30/05/2018

Duas linhas paralelas que se encontrarão no infinito

Era uma vez um homem que, pouco depois dos quarenta, sofreu um acidente muito grave, que o atirou para uma cama de hospital, num coma que parecia não ter fim. A mulher, médica, persistiu na ligação de todas as máquinas que lhe suportaram a vida durante quarenta dias, contra todas as perspectivas, contra a vontade de todos os colegas que observavam o marido, contra a lógica científica. Uma familiar, em visita, ouviu o seguinte comentário de um para outro: "Mas o que é que ela quer mais? O homem está morto!". E, dessa mesma "morte", um dia o homem "ressuscitou" e ainda sobreviveu mais vinte anos, sem sequelas, fazendo felizes mulher e filhas, e mãe e irmãos, e cunhados e sobrinhos, e sendo feliz, também ele. A tal morte, quando veio, não adveio em consequência do acidente.
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Era uma vez uma senhora, passados que haviam sido os noventa anos, frágil como um passarinho, que caiu doente com uma doença que de nenhum cuidado seria, não fora o factor idade, o factor debilidade física, o factor indiferença pelo mundo. Contra todas as perspectivas, contra a opinião de médicos, de ombros encolhidos e a palavra "idade" a cada suspiro, contra a lógica científica a que o pequeno corpo recusou obedecer, a senhora recuperou e, apesar de (não há melhor metáfora, daí o pleonasmo) frágil como um passarinho, saiu do hospital para viver ninguém sabe quanto mais. 
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Estas são as histórias do meu pai e da minha mãe, assim ordenadas por uma mera opção cronológica. 
Esta é a minha opinião sobre a eutanásia. Baseia-se apenas em — dirão alguns, pobre — experiência pessoal. Nem sequer tem influência religiosa — com aquela base "o que Deus deu, só Deus pode tirar", pois que, contra-argumentando comigo própria, também por uma lógica estritamente científica, se fui eu que dei vida aos meus filhos, também só eu... É que não. 
Não sou fundamentalista em relação a coisa nenhuma. Mas não consigo estruturar ideias inteligentes e forma(ta)das quando o assunto é amor.


25/05/2018

L'enfer, c'est les autres

Estou sentada com um monitor à frente, num quadrado pequeno a televisão, a emitir notícias, o espaço restante ocupado pelas letras e números das senhas de vez, que a voz do altifalante grita a cada três segundos. Estou ali há tempo suficiente para já ter contabilizado e também para ter habituado o ouvido e, sobretudo, a cabeça.
Um homem novo trá-la pelo braço e senta-a ao meu lado, "Aqui, ao pé desta senhora", apesar das inúmeras cadeiras vagas à minha volta. Isolei-me numa ilha — isola, em Italiano — exactamente para poder enlouquecer sozinha, sem que os outros malucos me aborreçam ou interrompam. Ela é muito idosa e conheço-lhe os sinais da demência nos traços. Traz um chapéu impermeável enterrado na cabeça, apesar do sol que brilha logo ali ao lado. Toda miudinha, pergunta-me, de chofre: "Olha lá, o que é que já roestes?". Respondo o que me vem à cabeça atormentada: "Olha, estou aqui em jejum". E, logo a seguir, "Eu não sou eu". Ela dá uma pequena gargalhada e diz: "Ah, pois não. Estou a confundir-te com a outra. Então não és tu?". "Não.", mas não me apetece rir nem sorrir, e então ficamos assim mesmo. Daí a pouco levanta-se e vai amparar uma mulher, que lhe cai nos braços como uma criança, tonta e perdida, demasiado grande para fazer dela suporte. 
Talvez aquela fosse eu, talvez a outra fosse a minha mãe. 


