04/06/2015

Tenho um prego cravado

Por acaso, à ida para lá, debaixo de um céu azul-doloroso, ia a pensar que tenho um prego cravado num dos pneus, e que, quando me lembro disso, tenho medo. É naquela estrada que eu atinjo as velocidades mais altas de todas as que o carro me dá e, se o prego se lembra de me fazer a partida-largada-fugida e se solta, ou se crava mais fundo e o pneu estoira, lá vou eu, também com o pneu, para a estratosfera, sobresselente. Já deixei de tentar perceber o que me move, o que me faz correr, se são as saudades, que me arrastam, ou se é a pressa de voltar.

Penso outra vez no prego e encho-me de medo. Prego cravado, lembra-me sempre a metáfora que usou uma mãe que perdeu o único filho, já adulto,

É um prego cravado no coração, que dói sempre, e nunca passa.

O sol está a pino, cruel, no pátio onde a encontro. Trocamos beijos que são beijinhos, ponho-lhe as mãos bonitas e dou-lhe chocolate. Estou a mecanizar os gestos, mas as emoções continuam em roda-livre, descomandadas. 

Levanto-me da cadeira onde estive sentada, peço-lhe um abraço de despedida — Quero um abraço seu... — e os braços não se movem. Preciso de um abraço seu, mãe. E os braços mudos para mim, caída aos pedaços, num colo que já não existe. 

Bati a porta e voltei, com o prego cravado.

2 comentários:

  1. Um prego cravado no coração dói que se farta. Se o arrancarmos, dói ainda mais....
    Um beijinho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E dói sempre, Miss Smile, exactamente como dizia a outra senhora. O melhor é não arriscarmos arrancá-lo, e aprendermos a viver com ele, cravado.
      Um beijinho para si.

      Eliminar