30/07/2021

And that awkward moment # 63

em que, após ter feito a encomenda das lentes de contacto para as crias (que, em quatro, só uma saiu à mãezinha nojolhos, que coisa tão matematicamente — e economicamente também — mal distribuída), e porque as ditas demoravam a chegar ao lar, contactei o site, entabulei conversações com o responsável via telemóvel, que me explicou que uma das caixas (para astigmatismo) estava a atrasar a encomenda toda por motivos de ruptura de stock. Sugeriu-me, então, que aceitasse a substituição daquelas por outra marca, igualmente boas, eventualmente até de melhor qualidade, e eu ai que sim — após ter exposto o problema à criança — mande lá as outras. Impôs-se-me então a premente questão:

- Ó Sr. Fernando, por favor diga-me se há alguma coisa a pagar pela diferença de preço entre as novas lentes para astigmatismo e as que eu tinha encomendado.

- Ó Sra. D. [Linda], a senhora fique descansada com isso, não se preocupe, que estas que lhe enviei agora até são um bocadinho mais baratas do que as outras. 



28/07/2021

Chatos do nosso Portugal # 3

(Não sabia muito bem que título pôr a isto, então pus aquele. Mas pode ser outro qualquer, aceitam-se sugestões.)

As minhas idas àquela estação de Correios deviam ser filmadas (julgo que, por questões de segurança, efectivamente são, a questão é que eliminam os filmes — os meus filmes! — ao fim de pouco tempo, como se não se tivesse passado nada ali dentro). 

Entro, retiro a senha 146, e verifico que está a ser atendida a dona da senha 143, sendo que estão dois balcões a funcionar. Pacífico. Tenho quinze minutos para despender ali dentro, imagino ingenuamente que nem a tanto chegarei. Não posso esperar a minha vez na rua, pois está uma ventania de vários quilómetros por hora e estou com um vestido cuja saia roda como a da Rosa arredonda a saia.

A senhora da 143 — idosa e obesa — está a pagar, quando a funcionária lhe pergunta se quer uma Raspadinha. Diz que não, e, quando recebe o troco, deixa cair uma moeda de um cêntimo para o chão. Não é capaz de se baixar para a apanhar, nem acocorando, nem dobrando as costas, de maneira que se inclina para a frente e abre as pernas até ao limite, algo que considero no momento que tem boas hipóteses de evoluir para uma razoável cabeçada no solo. (Noutros tempos, a menina bem educada que me habita iria apanhar a moeda para a entregar à sua proprietária, mas é que nem me passou pelo juízo que alguém movesse uma palha por um cêntimo.) Apanha a moeda e, quando levanta a cabeça, está tão escarlate — hão-de os seis (ou talvez sete) litros ter-lhe ido todos para as orelhas — e perturbada, que penso que ainda vou assistir a uma filoxera. Mas afinal não. Não sei se do esforço, se da passagem sanguínea pelas ideias, se meramente exausta de ouvir a funcionária, muda de ideias e compra a Raspadinha. No entanto, não sabe raspar o coisinho da dita e pede ajuda à outra, que, entretanto, já lhe contou metade da história da vida dela (ou a história de metade da vida dela): que encontrou uma Raspadinha há uns dias, deitada para o chão da rua, mas que afinal tinha dez euros, e zzzzzzz. 

Eu, obviamente, já nervosa.

Nisto, entra uma terceira funcionária, de gelado Perna de Pau em punho, já meio mordido, e sem a máscara nos beiços. Ainda por cima, vinha a fazer piadas, acho que lascivas, sobre o facto de vir a chupar gelado, sorte dela que 1: o Perna de Pau era o vermelho, o original; 2: eu não ouvi o que a criatura disse. Mas lá pôr-se atrás do balcão a despachar serviço é que nicles, pois havia de estar na sagrada quinquagésima oitava pausa da tarde.

