03/06/2015

Circo de feras

O que dizer de e a uma mãe, que vai acompanhar o seu filho de 15 anos à camionete que o transportará rumo ao sul, em viagem de finalistas do 9.º ano, e, no momento em que uma outra recomenda à filha que tenha cuidado com as piscinas e o mar, agarra na manita direita e, de dedinho indicador espetado a fazer dos dedinhos da manita esquerda teclas de um piano sinistro, começa a enumerar uma lista de possibilidades — todas menos a de recreio, que é para o que se destinam as piscinas e a água do mar —, gigantes como monstros, e mórbidas, assim:
     - Pois, porque pior do que a morte, é eles [dedito indicador direito no mindinho esquerdo] ficarem tetraplégicos [dedito indicador direito no anelar esquerdo], entrarem em morte cerebral...

Antes que ela se alongasse até ao dedito médio esquerdo com mais uma alternativa do mesmo calibre, afastei-me dali, agoniada (eufemisticamente falando, porquanto bolsava as vísceras naquele instante), antes também que o meu dedito médio, de qualquer das mãos, ou de ambas, sofresse uma súbita e pojante e irreprimível e irremediável erecção, desculpei-me com um dos meus tourettes da praxe, Eu não vou ficar aqui a ouvir isto, afastei-me a passos miudinhos, e, não sei porquê, não sei mesmo, o circo de feras — nunca dei um passo que fosse o correcto, eu nunca fiz nada que batesse certo — começou a tocar na minha cabeça. Não sei porquê também, mas isso atribuo às bruxas, que las hay, mal liguei o rádio, foi essa mesma que me inundou o carro e os ouvidos, pelo que só posso encontrar uma explicação para todos os fenómenos recentes desta minha vida, a começar e a acabar na mulher dos deditos espetados: eram 7:15 da manhã, o dia estava radioso, encontrava-me tolhida de jet lag sem ter posto as asas num avião, e eu própria estava a ficar desasada, que é o que qualquer ave sente de cada vez que lhe voa um pássaro fora do ninho — até mesmo uma galinha —, ainda que volte, ainda que volte.

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