20/05/2018

The girl next door # 16

Íamos pela rua que é nossa, de mãos dadas como amigas que somos tão, amizade esta nascida há pouco, mas já de cimento e pedra e cal. 
Agora ela vai-se embora, num regresso sem vontade mas necessário, ficará um oceano a separar-nos (como se existissem oceanos capazes de um impossível desses). Deve ser por isso que nos abraçamos à chegada e à despedida, mesmo que vamos só ali ao café, para ela chorar das dores que o amor lhe trouxe — e a que eu chamo Teoria do Sapato Apertado, uma das muitas que inventei nesta vida —, mas também, convenhamos, é para isso que as amigas vizinhas servem. Digo eu.
Cruzamo-nos então com outra vizinha, que me olha, me estranha, e, quando a cumprimento de "Olá, estás boa?", confessa que, à distância, não estava a conhecer-me. Expliquei que esta era eu ao natural, sem maquilhagem, uma osga verde de cabelo espetado, por contraponto com aquela Bratz girl a que todos estão mal habituados, porque tinha vindo da praia há pouco e ainda só houvera tempo para o banho e-e. Pergunta-me, a propósito de praia: "Estavas chateada?", e era eu agora a surpreendida, "Não, porquê?". Explicou então que, um dia, lhe dei o melhor conselho que já recebeu na vida: "Estás chateada? Vai para a praia. Chateaste-te com o teu marido? Vai para a praia. Os miúdos estão insuportáveis? Vai para a praia. Tens a cozinha desarrumada? Vai para a praia." 
De facto, devo ser uma pessoa bastante previsível. E translúcida. Mas, convenhamos, sou também um poço de sabedoria da treta, que, no fundo (desse poço), é a que mais falta faz às pessoas humanas. Sou uma opinion maker, uma verdadeira influencer. Estou no trilho certo para me transmutar na genuína blogger. Mas sei que ainda sou apenas uma crisálida.
(Tenho que começar a dar consultas, para começar.) (E a cobrá-las à bruta.)

18/05/2018

Voar

Por esta razão que me assiste, e que já aqui explanei bastamente, tem-me vindo à memória a minha primeira viagem de avião, mais conhecida por baptismo de voo: foi de Lisboa ao Funchal, tinha eu quatro anos de idade, e foi na TAP, que ainda não era Air Portugal, era mesmo "só" Transportes Aéreos Portugueses, sem mais mimimis em estrangeiro. 
Naquele tempo, a pista do Funchal tinha pouco mais de um quilómetro e meio de extensão, parecia a pista de um porta-aviões. Não sei como é que nunca se lembraram de incorporar uma catapulta naquilo. Mas isto sou eu a falar agora, que já lá vão muitos anos, e, na altura, nada me fazia impressão, nem sequer as alturas. 
O meu baptismo aconteceu no avião mais mítico de toda a História da aviação comercial (quanto mais não seja porque foi o meu primeiro): o Caravelle. 

Imagem palmada da nettinha

O Caravelle era, precisamente, o avião da capa da Anita (aquela a quem agora chamam Martine, mas que será para mim, para sempre, simplesmente Anita), o que ainda o elevou [hah!] mais aos meus olhos, quando, mais tarde, tivemos esse livro em casa (e do qual ainda hoje conservo um exemplar). 

Imagem palmada da nettinha
Lembro-me de ter feito uma viagem absolutamente tranquila, lembro-me de a minha irmã chorar porque as asas não batiam como as de um pássaro, lembro-me de a nossa mãe lhe mostrar os flaps a mexerem, e de ela chorar ainda mais porque, afinal, as asas batiam, mas lembro-me sobretudo de recebermos ambas livros para colorir e lápis de cor, e de termos ido à casa-de-banho e termos trazido de lá tudo o que apanhámos à mão, de sabonetes pequeninos a toalhetes perfumados, e depois nos termos ido confessar à hospedeira, que, para além de nos ter absolvido com uma boa gargalhada, ainda nos ofereceu estiletes limpa-cachimbos, para fazermos pulseiras. E o que me lembro de as hospedeiras terem uma farda belíssima, desenhada por Louis Féraud — eu tinha um caso de amor com aquele pompom do chapéu de coco, e com os apliques dos sapatos! —, que me fazia jurar um dia vestir uma assim e sair a voar como elas. A vida dá tantas voltas. E loopings.

Tudo meu, exposição no MUDE, 2015

Mas lembro-me, acima de tudo, que nunca mais voei tão bem.

