31/01/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 28

E, tendo em conta esse risco, já há quem me envie provas de que a realidade é muito mais pitoresca do que a (minha) (conturbada) imaginação. Quase posso afirmar que já tenho uma equipa no terreno, atenta às singularidades de uma rapariga morena. 
Obrigada :)

Num xnês, não muito longe de mim

E, como isto não pára, veio-me aos mióis esta associação. 

Ah, lindo. Só xtaile, neste retrato

30/01/2016

É o único ser vivo que se mete na jaula pelo seu pé (pata) e ainda adormece, consolada


Na gateira, pois claro

Braços de colo

Desculpe, nós estamos a fazer uma avaliação nutricional.
E pára. Fecha os olhos e fica, com eles fechados, a boca aberta, a frase em suspenso. Não há sequer uma reticência, é mesmo um ponto final. Gaga. Gaguíssima. Mas eu tenho o maior respeito e a maior admiração pelas pessoas gagas. A minha mãe ensinou-me que são pessoas superiormente inteligentes. Ainda por cima, sofrem de um handicap que tem consequências sociais e pessoais absolutamente dramáticas. Às vezes são tomadas como idiotas. Nunca caio na tentação de procurar completar-lhes as palavras ou as frases. Sei que o pensamento e o raciocínio, muito velozes, não acompanham o discurso, e isso ainda os barrica mais. 
Espero que ela retome, e ela explica, com mais duas ou três paragens semelhantes, que me oferece uma consulta de nutrição. Digo-lhe que tenho que tirar um café da máquina, explico o meu próprio drama pessoal,
É que é doida, peço-lhe café longo, dá-me um balde de café, peço-lhe café sem açúcar, dá-me um xarope, acho mesmo que não percebe nada do que eu digo.
Vejo-lhe a expressão divertida, a cara a relaxar, e seguimos juntas para o gabinete da avaliação, no ginásio.
A consulta demora cerca de vinte minutos. Ela parou de gaguejar no momento em que eu, ao atirar o copo do café para o caixote do lixo, lhe disse:
Então, vamos a isso, ou quê?
Pergunta-me o básico, e também qual é o meu objectivo, quando treino. Digo, como sempre, a verdade, que costuma saltar-me muito antes de alinhar raciocínios. Nem sequer são mais velozes do que a linguagem verbal. Simplesmente, só surgem depois de já ter iniciado as frases. 
Quero ter uns braços magros. Eu tenho os braços mais gordos do mundo.
[A minha amiga Preta, que também é quem, de uma forma profundamente heterossexual, conhece melhor o meu corpo do que até eu, já que mo massaja centímetro a centímetro, semanalmente, há três anos (o que já dá umas boas 156 vezes, contas feitas por alto), diz que as mães têm braços de colo, que são uns braços que se formam quando se espera pelo primeiro filho, com aquela paciência impaciente que, depois, se repete com todos os seguintes. E deve ser disso que eu sofro — braços de colo.]
É tudo o que eu quero. Não quero saber de coxas, de ancas, de barriga, de pernas. Os braços atormentam-me. 
Pergunta-me o que costumo comer, e sai-me uma lista absurda, embora verídica:
Comida vegetariana, muito peixe, principalmente salmão, sushi, iogurtes horríveis, sem sabor e sem açúcar, mas que eu gosto, fruta nas pausas, alface duas vezes por dia, e também bolachas, quando estou cansada do computador e não me apetece levantar da cadeira. 
Sou um beco sem saída, porque não há muito por onde começar a tesourar no meu esquema. Só se for nas bolachas. Não lhe falei na cerveja, mas porque me esqueci. De resto, não bebo o suficiente para que isso seja assinalável. 
Fiquei a vê-la afastar-se, quando fui treinar, as pernas muito grossas, andar de pé curto, passos pequenos — a personificação do dermatologista careca, ou do dentista com dentes amarelos. 
Mas eu tenho o maior respeito e admiração pelo trabalho de todas as pessoas, e as pernas grossas dela não me irão impedir de seguir o regime que me prescreveu, com vista à fabricação de uns braços magros — apesar de todos os colos.

Na vet-pet-ped

Levámos a criança ao pediatra dos bichos. 
Perguntou-me o que é que sabia acerca da Molly, e eu respondi que quase nada.
- Então, diga-me o que sabe.
- Sei que nasceu no dia 23 de Dezembro, faz parte de uma ninhada de cinco, e um deles nasceu morto. É a segunda ou terceira ninhada da mãe dela, é uma gata de casa, não de quintal nem de rua. Veio da Amadora. Não está desparasitada por dentro, e não tem pulgas. Não sei mais nada.
Ou seja, só faltou contar a história da vida dela até à sétima geração.
Pequeno gato pesa 560 gramas. 
Adormece onde calha, imprevisivelmente.
Molly significa Maria - como não podia deixar de ser.



Sim, está a dormir

29/01/2016

Chico-smart não me tem em grande conta # 16

Estou a dar conta das minhas ânsias para juntar a Molly com a Mia.
E chico, sempre smart, sugere-me...




Molly — baby's got blue eyes



Quando houver condições psiquiátricas para mais e melhor, ponho aqui qualquer coisa de mais concreto e capaz.

Ainda nem bem acordada estou, já me encontro num desassossego pessoano e pessoal

Vou buscar pequena Molly.
Vou espremê-la nos braços até ela ficar um gato adulto e conseguir acalmar um nico esta ânsia de pegar ao colo, mimar, cuidar e proteger.
Já volto, mais rica.


28/01/2016

Ela fala tanto # 6

Estou de mala no braço, à blogger, e com a mochila do blue portátil ao ombro, à intelectual de esquerda, mas em chique, do mais féchonerer que se possa imaginar, no outro braço o sobretudo preto, que faz de mim a gaja mais gaja do meu perímetro, mormente cefálico, ou seja, vê-se claramente que estou pronta para sair de casa, pois o dever chama-me "Ó ai ó Linda", paro diante dela, digo-lhe até amanhã (camarada), e diz-me ela assim para mim: 
- Já sabe quando é que me dá férias? É que, lá na firma, não param de me chatear com isso.
[Ela trabalha numa firma, portanto.]
Estamos em Janeiro. Ela quer saber quando é que eu lhe dou férias. Eu só quero sair para ir ganhar o nosso pão de cada dia. A côdea, vá. Seca, bolorenta, mas que importa, se estou artilhada como se fosse enfiar-me numa multinacional, cheia de ares condicionados e descondicionados, a dar ordens e a fazer birras? Arregalo os olhos, e, numa tentativa de a surpreender mais do que ela a mim, deslargo:
- As duas últimas de Julho e as duas primeiras de Agosto, ou a última de Julho e as três primeiras de Agosto, ou as quatro de Agosto, ou a última de Julho e as duas primeiras de Agosto e guarda uma para o Natal, ou as três primeiras de Agosto e guarda uma para o Natal, ou as últimas três de Agosto e guarda uma para o Natal... ou prefere Setembro?
Ela, muda. Pensei que tinha conseguido o curto-circuito no sistema dela.
Impossível.
- É que eu tenho problemas lá com o chefe, que está sempre a embirrar com a marcação das férias, agora já não quer três semanas seguidas, e mesmo duas, parece que lhe custa, porque há lá uma que anda sempre a emprenhá-lo pelos ouvidos, e marca as férias dela quando quer, sem perguntar nada a ninguém se lhe dá jeito, não sei lá que raio de choradinho é que ela lhe fez, que o homem é todo mesuras para ela, e ela não faz nada, passa os dias a olhar para o ar, sem fazer nada, parada, ou a conversar, e a mim, manda-me aos recadinhos, agora é bolinhos, agora vai buscar águas, agora vai ao arquivo, e ela ali, de madame, sem fazer nenhum, eu não aguento mais, farto-me de trabalhar, e ela não faz nada, parece mentira, não faz nada...
Parada. A discursar. No local de trabalho. Sem fazer nada, para além de dar à matraca.
E eu, parada, sem fazer nada, para além de a ouvir dizer que a outra não faz nada. 

