Soube hoje, de uma forma muito serena e agradável, que aqueles olhos me levariam até ao inferno, caso quisessem, pois foi o que aconteceu, e foi serena e agradável a nossa passagem, juntos, por lá.
Mesmo à gajo, deixou as compras de Natal para hoje e pediu-me que o levasse ao Colombo, e por isso eu fui — mesmo à mãe, incapaz de um não tão fora de mão.
Já no parque de estacionamento, que alcançámos após luta corpo a corpo com milhares de outros carros, tenho um contratempo com um condutor que me fica com o lugar, também ele conseguido através do recurso ao pente fino. Saio do carro, peço explicações para a atitude do homem, ele responde-me com uma frase cheia de "você" para cá e "você" para lá, decido que não vou entabular conversações com o porta-estandarte da bandeira da zona J, mas isso deixa-me à beira de um ataque de nervos. Volto para o carro, onde desabo como um baralho de cartas. Sossega-me instantaneamente a voz dele, que me diz, com precisão delicadamente cirúrgica, o que me ouviu a mim, em tantas circunstâncias das nossas vidas: Aquele homem não vale as tuas lágrimas.
Metemo-nos na multidão, passamos a fazer parte dela e, no entanto, não nos misturamos com ela. Somos iguais um ao outro, e diferentes de toda a gente. Falamos sobre os mesmos assuntos, reparamos nas mesmas coisas, rimo-nos das mesmas situações. Pergunto-me e pergunto-lhe o que seria se houvesse uma emergência com o centro cheio daquela maneira, e se o plano de emergência funcionaria, ou sequer estaria actualizado. Ele tem quinze anos e ainda não despiu completamente a capa de super-herói. Deve ser por isso que me responde que trepava às paredes mais altas e ficava lá em cima, à espera que o perigo passasse. Ele não sabe nem sonha que, acontecesse o que acontecesse, eu nunca o deixaria para trás, e, assim como entrámos juntos naquela massa, sairíamos dela juntos, com toda a certeza absolutíssima. Tal como das duas vezes que o resgatei do mar, vestida eu de super-heroína.
- Mulher, falta-me a tua prenda! — confessa-me, às tantas, e aos tantos milhares de passos.
Entramos juntos na Calzedonia*, ele quer oferecer-me os collants da Julia Roberts.
- Esta collant tem uma tripla função — anuncia a funcionária, como se ainda estivéssemos indecisos acerca da compra — modela a anca, reduz a barriga e descansa a perna.
- É mesmo disto que tu precisas — diz ele, glorioso, satisfeito com a sua compra três-em-um, apesar de ainda não efectuada.
- Só da parte de descansar as pernas, só dessa... — respondo-lhe, toda risos, enquanto penso que bom seria que existissem collants de descanso da alma.
Haja o que houver, sei que estes serão os collants da minha vida — pelo menos, até que haja mais Natal.
* sem patrocínio
Preciso de uns collants desses.
ResponderEliminarBaixaram de preço, de 15 para perto de 10 euros, e ainda há a promoção leva 3 e paga 24 e qualquer coisa.
EliminarPalavras bonitas, ternurentas. Palavras mais sentidas do que as descartáveis que cantam hosanas à virgem e ao menino com data marcada no calendário. Não fará sentido desejar-lhe um feliz natal, porque este seu belíssimo texto como que arranca a mãe e o filho do presépio, dá-lhes vida própria e coloca-os num apinhado centro comercial. E o natal irá continuar...indiferente a datas.
ResponderEliminarBoa sorte.
:-)
Palavras bonitas são essas suas, Célia.
EliminarUm Natal muito feliz, e que se prolongue assim, pelo ano todo.
E obrigada :)
Tu não precisas de collants de descanso da alma, tens esse menino que te preenche a alma e o coração.
ResponderEliminarBeijinho
Tenho muitas amarras à vida, e este menino faz-me muito feliz, sim, Be :)
EliminarBoas Festas, e um grande beijinho.
Que bonito :) assim é que o Natal vale a pena!
ResponderEliminarAcredita que o Natal é todo o ano, depois de termos filhos :)
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