16/05/2018

The girl next door # 15

Foi num destes feriados que rareiam, pela madrugada das 10, que me cruzei com ele (salvo seja), saídas por entradas do elevador que serve as nossas casas de telhado igualmente comum. Eu já voltava da vida desportiva, arrancada por mim mesma que fora do leito pelas 7, após noite insone de vigília expectante pelos pássaros que me voam do ninho pela noite adentro. 
E diz-me ele assim para mim, do nada: 
- Olha, hoje a minha Isabelinha faz anos. 
Vá que eu nunca o ouvira referir-se à sua Isabelinha como minha Isabelinha, e então pus-me parva, a tentar um raciocínio impossível, dada a hora e dada a falta de sono.
- A minha Isabelinha... — Insistiu ele. Corri-lhe a família mentalmente, a única filha não se chama Isabel(inha), e então fez-se-me uma ténue luz.
- Ah, sim. Eu sei, já me tinha lembrado. — Não era mentira, já que existe para aí uma raça de gente que sofre da vaca de ter nascido a um feriado (no caso desta, a data fez-se feriado uns anos após o nascimento dela, lá a gestante ainda teve uma pontaria maior), pelo que já me havia lembrado, sim.
Mas parece que ele ainda não estava satisfeito:
- Ah, é que podias encontrá-la...
- [Nível 2 na Escala de Awkward — manifestado pelo meu silêncio —, uma vez que o "Isabelinha" constituiu o nível 1.]


- E era para não te esqueceres...
- [Nível 3 na Escala de Awkward, com manifestação semelhante à do nível 2, mas com possibilidade de verbalização de uma qualquer resposta titubeada.]
- Já te disse que já me lembrei, daqui a bocado ligo-lhe.
- Mas é que, se a encontrares...
[Nível 4 na Escala de Awkward, semelhante ao bloqueio mental.]
- Ouve lá, são 10 horas, eu estou a pé desde as 7, estou incapaz de perceber metade do que dizes, importas-te de me deixar entrar no elevador? Eu ligo à tua mulher mais daqui a bocado.
- É que ela foi para o ténis e deve estar a voltar...
[Nível 5 na Escala de Awkward, correspondente a FKU.] 


(Só para vos situar: eu até faço anos no mesmo dia que o pai da Isabelinha, que, por acaso, não me tem dado os parabéns ultimamente. Mas eu sou aquela pessoa que tem trezentas mil obrigações e zero direitos, tipo Borralheira.)

15/05/2018

(Auto)promessa cumprida

Assim como todos os caminhos vão dar a Roma, também é verdade que existem duas formas de chegar à Catedral de São Pedro: uma por fora e outra por dentro. 

À chegada à Praça de São Pedro, não faltam guias que se autoproclamam oficiais, pagos pelo Vaticano, fiscalizados pela Polícia, que está mesmo aqui ao lado, e nisto cai quem quer. Segundo exaustiva (porque a mim tudo me exausta) explicação do que nos calhou em sorte, a entrada para a Catedral, feita directamente pelo percurso do Museu e da Capela Sistina, é mais directa, evita que se andem oito quilómetros e que se fique na fila que circunda a Praça de São Pedro (com mais de um quilómetro de perímetro, ou a matemática me falha agora), o que é possível se despendermos mais 21 euros, a acrescentar aos 31 que já largámos para entrar no Museu. 

[Aprendi a fazer panorâmicas, agora ninguém me agarra!]
E também já tenho um pau de selfie, socorro!
[Hei-de experimentar a panorâmica em pau de selfie!]
Ora, ide pastar, por razões várias, de entre as quais a pelintrice: 1. Não é verdade que se andem oito quilómetros entre a entrada do Museu e a Praça de São Pedro (nem quatro para cada lado); 2. Não imagino o que é visitar a Catedral no mesmo dia em que se visita o Museu e a Capela. Quando cheguei à Capela, estava tão farta de andar em corredores estreitos, a subir e a descer escadas, envolvida numa massa humana suada e fotógrafa, que, se me metessem na Catedral naquele momento, tenho a certeza que entrava em transe religioso (ou outro qualquer); 3. Os 21 euros vão para um guia que consegue que a visita se transforme no dobro da duração, ou seja, que passe de duas para quatro horas. E isso, naquelas condições, para mim não dá. 
Portanto, o que fizemos, foi: Museu e Capela num dia, Catedral noutro.
Também não é verdade que a visita à Catedral seja completamente gratuita. Isso está dito e escrito por todo o lado, mas é a brincar. Acontece que o povo peregrino é sujeito ali ao sobreaquecimento dos mióis enquanto espera na fila para entrar, e depois, chega lá dentro e está por tudo, não querendo dar por perdido o tempo que ficou na fila. Quando não chove, deve estar sempre sol (errrr) na Praça de São Pedro, pois que praticamente não existem zonas de sombra. E isso pode determinar as opções, uma hora e meia depois de fritura craniana. Aquilo, entra-se e ah, maravilha!, vai-se para outra fila, por mais meia hora. É quando se começa a ver avisos de que nos estamos a dirigir à cúpula, para o que temos duas opções: ou pagamos dez euros e vamos de elevador (nem quero imaginar o pitol), ou pagamos oito euros e subimos 551 degraus (o que, segundo eles, equivale a 45 andares; o que, segundo eu, equivale a 27 andares; o que, segundo me parece, significa que os degraus são para gigantes). Ora, 551 degraus, ainda que fossem liliputianos, ao fim de duas horas de espera em pé, só se fosse para salvar a vida a um filho. Vi-me e desejei-me para sair da fila (correntezinhas por todos os lados, guardas a cada três passos), mas saí, que a cúpula da Catedral me interessa zero vista por fora: tenho vertigens, as alturas estoiram-me os ouvidos, vistas bonitas sobre a cidade já eu trazia do Fórum Romano, e a ideia de subir aqueles degraus todos, por corredores estreitos — e depois ter que os descer! — alapada a gente suada, olhem, desculpem a franqueza, mas nem que tivesse que simular um desmaio para me livrar da filinha pirilau. 
Assim, vi a cúpula por dentro, cumpri um dos meus objectivos de vida, que foi ver la Pietà, e saí de lá feliz e contente.