Passou directamente para a minha galeria de SAMNMSUED (só-a-mim-não-me-sai-um-emprego-destes), ex aequo com D. Ana Maria, a secretária do escritório onde eu fiz estágio, que passava os dias a correr o corredor — passe o pleonasmo —, de mãos na cabeça, a gritar "Não tenho tempo para isto!".

Já posso postar em segurança?

É só para saber se já posso contar que:

Ontem: foi o aniversário do momento em que, há dezassete anos, fui trimom. 
Hoje: a minha amiga cigana pediu-me uns sapatos iguais aos meus, e chamou cigano a um fulano que não lhe quis dar uma moeda por ela lhe ter arranjado um lugar para o carro, no meio do lodaçal.


Amanhã: pequena Molly vem para casa.

Estou cheia de assuntos, como vêem. 


27/01/2016

Queremos xilrear

Aderi. Nossa Senhora Presidente assim determina, fá-lo-emos em força e sem pestanejar (esta última parte, será a mais penosa de manter, drivados ao eyelash power, mas nada é impossível, já lá dizem os senhores da Adidas, parafraseando Muhammad). 

Hoje até tinha coisas para dizer, e estou aqui a segurar os dedos e as teclas, mas vou manter a minha decisão. Calhava-me que nem ginjas era uma greve de fome, mas isso, se calhar, já é pedir muito. Não sei se afecta a alguém que eu pare de escrever enquanto não se resolver este quid, mas a mim afecta-me muito, nomeadamente os nervos, muito em particular os que repassam pelas pontas dos dedos.

Estou sem tempo para melhor texto de manifesto, por isso peço-te, Xilre: volta. E traz o Andrada, a Orchidée, Le Pauvre J., a Dona Aureliana, o teu pássaro, a afortunada destinatária de maravilhosos textos, e tudo o resto, que é tanto. Traz a inspiração, e nunca expires.

(Devias juntar-te a nós, nesta luta — que, no teu caso, será uma luta contigo mesmo, mas paciência — pelo teu regresso. Até já, camarada.)

26/01/2016

Eu tenho problemas com tudo # 10

Não adianta fugir-lhe. A genética é como aquele bicho dos brasileiros: se correr, o bicho pega, se ficar o bicho come. Se uma (não interessam as razões) faz parar o trânsito, é normal que a outra, que é filha de peixe, saiba nadar e faça parar o metro — que foi o que aconteceu ontem. 
Saltando a parte do INEM, que só teria relevância para esta história se eu tivesse assistido a tudo, a acção passa directamente para o Hospital de Santa Maria, onde passei uma quarta parte de dia, entre ontem e hoje, vestindo a casaca de acompanhante. 
A primeira pulseira que lhe foi atribuída, foi a pulseira amarela, mas, assim que eu invadi o hospital, colocaram-lhe a cor-de-laranja, vá-se lá perceber porquê. Foi por isso que fomos parar à sala das laranjas. 
Para início de conversa, a sala laranja é mesmo ao lado da urgência de psiquiatria, e, quem sabe, isso não explica que estivesse povoada de queimados do juízo. Quase imediatamente, entrou um senhor, com cerca de cem anos, que personificou na perfeição a metáfora do elefante no meio da sala (todos sabem que lá está, todos fingem que não está): conseguiu gritar, contado por mim, durante cinco horas, só interrompidas por uma sesta de meia-hora, em que acredito que todos estranhámos o silêncio, e até sentimos a falta do ruído. 

Existe um leque infalível de estilos de utentes, uma espécie de núcleo duro, em todas as urgências dos hospitais, sejam eles públicos ou privados. Há uns anos, num outro espaço que tive, descrevi uma estadia de, coincidentemente, seis horas, no Hospital da Luz, e a miséria humana é transversal a todas as bolsas e bolsos. Os níveis de gemideira equivalem-se em género, número e grau. Ontem, lá estavam as personagens do costume: a prostituta, a idosa barriguda que ainda veste tigresse (normalmente, em duas peças, de estampados diferentes, tipo a legging e a mala, ou o apontamento no botim e a gabardine), o velhote que grita que quer fazer chichi, o jovem que partiu a perna e o senhor que não se sabe muito bem o que é que ali está a fazer, mas que se presume que tem dores. E a mulher de Chelas (eu). 

Chegar a um lugar destes sem dinheiro (eu) e ser acometida de uma larica (eu), constitui o início de uma aventura, em se tratando do HSM, que é a conquista de uma refeição (vá, um snéc da vitrine das moedas). Houve que perguntar a duas pessoas diferentes onde é que ficava o multibanco, percorrer um corredor labiríntico, com saídas à direita e à esquerda, e portas, e zero pontos de referência para poder regressar à casa de partida. Isto, para uma pessoa que, amiúde, perde o carro à porta de casa. Mas a fome era mais preta que o medo, e eu era um predador vestido de mulher de Chelas, pelo que consegui levantar dinheiro no meio do povo da pulseira verde (entretanto, soube que também há uma pulseira azul, e auto-flagelei-me para não cair em tentação de ir pedir uma). 
Munida de capital, marchei, impante e ufana, para a máquina dos víveres, que se recusou a aceitar-me a nota, berrando por moedas, a pelintra. Passou por mim uma senhora, que empurrava uma cadeira de rodas, e me perguntou onde era a "zona dos verdes". Tentada a fazer-lhe o croquis para o estádio, respondi-lhe que seguisse "em frente até lá ao fundo". Fiz mais uma tentativa de enganar a máquina com a minha nota de 10, mas ela devolveu-ma em modo símbolo dos Rolling Stones. A senhora da cadeira de rodas voltou a perguntar-me onde era a zona dos verdes, e então percebi que havia dado uma volta completa ao "quarteirão" dos corredores. Repeti-lhe que fosse em frente até lá ao fundo, e voltei a embrenhar-me no labirinto, em busca do bar aberto, pois o fechado não me interessou tentar adentrar. Sabia que havia que descer umas escadas e sair do edifício do hospital. A procura pelas escadas valeu-me a entrada por uma porta que só depois reparei tratar-se de um vestiário. Aquilo faz tudo uma lógica da batata, ou eu tenho um problema por resolver relacionado com a bússola. Devo ter sido um daqueles navegantes que morreu de escorbuto a duzentas milhas da costa. Depois de me aviar no Toxinas, o bar mais famoso do HSM (pelo menos, para mim, que o frequento desde a mais tenra infância), com um pampilho, uma tarte de amêndoas e uma garrafa de água (para empurrar aquilo tudo), voltei para trás, mas perdi-me outra vez. Após ter chagado a paciência a mais três pessoas, regressei à sala das laranjas, quase triunfante, e com um farnel incrivelmente calórico. A senhora da cadeira de rodas passou por mim, já sem a cadeira de rodas, e perguntou-me, com muito mau modo, afinal, onde é que era a zona dos verdes. Indiquei-lhe a porta da urgência de psiquiatria e tratei de me alimentar. 

Consegui libertar-me às 01:00 da manhã, outra vez esganada de fome, e evitando a tal porta, mesmo ao lado da sala das laranjas. E, o mais importante, com a minha boneca totalmente recuperada (eu, nem por isso, mas eu sou eu).


Pobreza

Primeiro, a G., depois a Miss Smile, agora o Xilre.
Sem inspiração, sem refúgio, sem Mestre, uma pessoa fica sem norte. Faz o quê, a seguir? Escreve?


Aos outros, tão bons, que sobrevivem, e que sabem perfeitamente quem são, chhht, quietos. Isto é uma ordem. Keep writing.


