18/07/2015

Parecíamos mesmo irmãs

Eu uma vez fui visitar uma puérpera que era minha parente à maternidade, porque ela tinha estado bastante grávida e lembrou-se de ter a criança por aqueles dias, ou, mais concretamente, no dia anterior, à noite. Tinha lá ido bater à porta, para ser das primeiras a cheirar a cria dela, mas não me deixaram passar da entrada porque já não era hora decente para se fazerem visitas, pelo que voltei para trás, que era a minha casa, toda desconsolada, apesar do consolo de saber da existência de mais uma pessoa pequena no meu raio de acção. Não foi só por causa disso que a fui visitar, mas pelo facto de ela ser minha parente na linha colateral, em segundo grau, que é o que são os irmãos uns aos outros. Tínhamos brincado juntas em meninas, chorado juntas em quase mulheres, trocado roupas, cigarros e, por pouco, não namorados também, parecíamos mesmo irmãs, não fora o facto de sermos filhas da mesma mãe e do mesmo pai. Por isso, dir-se-ia que éramos mesmo, e até somos. Acontece que eu levava a barriga muito grande, porque estava a um mês de, eu própria, dar à luz, iluminando-me, o que, efectivamente, veio a suceder, vinte e sete dias depois. Ora, entrei, e o panorama era semelhante a Santiago do Chile, mas em mau, embora eu nunca lá tenha estado (em Santiago do Chile, que na Alfredo da Costa, estive, naquele dia).
Era Agosto e estava um calor de ananases. Eu tinha pressa de conhecer o meu parente colateral em terceiro grau, que é o que os sobrinhos são aos tios, nomeadamente às tias, e, então, fui. Perdi-me logo de amores por ele, porque eu sofro de uma doença mental, que está associada à incapacidade para ver uma cria ou qualquer objecto em miniatura, sem me desfazer numa papa, e não há remédio que se venda na farmácia, nem os médicos são capazes de atinar com o que é que eu tenho. 
Era uma enfermaria de dez camas, e ela estava assim à direita de quem entra. Ela e o bebé dela, deitado no colo dos dois braços de mãe feita há poucas horas. O meu ia aninhado em mim, e, assim, ainda ninguém podia falar da cor do cabelo dele, dos olhos, ou tirar-mo das mãos. Antes dele, já três — que eu contei quatro —, pessoas tinham andado cá dentro, agarradas aos meus órgãos internos, e ficaram os cinco agarrados ao meu coração, que também era um órgão interno, mas que passou a externo desde aí.
Quando peguei no menino dela e o tomei nos braços, sentei-o em cima do meu e achei que podia morrer de felicidade naquele momento. Mas é que podia mesmo, não percebo por que é que não morri. Ele há coisas.
Ela chorava, de nervos, de calor, de leite, de cansaço, de alegria, e de vontade de chorar. Achei eu também que de desconforto. 
Então, disse-lhe que saísse dali, devolvi-lhe o seu menino, e fiz-lhe a cama. 
A cama estava numa rodilha indecente, de suor e trapos, resguardo para um lado, lençol de baixo para o outro. Estiquei-lha quase até sentir os lençóis rasgarem, àquele ponto de lisura em que, se passar uma formiga, deixa o trilho no tecido. E ela sentada, engordada, a secar as lágrimas com as costas da mão, como em miúda, os soluços a perderem força.
Entravam e saíam enfermeiras e auxiliares na enfermaria, mas a cama de uma puérpera estava a ser feita por uma visita, grávida de oito meses.
Não viram elas, nem viu mais ninguém que, impedidas de montar ali as casinhas de bonecas onde nos adentrávamos juntas, de nos fecharmos a fumar cigarros às escondidas, foi outra vez hora de nos encasularmos num lugar só nosso, onde, desta vez, cabiam também os nossos dois rapazes.




6 comentários:

  1. Respostas
    1. Com L minúsculo ainda me sabe melhor :)
      Obrigada, a ti, sempre bonita.
      Beijos, Impy

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  2. LP,

    Muito bonito !
    Bonito , mesmo !
    Gostei muito de todo o texto e ri com o ..." se passar uma formiga "...
    Parabéns !
    Beijo,
    José

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    1. Obrigada, José.
      Uma cama esticada por mim, se os lençóis estiverem para esgaçar, rasgam-se ao meio! De forma indirecta, aprendi na escola de enfermagem.
      Beijo.

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