03/10/2016

unhas

Pudesse eu resumir os dias numa só palavra, e a de hoje seria unhas.
Unhas curtas, como as minhas, que quero ver sempre tratadas — não porque mereça, mas porque preciso: de me agarrar, lá está, com unhas (e também dentes, dizem), a uma futilidade que me proteja do encargo que não sei cumprir, de ser sempre inteligente, racional, organizada e previsível. Tomem-me como frívola, por favor, pois é essa a mensagem que querem passar estes dez fósforos incendiários que transporto nas pontas dos meus dedos.
Unhas que arranham, que magoam, deixando marcas, sangrando feridas, purgando raivas sem porquê.
Unhas que não consegui deixar bonitas, baixando os braços — as minhas unhas bonitas, cheias de vida —, minto: cheias de viço —, num desalento só, num cansaço de velhice precoce, baixando também as desarmas.
Unhas de um animal, que ataca sem porquê, rasgando à toa, castigando sem culpa, nem dó, nem piedade de nós.
Unhas de saudade, da mansidão de um animal meigo, que não está em lado nenhum quando me faz mais falta: sempre.