Por contingências que a vida tece, e a morte também, pois que dizem que essa faz parte da outra, mas eu só acho que se estão nos antípodas reciprocamente, calhou-me em má sorte a presença em dois velórios no espaço de uma semana. Há muito que assumi que não sei estar em velórios: nunca vou tranquila embora séria, não sei o que me espera e isso inquieta-me, não sei dizer aquelas coisas "meus pêsames", "força", "agora tens que...", "faz parte da vida", ou ficar a ouvir o relato de "como é que foi", como se como é que foi explicasse aqueles dois segundos sucessivos em que a pessoa passou de viva para morta. Levo comigo o receio de ter um desaire dos meus, de me esquecer de onde estou e desatar a rir por qualquer razão, ou de encontrar uma cena que me desmanche toda, para o bem e para o mal. Creio que estou tão concentrada por não querer chorar que instintivamente procuro qualquer coisa que me alegre, ou, pelo menos, que me arranque daquela tristeza que é o ambiente de um velório, mesmo que ele seja de uma pessoa com duzentos anos.
Foi assim que assisti ao diálogo entre uma senhora de muita idade e uma menina de vinte e um anos, com cara de quinze, magrinha, voz de criança:
- Filha, em que ano estás?
- Eu estou no quarto ano...
O espanto, o movimento na cadeira, toda a linguagem corporal da senhora que, sendo professora, e apesar da avançada idade, está actualizada nas designações dos anos de escolaridade, e, por isso, não pode ter confundido quarto ano com o antigo quarto ano dos liceus. Sabe perfeitamente que quarto ano é a antiga quarta classe, e daí a sua incredulidade:
- No quarto ano, filha? — Olhando e remirando a miúda. Por mais infantis que fossem os seus traços, vendo-lhe um tamanho de mulher, embora pequena, tentava perceber como é que alguém tão grande podia estar no quarto ano. — No quarto ano?
- De Medicina... — Esclareceu ela.
E eu para ali fiquei, agora sim, concentrada, os dedos a segurar a parte superior do nariz, lacrimejando discretamente.
é difícil, sim. o último foi há 10 dias, e não sei como encarreirei conversa.
ResponderEliminarbeijinho, Linda.
boa semana.
Ainda te ganho, Mia: o último há 8, ou penúltimo há 13...
EliminarBeijinhos para ti.
(Haja saúde.)
Boa semana também.