29/04/2020

Coisas que o vírus maléfico me ensinou até agora [actualização #2]

11. Convenhamos: a máscara é como a touca de natação: não fica bem a ninguém. Quanto aos homens, não sei, e até admito que passem a usar rímel (os que ainda não usam) e a depilar convenientemente as sobrancelhas (os que ainda não o fazem). Já nós, temos como aceitável tudo o que é graxa e tinta para intensificar o olhar - seja lá o que isso for -, o que nos dá, nesta fase em que nos encontramos, total liberdade [oh, precioso termo!] para lhe dar com a genuína maquilhagem saudita - ele é rímel, ele é eyeliner, ele é lápis, ele é a sombra, ele são purpurinas e glitters até mais não podermos carregar, vale tudo menos tirar (os) olhos, vai ser cá um bollywood! (Ai, já sei que a Índia e a Arábia Saudita não são o mesmo país, desenervem-me.);
12. Existe uma guerra surda entre o pessoal do pijama/ fato de treino e o pessoal que se veste como adulto normal e minimamente equilibrado. Outro dia andava a navegar - salvo seja - pela única rede que frequento, que é o Instagram, e deparei-me com um comentário de alguém que criticava as pessoas que todos os dias se vestem "normalmente" (vulgo, com roupa de sair à rua), ao invés de se alaparem num pijama ou fato de treino, e acrescento eu, quietinhas, a deprimirem, em posição fetal a um canto da cozinha, enquanto se babam, sem distinguirem o dia da noite, quanto mais os dias uns dos outros. Claramente, são pessoas que não trabalham. Não estão a fazê-lo a partir de casa nem dentro de casa. Não há uma casa-de-banho para limpar, uma gaveta para arrumar, uma cestada de ferro para engomar. Portanto, o objectivo maior será relaxar, não fazer nada, aborrecer-se e infernizar a vida aos outros, por falta de ocupação. Tudo isto de pijama, ou fato de treino;
13. Há gente muito paranóica, que, ou muito me engano, ou já era antes da pandemia, e agora apurou sentimentos e método. Por exemplo, a menina que me traz o sushi todas as semanas: telefona-me quando chega à minha porta para me obrigar a descer - ela não pode subir, o meu elevador e escadas estão impregnados da virose, é tudo um nojo, um perigo, uma repelência; eu desço e o panorama é sempre o mesmo: ela vem, magra de nervos, toda tapada e de luvas e de máscara (até aos óculos); estica o braço o mais que pode e entrega-me o saco com a comida usando as pontas dos dedos: travamos sempre o mesmo diálogo: "Quer que desinfecte o multibanco?" [a máquina vem forrada a papel aderente, que deve estar um nojo], "Não, eu vou lavar as mãos a seguir", as sobrancelhas dela espetadas na raiz do cabelo até ao fim do nosso encontro; afasta-se, mete-se no carro e são cinco minutos até arrancar, imagino que a desinfectar tudo, a ela mesma, ao carro, nuns nervos, numa angústia que mais valia ir tratar antes que ouça alarvidades como as do Trump e as leve a sério;
14. Então, a praia vai ser condicionada e limitada? Olhem, eu não vou. Um Verão branca, mas é ver a coisa pelo lado bom: não envelheço mais um bocado, não contribuo para o carcinoma, não gasto em protector solar nem em biquínis caríssimos, não enfrento bichas absurdas por um lugar onde, quantas vezes, e por mais que seleccione a praia, tenho que aturar a celulite das outras, os guinchos dos infantis dos outros, as frases lapidares naquele Português-valha-me-Deus, "Trouxestes o comer?", e merdas. Está óptimo. No entanto, pago para ver as fardas dos fuzileiros e dos polícias que vão patrulhar a coisa (já para não falar na falta de contingentes para o efeito, mas parece que disso ninguém fala. Ou vão formar mais uns quantos até lá?). Será de botas? Será de sunga? Bermudas? Fica a questão fracturante;
15. A nouvelle vague de velhos que não se sentem velhos e afirmam a confinação como uma forma de coerção, ou coisa assim. Vamos lá a ver uma coisa, meus velhos: é certo que, ao pé dos vossos pais, na faixa dos 90, vós sois uns petizes. Porém, não é lá porque os vossos 70 estão mais próximos dos 60 do vizinho - que também já faz parte de um grupo de risco, porém sente-se um jovem - que não deixais de estar em risco. Ninguém vos quer amarrar a casa, toda a gente vos quer proteger. Apenas. Perceberam a minha Matemática? Nem eu, é sempre a mesma coisa. 