14/05/2018

Aterrada

No sentido aeronáutico do termo, desde anteontem, mais precisamente.

Roma vê-se a pé. É totalmente plana, fazem-se quilómetros sem que as pernas dêem por isso. A aplicação da senhora dos passos deu 62 quilómetros em seis dias, o que dá uma média de não vou dizer, porque se faz de cabeça. Tranquilo. Só ao quarto ou quinto dia é que se começa a refazer as voltas, pela necessidade de abrandar o ritmo.
Anda-se por passeios que não existem, a não ser nas avenidas, com os carros a fazerem-nos tangentes e a apitarem-nos nas passadeiras, que são uma verdadeira anedota se não tiverem semáforo: a ideia é atirarmo-nos para a frente, e eles que parem (porque param). O trânsito é um caos absoluta e polidamente organizado: todos conduzem "colados" ao da frente, ninguém dá prioridade a ninguém — nem mesmo à polícia, que eu vi com estes que o forno há-de cremar —, a entrada nas rotundas é igualzinha àqueles carrosséis das feiras, todos apitam a todos, mas acho que é mais numa de "vou passar". E passam. Fazem loucas tangentes e nenhuma secante. Não acredito que haja batidas nem atropelamentos em Roma. É impossível, no meio de tanto caos.

Não voltei cheia de estereótipos, "os italianos são assim", "os italianos são assado", talvez porque Roma é tão turística, que não é fácil encontrar um italiano vero. Posso dizer o que acho da massa populacional que povoa as ruas — muitos franceses, espanhóis e brasileiros —, dos bangladeches das flores e dos brinquedos luminosos e ruidosos, dos indianos do pequeno comércio, da chinesa da loja de recuerdos, dos romenos à porta dos monumentos (de cara e mãos tapados, nem que fizessem 30 graus), mas dos italianos nem tanto.

Tirei milhares de fotografias, mas poupo-vos às mais privadas.
Deixo aqui apenas algumas em alternativa — por serem alternativas, lá está —, que, se é para verem monumentos, basta clicarem no google imagens, ou comprarem postais.

Isto foi à partida, um sinal dos céus de que ia tudo correr (voar) bem
[Cada um interpreta os sinais como lhe aprouve]
Isto foi à chegada, idem


Por falar em lojas diferentes:




Krida Frida, anche qui?
Isto achei giro, à porta de uma casa-de-banho
(Fotografei para vos mostrar, chiu)
Isto são as figuras em que se põem (alguns) turistas quando chove


Agora, um breve momento idiossincrático:





Nunca fui à Suíça, mas até parece
Ao quarto dia, os pés gritam misericórdia em qualquer língua
Vou fazer desta placa um mantra muito meu (e do meu blog)
É verdade, a parola que me habita fotografa a chegada a Lisboa e bate palmas ao piloto,
aliviada de, em breve, o ver pelas costas

Pronto, agora que já dei o ar da minha graça e vos preguei uma seca das boas, vou alinhavar um texto acerca do que foi a minha ida à Basílica de São Pedro.
Até depois.