É quase meia-noite

Ou já passará, quando conseguir publicar este post, com a graça de chico-smart e sua lentidão a carregar fotos.
Aquele que podia ser um momento dramático da minha vida, afinal é um episódio inqualificável.
Entrámos por uma porta que diz que é a das laranjas.
O meu papel aqui é o de acompanhante. E só não é de luxo porque, tendo em conta a aproximação do Carnaval, hoje mascarei-me de mulher de Chelas. Mas posso adiantar que já estive no gabinete de um médico giro, respondendo a uma espécie de questionário, e retorcendo nas mãos um preservativo gigante.
Entretanto, passa da meia-noite e eu estou em Santiago do Chile. Para mim, nunca há Compostela.

25/01/2016

Corredor

Fiz-te uma cueca!
E passa por mim, a correr, todo vento e júbilo, como se fosse possível correr dentro da casa, que encolhe a cada dia, como se as pernas dele não tivessem, a cada dia, menos espaço para o fazer, fazendo com que ele, corredor, transforme o corredor de casa num eufemismo de si mesmo. E também, a obra reduziu-o para metade do comprimento e da largura, e fê-lo num hall em L. As corridas foram encurtadas drasticamente. Dramaticamente, para ser justa. De vez em quando, ainda lamenta a redução do campo, e pede, 
Não podíamos voltar a ter aquele corredor? 
(Ainda que pudéssemos, conseguiria ele reconhecer o "relvado" de que dispunha aos quatro anos de idade?)
Eh, que granda cueca!
E corre. O meu rapaz corre. Dá imagens, em corrida por um corredor que já não existe, dignas de posters do mais alto calibre futebolístico. Ele é todo técnica, arte, empenho. Amor.
Ainda tenho a imagem dele, com dois anos, na praia, rabo fraldiqueiro debaixo dos calções, a correr atrás de uma bola, sufocado de riso, gargalhadas redobradas pelos ares, caracóis à solta, todo cheio de sol. 
Vá, defende! Hahaha, outra cueca!
Ainda tenho a emoção de ter lido, no cartaz do Dia da Mãe, Gosto da minha mãe porque..., depois de tantos ... é bonita, ... dá-me tudo o que eu lhe peço, ... dá-me beijinhos, a razão de coração dele — ... joga comigo quando eu estou sozinho. E de não ter percebido logo — «Jogo? Jogo o quê?» —, mas a educadora ter explicado: 
Ele contou que a mãe joga à bola com ele, no corredor lá de casa. 
Maria Chuteira, de salto alto, troçamos os dois. 
De todas as vezes que a bola passa, dos pés dele por entre os meus, "vejo-o", fraldiqueiro, perdido de gargalhadas ao vento, e "ouço-o", joga comigo quando eu estou sozinho.
Ele joga, cheio de sol. Eu limito-me a sofrer cuecas.
(Tão boas.)


24/01/2016

É piropo, é assédio, é falta de mais o que fazer, ou é só extremamente cansativo, da minha parte, ser assim?

Começo o treino por duzentas braçadas de remo, mil metros de ergómetro, que me fazem atravessar o Tejo na minha imaginação, mas que, na realidade, não permitem que saia do mesmo recanto, sentindo-me uma esfregona extremamente sensual, já que me esqueço sempre de amarrar o cabelo antes de começar aquela luta. 
A família do senhor da mercearia continua a ocupar bastante espaço, designadamente do meu campo visual. O filho, sendo o mais gordo dos três, arma-se em treinador da mãe, laça-lhe a cintura com um elástico, manda-a avançar, enquanto prende as duas pontas com as mãos, e eu só vejo a criatura transformada num animal de tracção, sob as ordens do rapazola que brotou no mundo. Aquilo é coisa para me deixar passível. Mas avanço nas braçadas, porque o meu objectivo é atravessar o rio, há um prenúncio de morte e novos ricos são má sorte.
O homem pára de treinar, encosta-se à parede que está mesmo à minha frente, e fica, de olhar fixo, a ver-me cumprir os mil metros. Estou nos 360 e já o deito pelos olhos, apetece-me bradar-lhe que vá à merda. 
Mal acabo, fujo para a outra sala, onde cumpro os mínimos, no meio de uma multidão que não me chateia. Já estou a alongar, quando o homenzinho reaparece no meu pesadelo, e então evado-me para o balneário, onde me julgo a salvo.
Só mulheres, posso despir-me, andar em trajes menores ou maiores, que ninguém me virá importunar. Com um cacifo ao lado do meu, uma senhora despe-se, queixa-se que está exausta e vai para o duche. Já lá está há uns minutos quando eu inicio o meu, e saio ainda antes de ela acabar o dela. Devo lavar-me muito mal, ou há qualquer coisa que escapa no meu banho e que faz parte do dela. Estou a começar a vestir-me quando ela surge, veste umas cuecas pretas de renda que lhe estão minúsculas, e tenho a rainha do pintelho pela frente: uma coisa perfeitamente gigantesca, aparentada com Gina, que fez capas de revista nos anos 70.  De chofre, dá-me um elogio ao corpo. Não falou em pernas, em rabo, em mamas, em barriga, em coxas: generalizou, meteu tudo no mesmo saco, pacote (salvo seja) completo, um comentário redondo como eu não sou. Ri-me, agradeci, disse-lhe que se tratava de um exagero (porque foi, objectivamente), e que faço muitos "disparates" que não devia. Pensei mesmo em perguntar-lhe se não devia mudar de graduação, mas, sendo uma pessoa mais velha (uns oito, dez anos) do que eu, travei-me, com receio de a ofender. E ela, inamovível, insistiu. Falei-lhe dos filhos, da gula, da determinação em ir ao ginásio três vezes por semana (na verdade, vou só duas, há muitas semanas), só faltou dizer-lhe a verdade: que, se não fosse parva, cagava para isso tudo, só comia o que me desse no ginete, e era muito mais feliz assim. Mas ela repetiu, e disse pela terceira vez. 
E eu saí do balneário com a leve sensação de que o senhor da mercearia é um pobre bem intencionado, ao pé de outros gaviões que para aí andam, disfarçados de mulher pintelhuda. 

A propósito das presidenciais

[bem, pus este título para atrair freguesia. E sempre dou a entender, a quem se limitar a lê-lo, que sou uma pessoa extremamente actual. 
Afinal, sou uma blogger, ou sou um rato? (Poupai-me à piada fácil, que eu também já a fiz.)
Onde é que está o gato?]

Hoje acordei com esta dúvida a assaltar-me, à mão armada, como todas as que me assolam o espírito, o corpo e sei lá se não também os fantasmas que tenho trancados no sótão — ou isso são os macaquinhos? Pois, os fantasmas é no armário, não, espera, isso é com os esqueletos, ou então aquela da libertação sexual —, tudo isto por causa dos retratos que se tiram por aí a torto e a direito, mais torto que outra coisa, que de Direito não têm nada, nem obra de engenharia, é tudo a disparar em todas as direcções, atiradores furtivos, que até mete medo ao susto, ou a darem o corpo às balas, que é como quem diz às selfies.

