Não sei o que foi, nem como foi.
Vi os carros das sirenes, à porta da casa com telhado comum, que partilhámos as duas e todos os vizinhos do prédio. Veio o médico e veio a polícia, e a polícia só vem quando o caso é de dor que pode esperar, porque se tem e já não se sente.
Ninguém me contou que foi de tristeza, que era intuível na solidão, na juventude desvanecida, no corpo magrinho, sem filhos nem amor, e no andar inseguro: o trabalho perto de casa, ia a pé ante pé de passos infirmes e ligeiros, o olhar no andar, cada pé pedindo desculpas ao outro e ao mundo por pisar, a cada passo um pedido ao mundo para não ser pisada. Cabelo claro, voz fina, bom dia..., logo os olhos em fuga e o peso do deserto dos afectos a arrastar-se no seu encalce, no desígnio de a esmagar.
Não sei como foi, nem o que foi. Ninguém me contou se a chamou ou se foi chamada, sei que vieram os carros das sirenes e parece que a levaram, mas tenho para mim que saiu, ligeira e leve — e voou, enfim livre —, sem amarras.
(Devia ter-lhe dado a mão, e não dei.)
Sem comentários:
Enviar um comentário