizer ao espelho Espera lá só mais uns aninhos, que isto vai, mas não tenho como explicar-lhe um par de pernas desunidas e distanciadas, como se fossem inimigas uma da outra. A cadeira pode abduzir-me as forças, mas não me abduz a impáfia e o amor próprio, seja lá o que isso for.


2 comentários:

  1. LP,
    Tudo mal !
    Sexta,sábado e domingo ?
    E nos outros dias ? Népia ?
    ... "É até rasgar"..."o dela " o ser fístuloso, andará no teu ginásio ?
    E o Pilateiro ? Melhorou o feitio ?
    LP : deves pensar ! Olha que eu sou do INEF !
    Grande INEF !
    Muito cuidado com alguns ginásios e com alguns pilateiros/as !
    Abdutoras incluídas !
    Beijo,
    José


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Credo, homem.
      Leva lá isso com mais calma. Teikenizi ;)
      (O meu ginásio é low cost, o meu plano é ainda mais low — 6.ª, sábado e domingo, e já gozo. Mas, pensa comigo: faço mais do que 80 % da população, certo?)
      Beijinhos!

      Eliminar