Dantes, a minha bisavó, por exemplo, sentava-se numa poltrona de veludo e o fotógrafo tirava-lhe o retrato a castanho e branco. Ela não sorria, e se era linda, a minha bisavó. Atrás, em pé, o meu bisavô. A minha avó também não sorria, e se era linda a minha avó. Foi fotografada em estúdio, ao lado do meu avô, numa montagem feita pelo artista, que já dominava o photoshop muito antes de ele ter sido inventado, e até foi capaz de colocar os meus avós lado a lado, no retrato como na vida, com a mesma idade e tudo, distanciados que eram em catorze anos um do outro. O meu pai e a minha mãe foram fotografados juntos e um ao outro, um pelo outro, nas fotografias como na vida, e sorriam ambos, e se eram lindos, a minha mãe e o meu pai, e o sorriso era ao outro, era para o outro que sorriam quando apareciam nas fotografias lá deles, tanto naquelas em que apareciam os dois, como nas outras, em que apareciam sozinhos. Nesse tempo, as pessoas sorriam para o fotógrafo, mesmo que ele não fosse um profissional. Não era preciso dizer "Olha o passarinho", era só preciso gostar da pessoa que nos tirava a fotografia, ou daquela a quem íamos oferecê-la. Eu própria tenho muitas fotografias a sorrir, porque o meu pai mas tirava, só que vá-se lá perceber porquê, a fotografia mais bonita de toda a minha vida é uma em que eu ainda nem devia ter feito cinco anos, estou junto ao mar, de cócoras, e tenho o queixo pousado num joelho, mas não estou a sorrir.
Quando apareceram os telemóveis com câmara, as pessoas perderam a cabeça (quase literalmente), viraram aquilo na direcção das suas caras e pum-pum-pum, o horror. Sorriam muito, porque sorriam para si mesmas, o que as devia desinibir, libertar de medos de entrega, ou sei lá que outras psicologias várias, que envolvam fantasmas, macaquinhos ou esqueletos. Teremos, eventualmente, uma geração inteira de caras sorridentes, cujo antebraço será uma das principais figuras de todos os seus álbuns, se algum dia chegarem a fazê-los. Eu própria cheguei a tirar algumas, mea culpa, espalhando o meu sorriso ao longo do meu braço, mea tão grande culpa. 
Não teremos, não. Inventado o selfie stick, aumentada a distância de disparo para além do tamanho de um braço, surge agora uma outra geração, cujos registos apresentam, de canto, indisfarçável porque nem essa preocupação existe, o vestígio do stick. E, invariavelmente, um sorriso — completo, sincero, artístico — para o pau.


23/01/2016

Chiu, que eu estou a reflectir

Tolerância um

Não pago tatuagens.
Não pago laser para tirar tatuagens.
Não pago piercings.
Não pago cirurgias para disfarçar buracos de piercings.
Não pago rastas.
Não pago cabeleireiras, nem extensões capilares, nem dermatologistas para sanar peladas com origem tola.
Não seco lágrimas de arrependimento.

Já me chega o blog, com vida própria, a mandar no seu nariz (e no meu), a querer autonomizar-se, a mandar em mim não tarda, feito adolescente.

Pensei melhor: tolerância zero.

22/01/2016

A mais esperta de todos

Aquele waiting ring, aos brados
Nossa, nossa | Assim você me mata | Ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego | Delícia, delícia

[Ponho em altifalante, pouso o telemóvel, danço um bocadinho — a doce parola que me habita adora música de carrinhos de choques —, até que o senhor José atende.]

- Bom dia. Diga-me, senhor José, como vai a minha gatinha?
- Olhe, dona Maria [há qualquer coisa de muito bíblico na adopção desta gata], ainda mama. [Ligeira desilusão, o meu excitamento e egoísmo queriam-na cá já-já.] Mas já anda por todo o lado, e é a mais esperta de todos. Quando se quer esconder, mete-se nos cantinhos dela, que são só dela, e mais nenhum pode para lá ir...
[Ligeiro medo que o homem se afeiçoe à minha gata. A gata é minha, minha, minha...]
[Vá, e eu, na verdade, já gosto dela sem nunca a ter cheirado na vida. É a mais esperta de todos. That's my girl.]


- Mas deve estar quase a desmamar, não? O senhor não se esqueça que eu a quero para mim.
- Não me esqueço, dona Maria Laranja, não me esqueço.

[Ai dele.]

21/01/2016

[Socorro, não sei que título dar a isto!]

Até me apetecia escrever alguma coisa com pés e cabeça e, já agora, com uma anca de estalo e um belo par de...
Ai, desculpem. 
Foi da febre. 
Na verdade, não tenho assunto nenhum. Estou com trabalho até às orelhas. Melhor dizendo, até ao tecto, porque mal levanto as orelhas, apercebo-me do que vai ali para cima que ainda está por fazer.
Chove lá fora. A roupa não vai secar. Com alguma sorte, ainda vai ficar a cheirar a mofo. 
Estou constipadíssima. Espirro a cerca de cem quilómetros à hora, para cima de todas as minhas mobílias. Está tudo encharcado, especialmente o interior do meu crânio.
Tenho a cabeça cheia de cocó.
Parece mesmo que uma tarântula se instalou no meio das minhas sobrancelhas. De vez em quando, acorda, espreguiça-se e estoira-me olhos, nariz, ouvidos e vá lá, que eu sou uma senhora. 
Isto foi o melhor que consegui por hoje, para vir cá picar o ponto e não provocar a desilusão a quem ainda cá vem e só encontra refogados de ontem.
Por falar nisso, como uma desgraça nunca vem só, hoje fiquei a saber que um dos meus vizinhos assou chouriços a semana passada, entre quinta e domingo, que foi quando o meu toalhão de banho esteve estendido na corda, a secar a este sol de Inverno. Hoje esfreguei-me nele e fiquei a cheirar a Santo António. Ou a Lelo. Depois cheguei ao parque de estacionamento e o cigano quis arranjar os riscos no pára-lamas que a miúda lhe arrefinfou a semana passada. Eu disse que não, que tenho um mecânico óptimo, que me faz tudo barato. Bem feita para não ser mentirosa, que nem um cigano acredita em mim. Não existem mecânicos óptimos, ainda menos que façam tudo barato. Quando voltei ao parque, uma hora depois, já ele tinha apagado os riscos ao meu boi, e o pára-lamas estava lisinho. Finquei pé, que queria saber como é que tinha feito aquela magia, ele apanhou um papelote muito porco do chão, no meio da lama, e mostrou-mo. Eu tenho para mim que aquilo foi com saliva. Mas também, a cheirar a cigana como eu hoje me apresentei, creio que foi mais por solidariedade do que por outro motivo qualquer que o homem fez aquilo. Que se lixe, dei-lhe um euro.
Atchim.
(Santinha, de pau carunchoso.)

20/01/2016

Chico-smart não me tem em grande conta # 15

(Aliás, subestima-me)


Este é o momento em que eu quero responder "Fizeste bem", e ele apenas tem como sugestão possível "fizestes".
E é que eu sei que se trata da segunda pessoa do plural, e que até existe, apesar de ser uma pessoa moribunda, essa do vós. Já uma vez me desperdicei em explanações, e nada de a gramática da língua portuguesa mudar nos entretantos. Ninguém me ouve.
Mas também considero que, neste caso, o dicionário de chico pode ter sido redigido no eixo Galinheiras-zona J, e lá, o correcto, é assim: Fizestes bem, genitalho.



Eu, chata, me confesso

Tanto preconceito deitado ao vento, dir-me-ão os poetas. Concordo.
Tanta pomba assassinada.
Sou uma chata, pior que a potassa. (Com O, tá?) Mas não aguento ver destratada a minha língua. Essa, que trago dentro da boca, mas, e sobretudo, a que me povoa e voa dentro da cabeça. 
Estava outro dia a assistir a uma palestra, cujo moderador é uma pessoa bem falante e bastante bem sucedida, em termos de captação de atenções. No entanto, por várias vezes me deixei perder no discurso, pelos tropecinhos (não lhes posso chamar tropeções, quem sou eu?) que ele cometeu na lusitana paixão que é a minha: 
Descoram os pormenores [lixívia nos pormenores, é no que dá];
Nem nos melhores hospícios [é onde vou parar, por este andar, à falta de auspícios...];
Expectativas desfraldadas [como um bebé, a partir dos dois anos de idade...];
Usem de determinismo [e nunca de determinação, não vá aparecer aí o Nietzsche com aquelas noções de livre arbítrio, que só escrever o nome dele já cansa, tzsch];
Amiudamente [sinónimo de agarotamente].
E note-se que eu sou uma besta a falar. A sério. Continuo a guardar como minha, a frase de Martin Amis, Penso como um génio, escrevo como um homem de letras e falo como um idiota. Mudando o que há a mudar (designadamente, a parte relativa ao ser um homem), esta é a minha descrição. 
Uhhh.

