A boneca estava sempre pronta, quieta, calada e sorridente, como qualquer boneca que se preze. Ele pegava nela, sem jeito nem cuidado, brincava um pouco, até se fartar — quase imediatamente —, e depois atirava-a para um canto da casa onde ambos habitavam. Às vezes também a punha numa prateleira alta da estante lá dele, de forma a que ficasse sentada, ainda mais quieta, cada vez mais calada para, assim, não ter que a ouvir — parecia-lhe que só gemia e se queixava —, e quase não a ver. Ela suportou, como qualquer boneca que se preze, a sua condição de coisa, quieta, calada e sorridente. Aguentou o desamor, o desprezo fininho, o abandono, o menosprezo.
Um dia, após muitos seguidos de prateleira, caiu da estante, ou terá saltado, desinquietou-se, começou a falar, perdeu o sorriso postiço, ganhou vida.
Foi essa parca vida que ele quis tirar, nesse dia, porque ela mais não era do que uma coisa, e as coisas não têm (direito à) vida.
(E porque toda a violência tem contornos demasiado finos.)
nem sei como te comentar...porque se há coisa que me arrepia, é a violência, seja ela qual for, principalmente dentro de casa!
ResponderEliminarprecisamos de crescer tanto como seres neste Universo Milenar
bom dia Linda
:)
Sendo que a violência doméstica não tem que ser perpetrada dentro de casa, basta que seja em contexto familiar.
EliminarO que eu não entendo é como é que alguém tem outro alguém que ama (?) ou amou (?) preso três dias, a infligir-lhe sofrimento, a assistir à sua agonia, e não há um único momento em que se questione, caia em si, perca a raiva. E, no fim, ainda lhe queira a morte.
Nestas alturas preferia ser qualquer animal, a ser da raça desta gente.
Resto de bom dia, Moonchild :)
Não são gente estas pessoas.
EliminarNem animais.
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