Devido a contingências cá minhas, que não mais minhas por não ser eu a depilada, com muita pena minha — essa sim, minha —, tanta quanta a de uma galinha não depenada, sou como que forçada a conviver com uma figura humana que é, em si mesma, um boneco.
Miúda novinha, nervosíssima, cravejadinha de tiques e diminutivos pequenininhos, pois que diminui todo e qualquer substantivo à sua substância mínima, a um ponto microscópico, como pelinho, bucinho, solinho e prainha. Fica, naquela expedita boquinha, tudo muito reduzidinho a zero. Zerinho. Menos de nada. Nadinha.
E explica ela, técnica de depilação a laser, que,
A máquina não lê o pelinho loirinho, nem o pelinho na pelezinha, quando ela é escurinha, ou estamos bronzeadinhas da prainha.
Consequentemente, dei comigo embrenhada nestes obscuros e algo retorcidos pensamentos:
A máquina lá da minha casa, que é eléctrica, e funciona a puxões de cabelo, é também, por esta lógica, analfabeta. Quantas e quantas vezes, olho para mim, com olhos de ver, e descubro um pêlo perdido e esquecido — aqui a orar, como a cigana Esmeralda, do Corcunda de Notre-Dame — pela bruta, porém agarrado à raiz, qual árvore secular? Agora sei: a máquina é que não leu aquele pêlo.
Analfabetinha.
Começo a acreditar que é mesmo terminologia profissional pois as duas esteticistas a quem me submeto falam exactamente assim. Saia de lá a pensar que a anormalzinha era eu, afinal não!
ResponderEliminarNão és nada anormalzinha, tens pelinhos e pelezinha, que convém não ser muito escurinha, nem o pelinho muito clarinho!
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