19/01/2016

Maria Laranja


- A senhora desculpe, mas eu assentei-a aqui no meu telemóvel como dona Maria Laranja. 
Disse-me ele, para me distinguir da restante agenda, que, convencido que estava que eu queria ficar com o gato laranja, digitou assim o meu nome. Não sabe ele, e quem sou eu para lhe dizer, que cor-de-laranja é a minha segunda cor, assim como a laranja é a minha segunda fruta. (Pode ter a ver com o sol, que eu tenho a mania.)
- Mas olhe que não, senhor José, eu não quero ficar com o gato laranja, a menos que ele seja uma fêmea. 
E não lhe disse, mas o que mais me atraía no gato laranja era, precisamente, o facto de ele não ser laranja, mas apenas malhado de laranja. Uma repetição da Mel não seria bom para ninguém, nem para o gato. 
- Não, eu quero fêmea. Então e como é que o senhor sabe quais é que são os machos e as fêmeas da ninhada?
- Olhe, dona Maria Laranja, ai desculpe... já me ensinaram que as fêmeas têm o ânus e a vagina muito próximos, são ali dois buraquinhos mesmo juntos. E os machos têm um espacinho entre os dois buraquinhos, que é onde ficam os... os... a senhora sabe...
- Sei. Sim, porque, em adultos, a distinção é muito fácil, basta levantar-lhes a cauda. 
- A senhora não me diga nada [mas o que é que eu disse?], que eu tenho cá um macho em casa, que é o pai desta ninhada, que tem ali dois coisos que a minha mulher e eu passamos a vida a gozar com ele.
[Vá, Maria Laranja, agora cala-te.]
- Hahaha, se calhar o senhor o que tem em casa é um boi!

~

E eis que associei com esta grande maravilha, do José Eduardo Agualusa, que é o conto Aventuras e desventuras de um gato boi.

Clicaide para aumentar exponencialmente.
(No fundo, não acontece nada.)
Maria Laranja, portanto.

18/01/2016

Molly

No mesmo dia em que recebi a capa de telemóvel que encomendei há três semanas, recebi também a notícia de que a Molly existe — nasceu há quatro semanas. Mal saia da mãe, vem para mim.
E, assim como a Mel, certamente nunca mais sairá de mim.

Virada ao contrário, de propósito


Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 27

Não sei como é que ainda não fui presa. Mas presa, enjaulada, amordaçada, impossibilitada de proferir uma palavra, tipo verbal, quanto mais por escrito. 
Também não sei por que é que ainda não criei um separador aqui no buraco designado gaffes que me acometem. Assim uma coisa simples, mas que eu própria pudesse consultar de vez em quando, para aferir da frequência/ano e, eventualmente, traçar um plano maquiavélico que revertesse a tendência. Assim, ando aos papeis, e não também aos arames, porque até acho graça às porras que me acontecem. 
Mas ainda me apetece vomitar as tripas e quase todos os órgãos moles internos, cada vez que me lembro da circunstância. E já passaram sobre ela longas 48 horas. 
Tenho que contextualizar, para que se perceba a dimensão da coisa:

Cenário — uma sala em que, por acaso, naquele momento, estamos apenas cinco pessoas, das quais, fora eu, só outra não é idosíssima. Estacionado a poucos metros, está um senhor, sentado numa cadeira de rodas, cujo olhar penetrante e perscrutador é também, já agora, perturbador. No momento, o senhor encontra-se absorvido pela leitura de um livro. 
Estamos nós, menos idosas, em plena amena cavaqueira acerca de trivialidades, quando ela me lembra a época da Pepa e da mala
E eu calar-me? Não era de valor? E eu ser capaz de uma resposta social, Ah, já me lembro
Não. Em vez disso, e porque tenho sempre umas associações de ideias ou muito vagas, ou muito boas, digo:
Ah, já sei, aquela que, depois, o Salvador Martinha fez uma chargeEu quero uma picha?
(O que ainda me mata aos poucos é a quase certeza de que aumentei o volume do som — ou, pelo menos, da ênfase — na terminação da frase.)


E digamos que o mundo parou um niquinho de respirar, à minha volta. 
E que o senhor parou de ler, porque, hipnotizado pelas minhas palavras, pousou o livro no colo. E depois aplicou-me outra vez o olhar penetrante, perscrutador e também, já agora, perturbador.
Era esta — como sempre que me acontecem estes percalços verbais —, a minha deixa para me calar. Mas os meus nervos traem-me como Judas. E ri-me. Ri-me muito.

Tenho prevista a compra de algumas perucas para usar nas próximas vezes que vá àquele lugar.

17/01/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 26


Existe uma passadeira, na cidade de Lisboa, que foi apagada — como se um apagador gigante tivesse ali passado, por cima dos riscos brancos, como se os riscos brancos fossem de giz, e, por isso, provisórios, como se o provisório do giz fosse menos importante, quando todos sabemos que, pelo menos até há uma dúzia de anos, tudo o que se imprimia a giz sobre negro era, precisamente, o que ficava imprimido a indelével nos cérebros das pessoas pequenas, que são, por sua vez, as mais capazes de tudo e mais alguma coisa nesta vida, designadamente aprender coisas importantes. Assim, como não havia apagador suficientemente potente para apagar aqueles traços definitivos, alguém se lembrou de os pintar, por cima, a negro. 
Tratava-se de uma passadeira que dá acesso a uma escola do 1.º ciclo, o que lhe atribui uma importância superior em relação às outras passadeiras todas, e fazia dela uma passagem superior: ponte de passagem para a outra margem, mas também passagem de gente pequena, superiormente importante. Todos os dias a atravessam pessoas capazes de construir alguma coisa de muito sólido sobre ruínas e destroços. E o tráfego pedonal sobre ela é tão intenso, que pode gabar-se, mesmo, de ter horas de ponta. 
Apagaram a passadeira, para irem riscar uma outra, mais abaixo (ou mais atrás, conforme nos coloquemos posicionados a jusante ou a montante), que nem para os pombos tem serventia, já que esses são doidos como as galinhas, e atravessam onde querem, e a passo de caracol (tem uma pessoa que guinar para não ficar com um deles atravessado na consciência e na grelha). 


No entanto, nem tudo está perdido: uma vez que ali ficou deixado ao abandono o sinal vertical de existência de passadeira, resulta que prevalece a regra desse sinal, indiferente ao facto de estar lá — ou não — pintada uma passadeira.

Já que aqui estou, também digo mais uma coisa ou outra: aquele sinal de aproximação de escola, na realidade, assemelha-se mais a um sinal de alerta "Atenção, pedófilos, raptores e outros tarados afins na área". De todo o modo, está trocado com o que está imediatamente a seguir, que sinaliza a presença de ciclovia.
São vinte metros de mau caminho.

Madre Mia...

É assim: de zero a cem, cem. (Era o Colin Firth ter participado e seria mil.)
Note-se que eu fui com A gripe (não sei se é gripe A, mas sei que é A gripe). (Os exageros do costume, nem febre tenho. Estou contaminada pelos maricas, tanto na maleita como na gemideira. Todos os homens são maricas quando estão com gripe, e eu tive dois maricas em casa esta semana. Eu própria estou um bocado maricas.)
Feita maricas, ainda fui de metro, não sei se já disse. Na verdade, fi-lo para me poupar. Já fui a um espectáculo no Campo Pequeno, que durou uma hora, e estive duas horas para sair do parque. Podia ter dormido lá uma parte da noite. 
As cadeiras do Campo Pequeno são o que se sabe: desenhadas por e para anões. O meu fémur, definitivamente, não cabe entre a cadeira e as costas do lugar da frente. Valeu-me que fiquei numa ponta, pelo que pude ficar de ladex, extremamente sugestiva, enquanto o povo escalava aquela escadaria que dá acesso às bancadas, com degraus do tamanho das pernas de uma criança. As letras distintivas das filas estão de tal forma escondidas, que a própria hospedeira tinha que se acocorar para verificar em que fila estava. Eu, por mim, passei ali um bocado a dizer "Agá" (sem ter ouvido um único obrigada), e "Ache", para as duas francesas que se encavalitaram atrás de mim. 
Continuo sem perceber para que é que fizeram a obra no Campo Pequeno. Aliás, em que é que consistiu a obra. Já agora, quanto custou. Se não for pedir muito, em quê. 
Não ia de casa, aterrei ali sem dinheiro e apenas com um mini-pacote de bolachas na mala. E estava um frio de rachar pele, osso e alma.
Portanto, eu tinha todas as condições para estar desconfortável e impaciente. E até ter-me dado ao luxo de não ter gostado do espectáculo. 
Mas amei. Enorme, a começar às 4 e a acabar às 7 horas, com um intervalo de 15 minutos, e, ainda assim, sem um único minuto em que pensasse "Isto já acabava e íamos daqui todos felizes para sempre". 
Ou muito me engano, ou os artistas são os mesmos do Cats. Mas não me engano se disser que continuam em grande forma física e vocal.
Vão, se puderem. Se não puderem, vão na mesma.
Eu vou voltar, não aguento só ter visto uma vez na vida aquele deslumbre, e essa mesma vida é demasiado curta.

