03/06/2015

a-braços

Vamos falar na terceira pessoa, que é aquela pessoa que vem logo a seguir à segunda e, mesmo que estejamos a contar uma coisa que se passou connosco — nosco, nós, primeira pessoa do plural singular, eu —, parece logo que é de outra que falamos. A terceira pessoa protege-nos de que pensem coisas de nós, o que, às vezes, dói.

Ora, eu agora podia começar isto assim,

Ela andava precisada de abraços.

E todas as pessoas que lessem diziam em uníssono (ou então, pensavam): "Isto é uma amiga dela".

Sabes, eu ando precisada de abraços. Não tenho tido muitos, ultimamente. E caguei se ficas a achar coisas. Cenas de carências e outras à psi da mania. Ou da idade, e merdas. É sempre da idade, mais da porra das hormonas. Nós nunca podemos sentir nada, é a lua que nos carrega, como o diabo que o parta, raios.
Ando assim há tanto tempo que já quase nem sei como é o meu próprio abraço, quanto mais o dos outros e o teu.

Olha, falei na primeira pessoa. Agora vai ficar tudo a achar que isto foi comigo. Também não me interessa.

Mas hoje não foi assim, e foi na rua que recebi o abraço mais abraçado deste meu mundo cada vez mais pequeno, à medida que ele cresce.
Chegámos ao local combinado para o deixar ir de viagem e estavam lá os amigos dele todos. Tudo pardais de calções e pêlos nas pernas, a olharem pelo rabinho do olho para as mães dos outros. Eu fiquei ao pé das outras mães dos outros, quieta e agitada de o ver assim, no meio do bando, calções e pêlos, um sorriso inteiro naquele mundo dele cada vez maior, a achar que tenho o filho mais bonito do meu mundo e não sei se ele a achar que tem a mãe mais bonita do mundo dele, que é, como já disse, maior.
Já tínhamos deixado, há muito, as manifestações públicas de amor, e já não andávamos de mão dada na rua nem nada. Mesmo nos dias de tempestade, ou sobretudo nesses, ele preferia apear-se a alguns metros largos, para não sermos vistos juntos. Beijos à despedida, nem uma sombra, quanto mais um adeus.
Aproximou-se de mim, tanto e tanto, que me assustou, desprevenida, à queima-roupa. Pois, isso mesmo: por pouco não me queimou a roupa, tamanho foi o tamanho do meu sobressalto.
— Tu vais abraçar-me aqui, no meio da rua, à frente dos teus amigos todos?
— Vou.
E foi ali, em pleno passeio, que eu deixei de estar precisada de abraços.
Por hoje, só por hoje.
Amanhã já estou outra vez carente, ou com a lua, ou o raio que o carregue das hormonas, da idade, ou lá o que é que dizem os da mania da psi, mais os psi da mania que os parta.


10 comentários:

  1. Não quero nem pensar quando for a minha vez, mas por aqui vou aprendendo como se faz! Tu tem calma que passa num instante e não tarda está de volta para mais abraços.

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    1. Tinha ele 10 e larguei-o numa camionete, às 3 da manhã, para Benidorm (torneio de futebol). Até parti a cabeça nessa noite.
      E partimos a cabeça tantas vezes que acabamos por nos habituar, desde que não nos partam o coração.
      Está de volta não tarda, é isso mesmo.

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  2. Pois eu comigo é tudo beijado e lambuzado, que eu cá gosto de mimos e aconchegos. E ai de alguma das minhas filhas que deixe de me beijar e enroscar-se em mim! Vai haver choro e ranger de dentes!
    Não é tão especial como o do teu miúdo, mas guarda um abraço apertadinho meu, Lindita.

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    1. Eu também sou dessa raça, mas as idades deles já não permitem isso.
      Sabe bem na mesma, Feijoquinha. Obrigada.

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  3. Esse foi mesmo um grande, grande abraço.

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    1. Saboroso.
      Valeu créditos para o dia todo.

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  4. Não sei o que é ser mãe mas sei o que é ter uma e se pudesse abraçava-a para sempre, para não a deixar fugir. São coisas que vêm com o tempo :)

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    1. E ser mãe e ser filha, ao mesmo tempo, é uma tarefa árdua para o coração :)
      Mas cumpre-se, com mais ou menos brio.

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  5. O tempo passa rápido (sei que é mentira o que escrevo, sobretudo para uma mãe), mas o seu pardalito, não tarda, está aí outra vez à porta do ninho. Até lá, deixo aqui um abraço bem apertado, coração com coração, porque, vá-se lá saber bem porquê, já gosto tanto de si :)

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    1. Pois, não tarda, eu é que fico sempre assim :)
      Obrigada, Miss Smile, abraço recebido, saboreado e retribuído, com certificado de garantia de que também eu, gosto já tanto de si :)

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