Tanta pomba assassinada

Sinceramente, já não há cu.

O que é que andam a dar aos pombos a comer? Milho roxo?

Agora matam-se, a cada esquina, de perna alçada.

(Espera, isso é as putas)

Parecem bandos de pardais à solta, como os putos, os putos.

Uma pessoa vai a atravessar a rua, sempre calçada e insegura, e, no asfalto, um pombo falecido, patas para o ar, tripas à mostra, à moda do Zé dos Cavalos. Vai a andar no passeio, ziguezagueando as poias dos canídeos, slalomando os buracos da calçada lusitana paixão, mal desvia o olhar para o alcatrão, lá tem um pombo em 2D, de tão bem espalmado se finou sob rodado, sobre estrada, de quem ali passou e o repassou sobre rodas. Aqui há dias, estava um assim, todo prensadinho, como uma folha de papel, ou de plátano, no Outono, com uma asinha no ar, qual afogado em seus últimos suspiros, vulgo goladas de água.

Cheira-me que andam a drogá-los, facilitando-lhes o suicídio. É só o que explica que se venham meter, com tanto rigor e dedicação, debaixo do carro, mal a pessoa liga o motor e desata a andar. Eu só ainda não atropelei nenhum porque já tenho a minha conta no rosário dos homicídios animais à custa do gato, daquela vez, salvo seja três vezes. E também porque me desvio, abrando, contorno  os pombos. Assim que avisto um suicidário — a sério que só lhes falta cantarem O meu nome é louca, chamo-me baby suicida | Tomo mil calmantes, chamo os meus amigos pra me verem morrer —, quase faço disparar o airbag, mas não o passo a ferros. Aliás, aquilo baixa em mim a bidonvilles que nunca fui, é ouvir-me a gritar Ai, o pigeon!

Experimentem ir a Algés. Algés tem mais pombos do que pessoas. E passadeiras de peões. E os pombos atravessam nas passadeiras. Hitchcock não faria melhor.

Tanta pomba assassinada. José Carlos é que a sabia toda. Visionário Ary.