Esta porra hoje não me deixa justificar os parágrafos, e eu tenho mais o que fazer do que ficar aqui a insistir, tende lá paciência, que eu também já não vou para nova.

23/04/2020

Coisas que o vírus maléfico me ensinou até agora [actualização]

6. Só nesta provecta idade é que aprendi a lavar as mãos. Antes desta pandemia, aparentemente, não sabia que é preciso levar o tempo de um abecedário/ música dos parabéns/ 30 segundos (ou são 30 minutos?), lavando-as tantas vezes quantas as que tocamos em alguma coisa. Tipo sempre. E que devemos lavar o entre-dedos, a ponta das unhas, as costas da mão, o dedo polegar (aquele maroto que limpa o rabo, coitado), e a mão toda, no seu geral, hasta la muñeca, como dizia o vídeo que me ensinou a mim. Eu cá por mim, acho que devíamos lavar até ao cotovelo, como os cirurgiões. Ou até à sovaca. Já agora, incluindo-a. Pois olhem, não vão mais longe, que não é em vão que o afirmo: já passei por uma bicha de gente, toda ela mascarada e enluvada, mas em que o pitol a azedo de alguém (basta um!) perfumava toda a zona onde se encontrava o ajuntamento de gentes separadas por um metro ou dois entre sis;
7. A máscara faz um calor de ananases, faz comichões na face, provoca claustrofobia e não há arame nasal que a segure em narizes pequenos. Fala-vos uma vítima da dita. Ora não se prende e desce boca abaixo, ora não se prende e enfia-se olhos adentro. Para quando uma máscara especial pessoas sem nariz? Fica a dica para o nicho;
8. Eu não tenho vizinhos fixes. Ninguém vai à janela bater palmas, cantar a ópera, sequer fazer uma escandaleira a pôr o cônjuge nas putas. Isto é uma desanimação. Fora a miudinha de cima, que tem para aí um ano e meio e passa os dias aos berros, e o de baixo, que tem um fato completo, com máscara e boné, pendurado na varanda (cruzes, credo, cada vez que saio para o passeio higiénico/compras/correr, apanho um susto, julgo que está um enforcado por baixo da minha varanda), nada se passa neste monstro de cimento que me dá tecto. Queres ver que tenho que ser eu a chegar-me à frente - à fachada principal, claro -, brindando-os com um faduncho, "Povo que lavas no rio"? É vê-los a despejar garrafas no vidrão, mas lá a serenata é que não sai;
9. Os carros precisam de andar. Não é só pela questão de não perderem a bateria, é por tudo. Os pneus vão abaixo, muito tempo parados no mesmo sítio. (Até ganham ervazinhas e florinhas bravas, fica ali uma bonita composição floral.) Se não querem dar uma volta ao quarteirão, não vá o vírus agarrar-se aos pneus e depois entranhar-se nas solas dos sapatos e logo a seguir entrar-vos boca adentro, ao menos andem para a frente e para trás com o carro no lugar onde está parado. Isto aprendi recentemente, por isso achei melhor partilhar, antes que fiqueis com os vossos pneus quadrados. Por acaso, ali numa perpendicular à minha, alguém deixou um carro (mal estacionado) há seis ou sete semanas, há-de ter a grata surpresa quando voltar. Bem feita, para aprender a pôr o carro dentro dos contornos. Aquilo é coisa para me provocar o TOC cada vez que vou à janela;
10. Não ver notícias é uma grande libertação. Aposto em como a minha tensão arterial melhorou bués. Depois daquilo do 25 de Abril/ 1 de Maio e das interdições nas praias, resolvi meter a cabeça na areia (não literalmente, com muita pena minha), a ver se consigo não me tornar uma pessoa revoltada com o Mundo.

