20/02/2018

Nas costas dos outros

Na esplanada fria onde estou sentada, surge no pequeno horizonte a adolescente empinada, contrariada, sonora. Reclama com quem, logo a seguir, venho a perceber ser a mãe, pois que a mesa não é boa, pois que a cadeira daquela mesa não serve, pois que, de facto — acrescento eu ao arrazoado —, quando a vida ainda não nos demonstrou o quão curta é, toda ela é um longo bocejo de tédio. Acompanha as duas um rapaz pouco mais velho que a rapariga, e os três sentam-se na tal mesa péssima, ela na cadeira nefanda, eventualmente porque não escolhida por si, assim como não o lugar, a companhia, o momento. 
Estou só a saborear uma porcaria de um descafeinado, por conta da única má herança que recebi, não fora a qual e seria de café que alimentaria as veias àquela hora. 
A chata da criança grande prossegue o seu relambório de queixas e agressões, sob a forma de alfinetes fininhos, espetados, a cada palavra que dirige à mãe. Não preciso de fazer um grande esforço de imaginação para perceber que aquela filha, não assim há tantos anos, foi o bebé rechonchudo e sorridente, perdido de amores por quem a pôs no Mundo e lhe deu luz e vida, mimada, desvelada e amada até ao limite do insuportável.
Insuportável é agora a espécie de diálogo que se trava nas minhas costas:
- Ó mãe, mas para que é que a mãe quer o Instagram? Põe para lá fotografias atrás de fotografias, eu vou lá e, só para não me chatear, ponho like em todas. Para que é que quer ter quarenta e seis likes numa fotografia? Olhe, eu tenho mil e oitocentos seguidores.
- Sim, e a maior parte são fake pages. — Diz o rapaz, tão farto como eu (se fosse comparável) daquele registo.
- Fake pages? O que é isso? — Responde a agreste, ainda mais empinada, agora sozinha na "discussão", preparando as armas para, ainda assim, lutar contra dois, ao invés de uma só.
Sobrecarregada, levantei-me e deixei as minhas costas para trás das costas.


4 comentários:

  1. "Quando a vida ainda não nos demonstrou o quão curta é, toda ela é um longo bocejo de tédio." Isto é maravilhoso. (mas "nas costas dos outros", sabes bem o que faz o Patife.) ;)

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    1. Obrigada, Patife. Isso, vindo de um grande escritor que tem um nicho extremamente único! (Isto soou mal?) :)
      (Não vês as tuas? Isso é o que diz o ditado povino :))

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    2. A mim soou-me lindamente. Nunca tinham chamado "nicho" ao Pacheco, mas assumo que é extremamente único. Já nas costas do outro meto aqui a quinta pata do potro. ;)

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    3. E não entendas “nicho” como um diminutivo, que, não sendo, parece :)
      Esse “do outro”, ou muito me engano, ou é “da outra” ;)

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