Nos entrementes, a do outro balcão atendeu duas pessoas, apesar de o número no visor se manter inalterado no 143, e vamos que eu assumi serem elas o 144 e o 145. Mal esta última saiu, avanço eu, visto que a do balcão ao lado continuava a raspar avidamente a Raspadinha da senhora obesa, enquanto lhe relatava a parte 2 da história da sua vida. E diz-me esta que havia de me atender, cheia de prosápia e soberba: "A senhora tem que aguardar a sua vez, que eu ainda não a chamei". 

Isto só para me situar a mim: mas que raio fiz eu à mulherzinha para que me tratasse assim à pedrada, só de olhar para mim? Magoei, ofendi, deprimi. 

É que esta coisa acontece-me com uma frequência tal, que começo a equacionar se não serei eu que pareço arrogante e elas sentem-se encolher derivados a isso. Estou ali, à espera da minha vez, faço o melhor que sei a minha poker face — com alguns discretos, imperceptíveis! suspiros e rolling eyes —, e depois, quando vou para ser atendida, pumba, batem-me.

Não me chamou a mim, assim como não chamou nenhuma das duas últimas pessoas que atendeu. Esta senhora é o 143, já atendeu o 144 e o 145, portanto, está na minha vez.

Furiosa, atendeu-me. Eu levei os cerca de noventa segundos da praxe — entre pagar e debitar o NIF — e movi-me dali para fora, não fossem as ventas bufar-me cinzas, ou destilar fel, ou borbulhar espuma, sei lá, para cima do vestido rodado.


26/07/2021

Bem Bom
Se acharem que é spoiler, é não lerem # 14

Estranha forma de vida, esta agora.

Fui ao cinema na véspera do início da quarentena, e fui também no primeiro dia após confinamentos vários. Calhou ir às mesmas salas — Cinema City — e, de ambas as vezes, estar só minha companheirinha e eu. Honestamente? Prefiro assim. Nada de cabeçudos à frente, irrequietos do coice nas minhas costas atrás, faladores, gente que não se lava, hiper-perfumados, roedores do milho estalado, namorados excitados e idosos ressonantes. (Acho que não me esqueci de ninguém.) Eu também como pipocas, está bem? Mas tenho o cuidado de morfar aquilo tudo (chamar "pequeno" ao pacote menor é meramente metafórico, não é?) antes de o filme começar (pub indesejada e trailers à martelada em barda!) ou durante as cenas mais ruidosas (entendam o que e como quiserem) do filme.

Dessas duas vezes que refiro, pudemos escolher se queríamos publicidade ou não (adivinhem), trailers ou não (foi sim. Eu queria comer o bidon de pipocas, apesar de estarmos só as duas), e ambas queríamos relaxar as quatro pernas nas costas das cadeiras defronte.

Desta vez, sala só não cheia derivados das contingências: fila sim, fila não, interditadas com fita fluorescente, não fosse a malta não a ver no escuro; nas filas sim, espaço de uma cadeira entre ocupadas e não ocupadas, a menos que se tratasse de pessoas do mesmo agregado/ grupo. Eu acho uma cadeira pouco, devia ser a fila toda para uma ou duas pessoas, no máximo. Não que sofra de receios covid, porque isso já era, mas porque, no fundo, sinto que agora é que a cena social está correcta: antes do vírus, andávamos cá todos a roçarmo-nos uns nos outros, e aos dois beijinhos uns aos outros, um exagero de contactos físicos que (espero que) acabou. Éramos apresentados a alguém que nunca mais íamos ver e logo dois beijos? Não admira que o vírus tenha singrado até sangrar.

Quanto ao filme propriamente dito, que é o que nos traz aqui hoje: Bem Bom. Mais nada. Pode não ser aquelas coisas em termos de luz, imagem, som — cinema português, é um estilo como outro qualquer —, mas consegue o que parece impossível, que é devolver-nos os e aos anos 80's — excelente reconstituição histórica — e, de uma vez por todas, desfazer o boato com a Laura Diogo. Já veio tarde, é certo, mas mais vale do que nunca. Coisa para ter detonado uma banda icónica, quatro carreiras e quase uma vida. 