20/04/2020

Coisas que o vírus maléfico me ensinou até agora [em forçosa actualização, na senda de "vivendo e aprendendo"]

1. A internet é uma porcaria. O wi-fi, melhor dizendo. Falha quando chove; falha quando o vizinho está a usar (quando sou eu a usar, a do vizinho também falha? Creio firmemente que não); falha quando me afasto do router; falha porque sim;
2. A minha empregada é necessária, mas não indispensável. Isto deve ser verdade para todos os cargos de chefia deste mundo. Neste caso em concreto, dá-se que eu faço, imodestamente, tudo - rigorosamente, tudo -, melhor do que ela. Cozinho melhor, passo melhor a ferro, limpo melhor (nem quero lembrar-me dos gonelhos de cavelo que encontrei em todos os cantos da minha casa, que me sobe uma rabia de me arrebentar com uma têmpora) (as casas-de-banho limpas por mim ficam um nojo de limpeza, de dar ganas de lamber as latrinas), faço camas como uma enfermeira, e, convenhamos, não massacro ninguém com aquela conversa de beca-beca-ad-nauseum;
3. Fazer exercício em casa é uma tanga desmotivante, mesmo com a titcha do lado de lá. O meu escape actual é ir correr para a rua, como os malucos. Hoje fiz uma aula de dança e acho que foi a última desta saison. Até agradeci à p. da net ter falhado algumas quatro vezes durante aqueles 45 minutos de seca;
4. Se eu fosse velha - ou ainda mais velha do que já sou -, também ia para a rua passear as peles. Levei alguns dias a perceber a lógica, mas é só esta: quem está na recta da meta e tem pouco a perder, prefere arriscar o pêlo e, lá está, a pele, do que ficar a morrer-se, sozinho ou com outro velho, em casa. Imaginemos que esta coisa, ou semelhante, acontece de novo daqui a dez ou vinte anos. A mim, ninguém me enclausura, escrevam isto. Eu já escrevi;
5. Aquela cena dos cumprimentos com dois beijinhos sempre foi inútil e, agora percebemos da pior maneira, prejudicial. Sobretudo com pessoas que acabámos de conhecer. Mas que raio, logo dois beijinhos? De agora em diante, e para sempre, levam um bacalhau dos meus, e, e, que já é contacto físico a mais. A p. da vénia que algumas pessoas estão a adoptar também não me agrada. Parece uma chinesice e dessas já basta o que basta. (Não percebo que não se possa chamar "vírus chinês" àquilo, que não venham logo as comadres e as virgens todas ofendidas, que é pró-Trump e merdas. Aliás, acho que foi para aí a única coisa bem dita que o homem alguma vez disse na vida. Também já ouvi dizer que todos nós (exceptuando os cesariados como os meus filhos todos) viemos da vagina das nossas mães, e temos um nome próprio. Está bem, não veio da China, veio da Chona. Chatos. Enquanto andarem com salamaleques desses, em que tudo é fobo e fóbico, aquilo que é necessário fazer (embargos, multas, fronteiras efectivamente fiscalizadas) não é feito, e temos outra vez a chinesada toda a comer bichos não controlados sanitariamente). Vai um wave-bye e já vai de bom tamanho. Quem não gostar, que se fornique, mas meta a mão no bolso e os beijinhos lá onde achar melhor.

Pronto, já falei muito, pareço a outra com o beca-beca-ad-nauseum. O resto fica para a próxima. Cá beijinho é o caraças, vai um wave-bye à chegada e à partida. Tornei-me rude.