Foi o que se arranjou

16/01/2016

Quase posso afirmar que tenho um carro novo

Há quatro dias, uma delas chegou muito enervada. 
Eu vi riscos novos no meu boi.
Ralhei, e ouvi:
Achei que não se notava...
Hoje diz-me outra delas assim para mim:
Mãe, raspei-te o carro. 
E eu constatei que foi do lado oposto ao dos riscos da outra.
Está personalizado, simétrico, tem um friso original, é modelo exclusivo.
Tamãe...

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 25

É que me deparo.
Está a pessoa no metropolitano. Isto, à pobre. Vai para ver um espectáculo da Broadway, é certo, mas com o bilhete oferecido (santa comadre), e com as moedas contadas para a viagem de metro. Minto, sobraram 20 cêntimos, nem sei o que lhes faça. 
(Sou tão pouco blogger.)
Estava assim tão contemplativa da realidade circundante, quando a luz dos meus olhos resolveu encontrar este cartaz.


E o que é que eu li?
Saiba em quem votar. Foi o que eu li. Porque é o que está lá escrito. 
O que a comissão queria ter escrito (queria mesmo?), era Saiba aonde votar, uma espécie de Saiba em que lugar vai votar. Assim, a mensagem, para analfas como eu, é Saiba em que quadradinho vai pôr a sua cruzinha.
Por falar nisso, ser assim é também uma cruzinha.
Eu passo-as todas, as do Algarve e as do Minho. Que cruz.

(Antes que me soltem os cães com a Ciber, eu também lá fui confirmar, tá?)

Mamma

Sábado, não há sábado sem sol, céu azul, mar azul, o mar, a minha mãe, que me põe sempre o mar diante dos olhos, Mamma mia, Campo Pequeno, já vesti um vestido igualzinho àquele do cartaz, here I go again, mama, life had just begun...



15/01/2016

O prometido é devido

(Havia de vos massacrar com seis de seguida, porque as primeiras cinco já publiquei no Desblogue. Vou ver o que é que posso fazer pelo vosso caso, depois dou-vos uma resposta.)
(Nota-se muito que hoje estou mesmo aflitinha com falta de tempo, até mesmo para me coçar?)
(Isto não é bem encher chouriços, mas não andará lá muito longe.)

1.ª Aula — 26 de Novembro 

Querido diário: 

Hoje guiei. Nem acredito, guiei um carro! Aquilo é exactamente como eu sonhava. Tão giro, parece um filme a passar à nossa frente — em 3 D, ou, se quiser ser rigorosa, em 4 D —, mas com as imagens a correr muito depressa. No fundo, hoje foi a minha entrada na quinta dimensão.

Comecei por me dirigir à porta do passageiro, por uma questão de hábito. Este é, de todos, o primeiro a perder. Preciso de fazer uma mnemónica — lado do volante => minha porta. Mal entrei no carro, tentei pôr o cinto de segurança. A minha ideia era dar à chave, meter o pé no acelerador (que eu nem sabia qual dos três pedais era, mas ia por tentativas), e sair pela cidade, em passeio. O instrutor deve ter suspeitado das minhas intenções, porque me disse logo que tinha que me dar “umas instruçõezinhas” primeiro. Deu-me uma verdadeira aula teórica, da qual eu só ouvi metade, porque continuava a sonhar em sair dali o mais depressa possível. Até que, finalmente, ele destravou o carro e começou a viagem mais delirante de toda a minha vida.

O bairro estava particularmente calmo, e nem sequer era de madrugada. Acho que fiz tudo bem feito, sorri para todos os automobilistas que se cruzaram comigo (numa de "andamos todos ao mesmo") e não apitei a nenhum. De resto, o instrutor nem me disse onde ficava a buzina. Levou-me para uma zona completamente deserta, ao pé do Carrefour, mas que tem montanhas de passadeiras, cruzamentos, curvas, subidas e descidas. Não tem é pessoas, nem cães, para eu ir treinando.

A certa altura, achou que eu já estava apta para experimentar os pedais -até ali, tinha ido só com o volante, e eram os pés dele que os dominavam. Disse-me uma graça que, se calhar, diz a todos os alunos: que são três pedais e só dois pés, daí a dificuldade. Mas eu cá multipliquei logo aquilo e concluí que, se cada pé pode ir aos três pedais (numa dança louca por baixo do volante), há, pelo menos, cinco possibilidades a considerar, só com os pés. Também acho que o pedal da embraiagem devia estar à direita e o acelerador à esquerda: como dextra que sou, tal como a maioria da população, canso imenso a perna esquerda a enterrar o pé na embraiagem. Por outro lado, a perna direita é tão pesada, que ele passou a aula toda a dizer "Ó ai, ó Linda, ó ai, ó Linda, não acelere tanto!". Foi para aí o momento mais erótico da aula toda.

Amanhã é outro dia. Tenho outra lição, e agora o meu objectivo é fazer entender ao meu instrutor que tem que ganhar confiança em mim.

Beijinhos

Blue

14/01/2016

Eu tenho problemas com médicos # 19

A consulta já é uma rotina tão bem calibrada, que fazemos um pouco de sala, o médico e eu. Vou para manter as pernas limpas de derrames e outras riscas que possam parecer pêlos, e faço-lhe um pouco de psicoterapia: ele conta-me das netas, falamos da actual conjuntura politico-económica, rematamos com um Não sei onde é que isto vai parar (ele), Só mudam as moscas (eu — cuja única capacidade argumentativa, em todos os temas que não domino, que são quase todos, se resume a um ditado popular) — isto, há dezassete anos, em praticamente todos os meses destes anos. Lá pelo meio, recebo a consulta.
Ontem, a conversa rumou para outras paragens, em direcção a Andorra. Já tínhamos acabado o que me levava ali, quando o médico me quis mostrar uma estância termal, nas imediações de Andorra, que responde pelo nome de Caldea. Todo contente, digitou caldea-ponto-não-sei-quê, e lá lhe apareceu, no bom Google, o que ele queria mostrar-me. No entanto, o que ele queria que eu visse, eram as imagens. Fui eu quem clicou, no portátil dele, em 'Imagens'.
Apareceram várias.


Mas eu, imperturbável, anunciei que estava na hora do meu parquímetro, e saí, flutuante, antes de perder a compostura, já no elevador.