Se eu não adorava as Doce — era muito miúda, queria ser assim, mas não bem assim quando crescesse —, pelo menos sabia (e sei) as letras das músicas quase todas. E lembro-me bem da prequela das Doce, que foram os Gemini, com duas delas (Fátima e Teresa) e dois dos produtores (Tozé Martinho e Mike Sergeant). Nessa altura, a pessoa humana era uma criança em idade escolar, mas cantava com alguma solenidade aquilo do prazer que uma criança nos deu. E não percebia, como ainda não percebo, a estrofe o acordar de tristeza ao ver as horas passar e o jantar frio na mesa. Alguém explica isto? Não é preciso, falecerei com a dúvida, mas muito obrigada na mesma. 

20/07/2021

Fui tomar um banho de loja

E comprei exactamente zero peças, ou seja, regressei sem banho. Suja.

Acontece que, no presente momento, tornou-se comum termos que esperar minutos preciosos à porta de cada loja de trapos. Imagine-se, para uma impaciente como aqui a pessoa humana, estar sete minutos numa fila e depois uns míseros dois lá dentro, o que não representa de suplício procurar algo para vestir de que, já não digo adore, mas, pelo menos, goste um nico. A própria espera, com relances para o interior do estabelecimento comercial, a confirmar que não vale a pena ficar para me sujeitar a mais uma desilusão, é o suficiente para que me demova de ir, antes mesmo de sair na demanda. Esta que relato foi, talvez, a terceira em que me autodeterminei a ir, não por considerar que já não tenho nada para vestir — típico de femedo —, mas sim porque sim — também típico. 

Queria um vestido, liso ou de flores, mas também podia ser às riscas, pintas, bolas, mas bolas, nada. Um vestido, para mim, ou é acima ou é abaixo do joelho, mas, em sendo comprido, tem que ser estreito, tal como a regra "se destapares em cima, tapa em baixo e vice-versa". Não concebo um vestido até aos pés e largo, pois isto não é o Médio Oriente, embora este ano pareça: os vestidos têm tanto pano, que eram capazes de, em havendo, servirem para levar para um festival de Verão, tipo para o relento. (Não vou explicar a piada.) E, no final da estação, era serem oferecidos à Força Aérea. (Idem.) Ou seja, e porque já cá ando há uns quantos Verões, ocorreu-me que aquelas barracas deixarão de se usar para o ano, e depois são capazes de entupir os contentores de roupa usada, pelo que não adquiri nenhum. Na verdade, também não aprecio a ideia de meter o corpo todo num espaço fechado e só deixar a cabeça de fora, ainda me perdia lá dentro, ou perdia a cabeça. 

Porém, verifiquei que também está muito na moda o extremo contraponto da burka — ou indumentária amish, se preferirem —, que é o micro-vestido, com decote panorâmico e mangas de balão de ar quente. Ou hélio? Por acaso, não experimentei amarfanhar nenhuma, mas acredito que apitem, caso desinsuflem. A graça toda desta moda é que os ditos vestidos são feitos em viscose, fibra, aquele tecido meio plastificado — penso que tudo em nome da armação da manga —, que, vocês não sei, mas eu, que sou moura, é vestir uma peça nesses materiais, e aí o quê?, o mais tardar, ao meio-dia, ninguém pode estar perto de mim, que me apodreci toda. 

E depois, este meu sentido (auto)crítico... Entre pensamentos de "este não, que me faz gorda", "este não, que me faz velha", "este não, que me faz parola", "este não, que me faz ridícula", "este não, que vou ficar A mulher de Chelas" (tudo culpa dos trapos, hã?), regressei ao lar, agastada e exangue.