15/04/2020

Já me cheira a pedincha por todos os lados

Eu não sei vocês, mas sinto no ar um fedor a pedincheira que já me, se não assusta, pelo menos irrita um nico. Depois dos lares de idosos, das casas sem internet, das crianças sem computador, das pessoas que não sabem fazer uma máscara (alguém tem noção do preço dos tecidos e dos aviamentos?) (fazer uma máscara fica caro, fazer cem máscaras fica caríssimo, alô!, nem toda a gente tem capacidade financeira para pagar tecido + elásticos + linhas + electricidade da máquina de costura + tempo - mínimo 1/2 hora para cada uma -, tudo multiplicado por 100 ou 200, que são 50 ou 100 horas de trabalho, mas está tudo doido, ou eu é que estou a ver tudo do avesso?), o pessoal que não pode ir fazer as próprias compras (tenho uma vizinha que se ofereceu para ir às compras pelos idosos do prédio - que, afinal, é só uma, que sai de máscara, luvas, gorro até aos óculos, sobretudo e calças, e lá vai ela, e lá vem ela, um saco cheio em cada mão e ainda um garrafão de 5 litros de água, what the fuck?) (bem sei que não posso julgar o geral pelo particular, mas isto é o que eu vejo e eu sou como Tomé, o santo), agora são os PTs dos ginásios que, nos primeiros dias de quarentena, deram aulas gratuitas no Instagram e, de um dia para o outro, se passaram para algo que responde pelo nome de Zoom, cujo acesso é pago para se beneficiar das ditas aulas. Ora, vamos lá a ver: não são eles funcionários de um ginásio que uma pessoa paga mês após mês, e que até suspendeu as mensalidades enquanto se mantiver fechado, e que continua a pagar-lhes o ordenado, e que dá aulas online à borla e para toda a gente que a elas queira aceder, ainda que não esteja lá inscrito?
Também não sei se sou só eu, mas tenho como premissa que a caridade começa dentro de portas. Que é lá isso de sair para se ser voluntário num lar de velhinhos, deixando um acamado em casa (também já vi acontecer)? Tenho muita pena de todas as pessoas, mas mais pena tenho dos meus filhos, que não pediram para nascer. E, seguramente, não vou tirar da boca deles para distribuir por não sei quem, porque, ó pá, caiam mas é na realidade: isto é um estado de emergência com duração nunca antes vista = calamidade pública = guerra. Ninguém - onde me incluo - sabe o dia de amanhã. E amanhã não terei cara para recusar a mão estendida a um filho com o argumento de que dei tudo "para Portugal". 
Já agora, e a mim, quem é que me estende a mão? 
(Para início e fim de conversa, nós dois criámos quatro pessoas - duas ainda por acabar de criar - sozinhos, sem qualquer tipo de ajudas daquelas da creche paga pelos avós ou outras benesses do mesmo género. Portanto, sou esta recalcada que aqui me apresento hoje. Cruel, mas justa, lá dizia a capa do disco do Rod.)


13/04/2020

primogénita

Nasceu em primeiro lugar, quem sabe se por acaso ou então por haver desígnios. Chegou pequenina, uma “amostra de gente” que se manteve assim mesmo até hoje - e até sempre, disso já terei certamente uma certeza. Em tanto me traz a minha mãe de volta, no tanto de melhor que tinha, até nisso do tamanho em altura e leveza, ambas medíveis com pouco mais de meia-dúzia de palmos, impossível medir-me eu aos palmos com qualquer das duas. Eu sempre demasiado grande perto de uma e de outra, infinitamente pequena se com elas comparada. Tantas vezes invertemos os papéis, sobretudo quando o horizonte se estreitou e os amanhãs da minha mãe foram deixando de existir. Deve ser isso o envelhecimento, essa troca inadvertida, suave e natural, em que um dia somos filhos dos nossos filhos, numa eterna dança que eles também dançarão um dia com os filhos deles. Talvez por isso mesmo, nestes dias de tempestade, em que as boas notícias tardam em chegar e são raras como milagres, quantas vezes ao pedir-lhe numa lamúria quase infantil, "Dá-me os números bons", foi ela, pequenina, os olhos enormes que perscrutam este Mundo inteiro e ainda o outro que é só dela, as duas mãozinhas agarradas aos meus braços, tão séria, tão mamã, "Hoje tivemos uma taxa de aumento de quatro por cento". Acredito fervorosamente que aqueles olhos enormes e aquelas duas mãos pequeninas interferem, lá naquele outro planeta que ela também habita, nalguma fórmula secreta de inversão da tal tendência, pois todos os dias, protectora, cheia de candura, toda ela feliz, me vem trazer os números bons.