13/01/2016

Eu tenho problemas com tudo # 9

Por contingências que não interessam a ninguém, porém, caso contrário, provavelmente eu não as explanaria, sucede que me saiu à rifa trabalhar com uma pessoa que, não sendo muito mais velha do que eu, é, seguramente, bastante mais infoexcluída, o que, convenhamos, não é fácil encontrar — nem nesse campo, nem em nenhum. 
Hoje havíamos recebido um mail comum, com vários anexos, de entre os quais um excel e um powerpoint. E deu ele início ao diálogo que segue, todo pontilhado de dúvida sistemática e incredulidade, em doses quase iguais tanto para ele como para mim:
- Não consigo fazer nada nestes documentos. 
- O que é que queres fazer? [Mal sabia eu de todas as derivações que esta pergunta poderia encerrar.]
- Quero preencher estas tabelas.
- Tens que clicar em cima do documento e abri-lo. 
[Ele clica. Ele abre. Mas não se faz luz.]
- Não consigo à mesma.
- Tens que carregar no botão 'Activar edição'.
[e. vejo-o. à. procura. de. um. botão. no. teclado.]
- Olha, é um botão que está em cima, à direita. Clica lá com o rato.
[Fi-lo feliz, quando lhe apareceu não sei o quê no monitor, que lhe pareceu um grande passo para a Humanidade.]
- Já está. 
- Pronto, agora já podes mexer no documento.
[Juro que pensei que ele ia meter as mãos no ecrã.]

Dizer e verbalizar

Sinto-me doente, dizia ele, via SMS.
Não corri para casa, porque o dia não me deixava, ou talvez não corresse na mesma, por querer eternamente dominar o ímpeto irreprimível de entrar em pânico a cada dor, a cada ai. Saber encontrar o ponto de equilíbrio entre o que é verdadeiramente importante e o que pode esperar, o que não se deve subestimar e o que tem alguma probabilidade de ser uma chamada de atenção, é uma arte semelhante à do equilibrista da corda bamba, em se tratando da saúde dos filhos. Na equação, entram factores determinantes, como o sexo, a idade, o carácter e as nossas próprias experiências. Entre sobrestimar um pedido de mimo e desleixar uma situação de alerta sério, qualquer pessoa com um dedo de testa, por não precisar de dois sequer, opta pela primeira — tentando, ainda assim, não colocar pulseiras vermelhas em todos os pulsos, a cada queixa.
Encontrei-o deitado na minha cama, prostradíssimo, mas feliz por me ver.
- O quarto ficou mais quente desde que tu entraste.
Mas eu vinha da rua. E ouvi adoro-te.
Passou a noite mal disposto, acordou derrotado e destruído, a febre nos 37,1º, o fim do mundo.
Cheirava a homem, de manhã, no quarto que há tão pouco foi de um bebé, em caminha azul de grades. Fiz entrar o dia, enchi-lho de cheiro a vento. Estiquei-lhe a cama, convicta de que só eu sei fazê-lo daquela maneira que ele gosta. Aprendi com a minha mãe que, por sua vez, aprendeu na Escola de Enfermagem, quando deu lá aulas. Aos poucos, ensino-o também a esticar a cama assim.
- Devia tirar uma fotografia à minha cama, para os meus amigos verem como está esticada.
E eu ouvi adoro-te.
Às vezes, é do nada — que se faz num tudo que é só meu: diz-me,
Anda cá
e abraça-me.
Tive saudades tuas.
Nem precisa de verbalizar. Simplesmente, diz.

Eu falei-vos da sonda... agora não se queixem.

O que dizeis quanto à publicação, gota-a-gota, das minhas 69 aulas de condução?

Publica, plizzz-plizzz! - 15 (65%)
A pergunta é: vais publicar, mesmo que na sondagem ganhe o NÃO? - 3 (13%)

Não. Por. Favor. - 1 (4%)

Pá, não sei. - 1 (4%)
Isso é com a minha colega. - 3 (13%)

Resultados: 
A retumbante maioria pediu que publicasse, houve 13 % de indecisos que preferiram rematar o assunto — não à baliza, mas por via de uma costura apertada —, com outra pergunta, ou chutando para canto [eu hoje havia de ir jogar no Placard], e ainda enfrentei a oposição e a abstenção de 4 % dos inquiridos. A recolha e análise dos dados foi feita com base numa amostra, composta por gente, com idades compreendidas dos cerca de 3 até aos 94 anos de idade (apesar de eu não ter votado, meramente por preguiça de pensar, e dada a complexidade das perguntas), tudo homens e mulheres, através de escrutínio universal e secreto, para além de multicéfalo, uma vez que cada elemento teve a possibilidade de votar as vezes que lhe apeteceu, bastando, para tanto, mudar de suporte (e não, não estamos a falar de soutiens), (quem me diz que aqueles 15 votos sim não foi a mesma pessoa que votou 15 vezes, em 15 computadores diferentes, e aí, sim, até posso ter sido eu — são estas maravilhas que nada consegue suplantar a nettinha e suas ferramentas, isto é uma verdadeira enxada), já não me lembro se com início ainda nos findos de 2015, ou se já tinham soado e suado as doze borralheiras badaladas, não se tendo considerado factores irrelevantes, como idade, maturidade, sexo, opções políticas, religiosas, de cor de cabelo ou quaisquer outras. O voto é isento, o voto é livre, o voto é soberano.

[Vou tentar criar um separador só para o tema, já cá volto.]
 

12/01/2016

Há coincidências

- Três semanas, vou-me embora para minha terra. Lá faz muito frio.
- Roménia?
- Sim, senhora. Faz neve até aqui. — E aponta com a mão, pelo meio das saias até aos pés, para a zona que fica mais próxima do joelho.
É bastante bonita, ela. Os olhos são pretos, o tom da pele é de leite, quando se lhe deita café com uma colherinha pequena. Terá pouco mais do que vinte e dois anos, calculo de relance.
- Cá também faz frio, mas não neva. — Tento vender-lhe a minha cidade, o meu céu azul, que nem sempre aparece de bom grado, a dar-me dar razão. 
- Tenho quatro filhos. — Continua ela.
- Eu também. — Sorrimo-nos, coincidentes, na cor dos olhos, na descoberta logo de seguida: três filhas e um filho. Sou ali um bocadinho, por um bocadinho, também eu, cigana, e ela, quem sabe, sonda-me os motivos de ter querido passar a vida toda com os quatro hemisférios do meu coração repartidos por quatro, se nem uma tradição, nem uma cultura, assim mo ditam. 
- Parece tão nova... — diz-me. Pobre criança, tem idade para ser minha filha.
- Estão lá, os seus filhos?
- Estão, senhora.
- Vá-se embora. Não está aqui a fazer nada, longe deles.
- Vou, sim. — Dizem os olhos pretos de saudades. — A senhora tem um coração grande. 
~

Desde ontem, quando abri o relatório, que coração grande passou a significar grave cardiomiopatia hipertrófica. Esse foi o motivo por que morreu a Mel: coração grande.

~
- Isso é melhor não. — Respondo, enquanto me afasto, portadora de um microscópico coração, dividido em quatro gigantescos hemisférios.


11/01/2016

Passei o dia a voar

[Este título não era para este post, mas achei-o tão bom que não me apeteceu mudar. De qualquer forma, não tenho melhor ideia para o que segue.]
(Eu sei que devia estar a fazer uma referência à morte do David Bowie. Mas hoje não. Hoje não.)