09/05/2018

Já cá estou há dois dias e o Papa ainda não me viu

Seria assaz prazeroso relatar-vos ao pormenor as minhas demarches e as minhas marches (13 km ontem + 13 hoje, ora pega!) a Roma, la città del’amore, dei gatti e dei monumenti, mas isto, através de Ai-fostes, torna-se uma epopeia que ninguém merece, pelo que terão que aguardar pelo meu regresso à boa Lisboa, prego-vos.
Hoje fomos ao Vaticano e fomos assaltados por um colarinho branco, que nos levou 8 euros por dois cafés. Depois seguimos para a validação dos bilhetes (31 euros cada), onde, para além de nos terem solicitado mais 21 pacas por cada um para termos “direito” a um guia (que falava tudo menos Português, aquela língua de trapos de indígenas do sul daquele continente), o qual obviamente declinámos, ainda ME foi explicado que teria que entrar na Capela Sistina com os ombros tapados. Todo este fusuê porque esta aqui levava uma t-shirt de mangas à cava, embora de gola, quase à padreco. Foi divertido, ficar a reparar na quantidade de paios à mostra a circularem à minha volta, enquanto os meus hiper-eróticos ombros se escondiam debaixo do blusão de ganga e eu percorria o Museu do Vaticano inteirinho a suar as estopinhas e a própria ganga. Cansei de ser sexy.
Depois chegámos à Capela Sistina, mas agora já estou com os polegares tão exaustos quanto os cascos, e a minha vida não é só isto, por isso fica para a próxima, se Deus e eu quiser(mos).


07/05/2018

Sobrevivi

a uma noite de cinco horas, que até para mim, insomne assumida, é pouco; a uma viagem de quase três horas metida num avião; a quatro (quatro!) avisos de turbulência, que, convenhamos, quando chegam, já aquilo abana tudo com o povo e eu lá dentro, fazendo lembrar o comboio da Beira Alta nos idos anos da minha avó; a um pequeno-almoço tomado às 6 da madrugada, com almoço de sandocha às 13:30 (14:30 locais), sem nada de permeio, a não ser um quadradinho de chocolate (kudos para a hospedeira que me ofereceu “algo para beber?”, provavelmente para testar se eu tinha um “drinking problem”, piada privada que só quem assistiu aos “Aeroplanos” percebe. Com aquela agitação aérea, era bem capaz de comer Cornettos com a testa, quanto mais beber cenas); a uma viagem de quinze quilómetros desde o aeroporto, no trânsito de acesso ao centro de Roma.
É isso, sono a Roma, ragazzi!
Agora vou viver o meu jetlag em paz, que isto aqui é mais uma hora, e, parecendo que não, faz diferença (horária, pelo menos).

06/05/2018

fada do bem

Inspirada pela NM, ou, mais concretamente, pelo seu Baby, lembrei-me de um desenho feito pelo meu também mainovo, quando ele tinha também quatro anos, e ainda também aquando da comemoração do Dia da Mãe. Calhou-me, numa pequena peça de teatro no Jardim de Infância, o papel de Fada do Bem, pelo que me vesti a rigor, varinha mágica na mão, tiara na cabeça, e assim me apresentei em palco o melhor que podia e sabia, a fazer magias das boas. Depois, ele desenhou-me de Fada do Bem, e eu guardei o desenho no coração para o resto da minha vida.


Hoje ainda era cedo, quando ele se levantou da cama. Recebi dele o primeiro abraço do dia, bordado a beijos e a palavras que me saem encadeadas de emoção, Ainda bem que vieste, filho. E eram de cristal líquido os olhos dele quando desfizemos o abraço, esse mesmo que nunca, efectivamente, se desfará. 
Fez-se homem, entretanto, o meu bebé. Já não lhe caem continhas transparentes dos olhos lindos que herdou do meu pai. Ficam ali suspensas, iluminando-o daquela felicidade com tristeza que é a do amor.
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Não há nada que eu possa escrever hoje, ou algum dia, que supere isto.
Não há nada que eu possa dizer ou escrever hoje, ou algum dia, que explique a honra que sinto ao ler isto.
Obrigada, Miss Smile, por toda a amizade e simpatia. Aceite ser, como claramente já é desde o "início", também uma das mulheres da minha (blogo)vida. Desejo-lhe a si, e a todas as mães, um dia muito feliz. 


04/05/2018

Murphy, deves-me mais uma!