09/04/2020

Assintomáticos, essa raça maldita

E agora é isto: quem não tem sintomas, pode estar infectado, mas não (se) manifesta. É assim uma espécie de advogado do diabo, um portador anónimo e silencioso das más notícias - que, como se sabe, convém assassinar. 
Portugal tinha, até ao dia de ontem, 12.565 infectados. Se lhes somarmos os 196 curados e subtrairmos esta soma aos cerca de dez milhões que somos, vemos que temos nove milhões, novecentas e oitenta e sete mil, duzentas e trinta e nove pessoas que, de duas, uma: ou não estão infectadas (e isso será a grande maioria), ou então são suspeitas/ assintomáticas/ possivelmente infectadas/ a abater, pois - parvas - estão convencidas da sua imunidade/ impunidade/ sorte macaca, mas que, no fundo, andam cá a infectar meio mundo (a outra metade dos não infectados/ assintomáticos como eles), e isso fá-los merecer a desconfiança, a repulsa, a fuga a jacto, a nova agorafobia. Agora, já.

[Eu, assintomática me confesso, também vou desenvolver uma fobia chique relativa a todas as pessoas que viraram a cara e manifestaram a sua repugnância pela pessoa humana por estes dias. Coprofobia.]

08/04/2020

Se está no jornal online, está na net, é porque é verdade

Diz o jornal, pela pena de quem não conheço (porque não conheço toda a gente do mundo?), mas também não se apresenta ou sequer identifica como autoridade do assunto sobre o qual escreve, mas que imagino que saiba com certeza e não porque ouviu para aí dizer, que o dernier cri da crise actual é ir para a rua (quando já não pode mesmo deixar de ser) de mangas compridas. 
Depois do cabelo apanhado e das unhas curtas, devemos, pois, sair com os braços tapados. Como se o clima permitisse outra alternativa. (Humanos era um rapaz que frequentava o meu liceu e que andava todo o ano, rigorosamente todo, de manga curta. Admito que seja porque existem Humanos neste caótico mundo que aparecem este tipo de recomendações.) Por outro lado, ou ainda deste, ando a ficar um tudo-nada saturada deste tipo de conselhos quanto à indumentária, comportamento e hábitos, designadamente porque ninguém mos explica e ou apresenta estudos que comprovem o coiso. Bem sei que tudo isto é novo, prognósticos só no fim do jogo, mas é que eu sou aquela teimosa/ asna que necessita de explicações e razões de lógica para tudinho o que sejam ordens, comandos, conselhos e outras vidências mais ou menos evidentes.
A manga cumprida é exactamente para quê? Para que o vírus não se aloje nos braços e não trepe por eles acima até às fossas? Então e por que é que não é “obrigatório” o uso de calças? É que, pela mesma ordem de raciocínio, ele pode escalar pernas acima, tronco acima e, imediatamente antes de morrer de cansaço, encafuar-se boca adentro. Ou nós somos seres que tanto mexem na cara como nos braços? Também não mexemos nas pernas? 
Portanto, podemos usar saias/ calções, mas lá braços à mostra é que não. Como uma autêntica ida ao Vaticano. (A mim, o senhor da bilheteira mandou-me tapar os ombros expostos por uma manga cava que até era com gola alta, e eu, de calças, suei as estopinhas com o blusão vestido lá dentro, mas eram as brasileiras a passarem por mim de coxas à mostra, que isto uns são filhos.) Já a coisa do rabo-de-cavalo me pôs assim meditabunda. Esse é um penteado que 1. As mulheres usam quando têm o cabelo sujo. (Pá-tá-bem, é para o ginásio e a praia e o campo e a montanha. Mas é, principalmente, o recurso chamado “não tive tempo/ paciência para lavar a crina, hoje vem mesmo a galope”.) 2. As mulheres evitam, por razões de segurança, quando vão a algum lado sozinhas à noite. Agora passou a ser recomendado, calculo que para que levemos menos vezes as mãos à cara. (E nada de cofiar as barbichas e as bigodaças, seus Pais Natais.)
Em resumo, a ver se já percebi o outfit ideal para enfrentar o animal: rabo-de-cavalo, máscara, mangas compridas, luvas, mini-saia (pode ser, chiu!) ou shorts. E não esquecer de deixar os sapatos à porta, do lado de fora, e meter a roupa toda que se usou na rua, na máquina de lavar, imediatamente, a 60º, o que, como se sabe, não esteriliza nada, nem mesmo se fosse a 90º, pois o que esteriliza os tecidos é a água fervente, borbulhante, enfim, a 100º.
Querem esterilizar a roupa eficazmente e sem essas trabalheiras todas? Dona Linda, uma criada ao vosso dispor, recomenda: passem-na a ferro quando chegarem da rua, se a ideia é acabar com a raça do bicho. São 150º, não há beri-beri que lhe resista. Ou metam tudo no forno, pode ser a 200 ou 220º. E boa sorte com as fibras, as lãs e os sapatos. Mas que resultará, ai disso não duvidem. Ainda por cima, agora já está na net, porque eu pus. Portanto, é verdade.