Cheguei com vinte minutos de avanço. Tinha feito uma corrida de 22 quilómetros pela estrada mais parva dos arredores de Lisboa. Dei três voltas a dois quarteirões, passou a hora da reunião e estava a ponto de desistir, quando encontrei um lugar, a cerca de cinquenta metros do portão. Demasiado longe para os meus saltos e para o peso de toda a carga que já carregava comigo, mas, à falta de melhor alternativa, o remédio foi a falta de remédio: dar corda aos sapatos, três lances de escadas exteriores — que me calham sempre salas no pico da pirâmide —, e acho que encontro a sala certa. Entro com cara de atrasada, peço desculpas pelo meu atraso (horário) e sento-me na primeira fila. Não reconheço ninguém, mas nada me surpreende: as mulheres mudam de cor de cabelo com uma frequência avassaladora, os homens perdem-no, uns engordam, outros nem por isso, e eu também estou a deixar de ser boa fisionomista, se é que algum dia fui. A directora de turma fala sobre assuntos que me são estranhos, mas, ainda assim, não estranho. Em cima da mesa, está uma folha de classificação com o nome de uma das minhas amigas. Faço um pequeno raciocínio rápido, Mas a filha dela está no 7.º..., e então digo à senhora que está ao meu lado:
- Acho que me enganei na sala. 
E ela responde:
- Também eu.
Verifico que a folha que tenho à frente é a da avaliação da minha afilhada, e a minha vida parece-me um filme de David Lynch. Se tivesse entrado um anão, a dançar em ladrilho preto e branco, no meio da sala, ia parecer-me a coisa mais normal do mundo. Pensei em beliscar-me, a ver se acordava. Em vez disso, pus-me em pé e disse:
- Acho que estou na sala errada.
E os pais acharam muita graça.
Subi mais um lance de escadas e entrei na sala certa. A directora de turma, artista plástica, do alto dos seus cem quilos, arrastava o discurso: Eles são pouco dinâmicos... eu peço-lhes para fazerem um trabalho sobre uma coisa bastante concreta, que é... têm a ideia... transportam-na para o objecto... ao qual vão dar forma... o objecto não pode ser uma peça estática... tem que ser um objecto que transmita uma ideia... 
Então, sim, percebi que tudo estava, finalmente, no seu lugar: o caos.



10/01/2016

É tão pouco blogger da minha parte # 5

É isto, tenho uma vida muito pouco blogger. E não posso sequer almejar vir a ser uma, se não me está na génese, na genética, nem no género (no sentido de estilo — style —, estão a ver?). Em vez de estar à lareira, a observar a chuva lá fora, a ler um livro e a bebericar um licor de [esse mesmo], não: armo-me em boa, armo a mula (que sou eu), pico a mula (eu), e sigo para a lavandaria.
É lá que tenho passado os meus domingos — obrigadinha, ó São Pedro, está a ser bom, mas já fechavas a torneira. A Santa Bárbara, está fixe? Tenho ouvido uns estrondos, hão-de provir lá dela. Não, eu não sou, que eu sou uma senhora e não faço essas coisas.
É tanta gente, é tanta roupa — obrigadinha, ó Senhora da Conceição. 
(Ninguém me dá o meu devido valor.)
Hoje levei um saco com 15 quilos e dois com 5 quilos cada um. Meti tudo nas máquinas de lavar e depois nas de secar. Ao fim de duas horas, tinha tudo pronto e estava esgotada dos músculos todos, coração incluído, e também dos nervos, óptico incluído, de tanto ver máquinas a andar à roda. Estava a ver que começava a cantar o pregão da lotaria, no fim daquilo tudo. 
Uma pessoa mete-se numa lavandaria self service e põe-se a fazer o exercício que faz nas caixas do supermercado, que é tentar adivinhar que tipo de humano ou de família está "por trás" daquelas compras. Ali, é com a roupa. Mas é tudo muito sensaborão. Eu sou a única que leva cinco jogos de lençóis de cama completos, seis toalhões de banho, toalhas a perder de vista e trezentos pares de cuecas, de todas as cores. Ainda assim, e também por isso, creio que ninguém adivinha o meu tipo nem o meu agregado, por observação da minha roupa. Uh, que misteriosa, eu.
Faço estes exercícios para passar o tempo. Fornecem-me lá net free, mas o tempo custa a passar na mesma. Por isso, não sei como envelheço tanto em tão pouco tempo.
Passa das 4 da tarde e sai um marmanjo, que deseja bom fim-de-semana a quem fica. Deve estar perdido no tempo.
Entra um casal de meia idade e metem um edredon na secadora. Ouço-o dizer:
- Já sinto as bolas a mexer. 
Pára-me a boneca, porque não consigo perceber o que é que pode ser, que não seja o que a minha cabeça esdrúxula pensa que é. Estão os dois, parados diante da máquina, a ver o edredon da cama deles a dar cambalhotas, e ele insiste no assunto das bolas, variando para Estás a ver as bolas a mexer? E é quando vejo mesmo, duas — tinham, realmente, que ser duas? — bolas de ténis, dentro da secadora. Eu só sou mal intencionada porque há pessoas que falam incorrectamente. Ele podia ter dito Já vejo as bolas a mexer. Para cúmulo, retira o edredon da máquina e conclui: As bolas têm que estar bem secas
Não fossem estas variações em ré menor, e secar roupa seria verdadeiramente uma seca. 
Não fosse passar as santas tardes domingueiras nesta lide, e a minha vida seria muito mais blogger.


09/01/2016

Bem resolvidos

Já temia este dia: primeiro sábado a seguir às festas (o dia 2 não conta, é pós-ressaca e ainda não houve tempo para fazer a inscrição), em que as resoluções de Ano Novo estão ao rubro e já existem vários ex-fumadores e ex-sedentários. Hom'essa, quem sou eu para falar, se deixei de fumar em Janeiro (embora só tenha deixado, mesmo a sério, em Março, dois anos depois) e me inscrevi no ginásio, precisamente, num Janeiro, há muitos anos (era tão nova e sentia-me tão velha, mas consegui reverter esta tendência)?
Eram chusmas, logo à entrada, e pelo corredor, às portas das salas das aulas de grupo, cheios de fogo à peça. A sala de treino, no limite de ocupação. O bafo do esforço e da determinação a encher-me as fossas e os poros, ainda frescos da rua. 
O balneário, a romper pelas costuras. Passo entre rabos — eu não disse pelo meio dos rabos — e, a custo, conquisto um cacifo. A gritaria é mais que muita, resolvidas que estão a mudar de vida. 
Escapo-me para uma sala que só não parece um  jardim secreto por se assemelhar mais a uma sala de torturas, onde me fustigo alegremente. Estou tão só que até tenho oportunidade de me ver e registar no reflexo, enquanto alongo. 


No final do treino, o panorama no balneário agrava-se. As mulheres despem-se para se vestirem, despem-se para irem tomar banho, enfim, despem-se de preconceitos e pudores. Nem preciso, porque não quero, de olhar à minha volta: basta-me a visão periférica, para verificar que estou rodeada de rabos, pipis e mamas. Isto devia ser o paraíso para qualquer macho, penso, enquanto tento sentar-me para me calçar, sem que um rabo se encaixe no meu nariz. Felizmente, não há corpos perfeitos, acrescento ao meu raciocínio. As revistas e a net, aliadas ao photoshop, enchem-nos as cabeças de resoluções inatingíveis.
Em Março, regressa a paz.
Em Junho, vem outra vaga.

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 24

Vejo coisas que me incredulizam. Estupefactam-me. Sideram-me.


Ah, já sei: este lugar foi traçado, e depois veio um maluco dos pilares e plantou ali aquela coluna.

(Sim, eu sei que dá para ir pela esquerda e manobrar. E manobrar. E manobrar. Mas é giro na mesma.)

Por falar noutra coisa

Era imperioso acabar o livro hoje de manhã, porque imperioso se torna começar o seguinte, que jaz na mesa de cabeceira há duas semanas, aos pulinhos, e eu?, e eu?

O livro era este — era, acabei-o mesmo —, desse gigante que é o Guilherme Duarte, e, num dos últimos posts, encontrei exactamente aquilo que me vai na alma há cinco semanas.

Sem alguém que vá a correr para a porta sempre que eu entro em casa, com uma alegria desmedida, fosse a minha ausência de 5 minutos ou 5 dias. Sem alguém que fosse apanhar os bocados de comida do chão que caíam enquanto eu estava a preparar o jantar, ou o lanche. Sem alguém que viesse ter comigo e fazer-me sentir que fosse qual fosse o problema tudo iria ficar bem.

Quem não tem, ou nunca teve provavelmente não compreende. Não consegue conceber como se consegue gostar tanto de um animal, que para mim era uma pessoa.

O difícil é lembrar-me dele todos os dias e saber que nunca mais o vou ver. Porque o céu onde ele está não existe, só existe onde ele deitava a cabeça para dormir. No meu peito.