28/06/2015

Vós

Há um pequeno pormenor, na evolução da língua portuguesa, que não me entra na cabeça, mas também não me sai da cabeça. Não sei se me fiz entender. 
De acordo ou não com as regras do Acordo — e, grande parte delas, é não, e não, não me apetece explicar, porque está muito calor e também porque são muitos nãos —, a mim, pobre semi-analfabeta, parecia-me mais urgente, moderno e lógico acabar com a segunda pessoa do plural na gramática portuguesa, que era uma beleza.
Arrasava-se, de uma vez, com o artigo definido, definhado, e com a conjugação verbal, mais que morta, que nem o latim, com seus latinácios, a priori, ipsis verbis, e mutatis mutandis, está tão defunto quanto o vovós.
Andam os meninos a aprender na escola uma porra que não serve para nada, ocupando cabecinhas, perdendo tempo com essa grande inutilidade que é o vós, ganhando vícios de linguagem, aplicando-o incorrectamente como se fosse ele a segunda pessoa, sim, que é, mas do singular. A teimosia do mantimento do vós, teve como única consequência a criação dessa grande aberração, que é a quarta pessoa do singular. O grande fostes. O belo fizestes. O erudito acontecestes.

Assim, 
fizestes a cama?
Fostes à mercearia?
Sempre tivestes a mania.

(Este tempo verbal é, grande parte das vezes, acompanhado por aquela interjeição espantosamente elevada, que é o poças.)

Abulam o vós. O vós é inútil e é prejudicial. Não é usado na linguagem comum, não é usado na linguagem formal. Ninguém usa o vós e sua conjugação esdrúxula.
Ou melhor, usa. Usam, figuras de ficção. Figuras de humor (Estais-me a pôr fora da nossa claque? Sabeis o que sois ambos? Dois patifes!). 

Era substituírem o vós pelo vocês, que, esse sim, é usado e abusado, tanto na fala como na escrita. E sim, a conjugação verbal ia repetir a da terceira pessoa do plural. Pois ia, e então? Não é o que acontece já, na prática? Então, não ia — já repete. Vocês vão; Eles vão. Vocês irão; Eles irão. Isso também acontece noutras línguas, como a inglesa e a alemã, e não é por isso que ingleses e alemães falam incorrectamente, ou têm uma gramática desfasada da realidade.
Como nós temos. Como vós tendes. Como vocês têm. Como eles têm. 
A sério: vós? Do tempo dos avós, isso sim.
Vós...
Agora, é até que a voz me doa.

2 comentários:

  1. Anónimo29/6/15

    Quando ouço dizer Tu fostes ou fizestes, juro que fico mal disposta, enerva-me profundamente esse "S" no fosteS.
    Em relação ao Vós ides ou Vós sois (por exemplo), é só passar por certas zonas do pais e perceber que sim é usado, ou seja, esta correcto e acho muito bem que se use sem qualquer motivo de gozo. Ridicularizar um termo que está correcto é simplesmente patético.
    É certo que o Vocês vai a todo o lado mas o Vós, repito está correcto.

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