02/04/2020

E para as da retaguarda, não há palmas?

A nós, mães, que estamos num confinamento desigual, arriscando a vida todos os dias, indo ao epicentro do risco comprar alguma coisa que faz falta e não pode esperar um mês (porque as compras online deixaram de fazer face às necessidades de casas cheias de pessoas que comem todos os dias, quatro vezes por dia) (e não, nem todas as casas têm um frigorífico industrial e uma despensa de restaurante) (e sim, a fruta e os legumes querem-se frescos, impossível comprar para um mês, ou dois, ou três, e não, também não haveria espaço para tanto) (e não, ninguém aguenta enlatados e enfrascados todo um santo período de semanas que sabe-se lá quantas mais), enfrentando pequenas (vá lá...) multidões munidas de sua máscara, de tal modo protegidas se sentem que não se coíbem de se aproximar bem menos do que um metro, munidas que estão da sua infalível armadura, subestimando que nós, desmascarados (não uso, ainda não usei, Deus me livre de mais essa. Não encontro à venda, as que me arranjariam por especial favor são a preços pornográficos e duram o tempo de um fósforo, prefiro acreditar na DGS, que são propícias a uma falsa sensação de protecção), não temos outro escudo que não seja o divino e ou a nossa capacidade de permanecer em apneia e ou escapar ao bafo/perdigotos, já para não falar do tossicar tão português, da catarreira cigarreira ou do espirro para a dobra do braço. 
E quando, bravas, regressamos da batalha, sorridentes e vitoriosas porque ainda ignorantes do desfecho da guerra que vamos travando, ao que ainda poderá ser o nosso porto de abrigo, àquela que era a designada com algum desprezo pelos aventureiros desta Terra, a zona de conforto, o perímetro de segurança, processamos tudo - refeições, um bolo de iogurte, uma mousse de chocolate, sumos de laranja com laranjas a sério -, arrumamos, limpamos, lavamos, mimando, fazendo crer a normalidade, para que uns possam trabalhar, outros ter aulas, falar com os amigos no computador ou então jogar, para que não tenham necessidade nem vontade de sair de casa, e ainda arranjamos um bocadinho para dançar ou fazer uma ginástica patética, cujo objectivo é apenas nenhum (não engordar por abandono do ginásio? Estar em forma no próximo Verão? Ocupar a mente?), ou então só não enlouquecer.
A nós, quem é que nos bate palmas? 
Talvez ninguém, talvez porque não precisemos. De qualquer maneira, estamos invisíveis, na tal linha de retaguarda, demasiado ocupadas a salvar vidas, arriscando a nossa própria.