18/06/2015

Maria João

Não sei se ela se chama Maria João, mas acho que sim. Ou Maria José, tanto faz. Tem que ter nome de homem, porque parece um homem. Sentada no cadeirão, fica enorme, toda esparramada, ombros largos, mãos grossas, braços fortes. Não gordos, fortes. A bengala sempre no colo, atravessada sobre as duas pernas, sempre de calças. A cabeça é a de um homem, recostada para trás, cabelo curto, branco-opaco, ondulado, os malares pronunciados, o queixo quadrado, o nariz recto, os olhos daquela cor vítrea do âmbar, a fitarem-me fixamente.

- Quer chocolate?  — pergunto-lhe.

Levei dois pacotes de Maltesers, um destinado à minha mãe, outro aos pássaros que a circundam e aos quais não quero negar uma migalha. 

- Não. — seca. O corpo, másculo, mantém-se imóvel, só alternando a posição da bengala entre atravessada perpendicularmente ao tronco e paralela a ele. Parece empunhar uma espada, no momento de trespassar o inimigo.

Atinjo-a com um sorriso e estendo-lhe o saquinho de chocolates.

- Mas tome. Eu quero dar-lhos. Vão derreter na minha mala.

Ela recebe, mete na boca e continua a fitar-me, fixamente. Estendo-lhe outra vez o pacotinho.

- Tome lá outro.
- Não quero.
- Mas quero eu.

E ela come outro. Pisco-lhe o olho. Não há réstias de feminilidade na figura, o que me suscita o instinto, por me parecer lidar com um gajo. 
Estranhamente, gargalha, sentida, e acaba o ataque num pranto de criança, semelhante a uma birra, ha-ha-ha-ha-ho-ho-ho-hã-hã-hãããã.
Dou-lhe mais um chocolate, e ela cala-se. 

Aproxima-se a hora do almoço, levanta-se, empunha a bengala, e vai a passos de bebé, minúsculos, minúscula, até à mesa. Está sozinha numa mesa pequena, provavelmente por ter um comportamento que lhe ceifa a possibilidade de ter companhia. Agarra no babete, os fios atados num nó, tenta desatá-lo, puxando com toda a força. Depois, tenta enfiá-lo pela cabeça, sem desatar o nó, mas não cabe. 
Começa outra birra, em tudo semelhante a um ataque de riso. 
Parece um homem.
Parece um bebé — menino — birrento. 
(Os bebés gritam, em sendo meninos, e guincham, em sendo meninas.)
Pego-lhe no babete, desfaço o nó, ponho-lho ao pescoço só com um lacinho, faço-lhe uma festa no braço, Tudo fixe, e pisco-lhe o olho outra vez. 

Ela olha para mim, o âmbar todo a brilhar, em forma de luz dourada, Obrigado, hã?

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