Saio de Cascais e verifico que o conta do gasóleo de Rosinha me dá para 46 quilómetros. Sei que estou a 30 do meu destino, que é a distância entre uma boa parte do meu coração e a minha vida. Faço aquela viagem uma vez por semana — e não mais por impossibilidade absoluta —, assumo que 46 me dá para estacionar nas calmas e ainda ir à bomba mais próxima, assim haja vagar e tempo. É essa corrida contra ele, ou a minha inultrapassável preguiça que me levam a meter-me a caminho, matemática certa, imprevistos não ponderados. 
O conta vai baixando e ainda não cheguei à A 5, mas está tudo controlado, penso eu, logo insisto. Tomo a autoestrada feita de prata pelo sol do meio-dia, que me aquece Rosinha, e a mim por inteiro. Tenho o ar condicionado desligado e começo a sentir que não vai ser possível chegar a Lisboa com a temperatura a subir àquele ritmo. Penso,
Mais vale ficar sem gasóleo à chegada do que morrer de calor,
ligo o ar, que me bafeja um hálito quente demoníaco para a cara, mas não ponho a hipótese de parar em Oeiras, porque 
o gasóleo vai dar
E também,
Quanto mais depressa chegar, mais cedo acaba esta agonia,
e toca de acelerar Rosinha. Faixa da esquerda, pisca-pisca-pisca, numa ultrapassagem infindável. Mas o conta baixa a níveis que me fazem suspeitar da possibilidade de o combustível não esticar até à minha porta. Passo para a faixa do meio, para poupar nas rotações. O conta estabiliza, já passei Oeiras, tenho para 14 quilómetros e o optimismo regressa. Mantenho-me atrás de uma fileira de carros que persistem nos 80 km/h, e penso,
Mais vale ficar sem gasóleo do que morrer de tédio,
e sigo, de novo pela esquerda.
Estou a passar a última bomba, a mil e duzentos metros de casa, quando recebo um telefonema de trabalho. Isso distrai-me do conta, que já tinha baixado dos 10, largos metros antes. Quando acaba o telefonema, estou a quatrocentos metros de casa e tenho gasóleo para 3 quilómetros. Chego à minha rua com 2. Não encontro lugar para estacionar, dou uma volta ao quarteirão e, quando paro, tenho gasóleo para 1 quilómetro.
É o momento em que se me acabam as forças e entro em desespero, pois sei que não chego a bomba nenhuma com três gotas de combustível. Concluo que não sei viver no limite.
[Felizmente, tive filhos. E uma delas, valente, pegou em Rosinha e levou-a à bomba. Contou-me depois que nem teve que desligar o carro: assim que parou para abastecer, ele simplesmente "morreu".]

03/05/2018

Fobia chique

A dias de enfrentar a minha maior fobia, concluo, simpaticamente, que, para além de aquela ser a maior, é também a única. E retiro esta conclusão exactamente do facto de me ter dado ao trabalho de estudar, se não todas, pelo menos a grande maioria das fobias conhecidas, reconhecidas e tipificadas na Wikiseca. Se eu — valente — destemo aranhas, ratos, baratas, e assim animais em geral, tidos e estabelecidos como assustadores [por exemplo, não tenho medo de leões, pois que não convivo habitualmente com eles], está visto que também não me aquecem nem arrefecem grande parte dos indutores que a lista da Wiki apresenta.
Destaque para:
- Ablutofobia: medo de tomar banho, fobia da qual sofre uma considerável percentagem dos passageiros dos transportes públicos; 
- Anatidaefobia: medo de ser observado por patos. (Não metas mais tabaco nisso, não); 
- Estruminofobia: medo de morrer defecando. (É pores a fralda); 
- Hexacosioihexecontahexafobia: medo do número 666. (Olha, eu só não tenho essa, que também me parece muito realista, mas apenas porque nem saberia dizer o nome dela); 
- Hipopotomonstrosesquipedaliofobia: medo de palavras grandes. (Esta, tenho um bocadinho, sobretudo se estiverem mal escritas). 
Oh, pá, pronto, e depois vai por ali abaixo, numa lista interminável de disparates e caraminholas que não cabem na cabeça de ninguém, quanto mais de pessoas. 
Pronto, reconheço que existe uma boa parte da lista que torna impossível a autoavaliação, dado que não estreito com as situações que podem provocar a fobia em causa. Mas com a maior parte da lista, posso viver descansada, já que não me toca. 
No entanto, e talvez por isso mesmo, sinto que a minha fobia é uma fobia chique, pois só pode ter medo de andar de avião quem, efectivamente, anda de avião. E isso é chique. Chiu.
Vá lá a ver se eu tenho medo de andar de riquexó, ou de nadar no Ganges, no meio das latas. Nada. Tudo em phyno.