Estou placidamente parada à porta do edifício onde sou escravizada. Ela chega, a coxear como ninguém coxeia. Sim, porque aquilo de se ser coxo tem uns limites que aquelas perninhas não deformadas pela paralisia infantil não ultrapassam.
- Uma moeda, minha senhora, para comer...
- Não.
- É para um copo de leite, eu bebo-o à sua frente.
- Não.
Afasta-se, mudando o tom. Apliquei-lhe a interjeição duas vezes e em nenhuma delas o fiz utilizando o tom exclamativo, o que a enfureceu, pelos vistos.
- Olha para mim!
"Olho, até olho para ti com olhos de ver. Trazes calçadas umas botas da Benetton que, mesmo que tas tenham dado, não foram baratas. És magra como um cão porque és uma granda agarrada. És tão coxa como eu. És a mesma que outro dia me quis assaltar no metro, mais o gandulo que tu sustentas, e, nessa altura, se havia uma de nós duas coxa, era eu, a fugir de ti escada acima. És também a mesma que uma vez, dentro do metro, distraías uma senhora com a treta de que és seropositiva e tens cancro enquanto lhe roubavas a mala. Já agora, esta foi a última vez que trocámos um diálogo que acabasse de forma tão pacífica".
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