Existe uma relação próxima entre o meu trabalho e a morte de tios por afinidade. Eu sou o Ramsey, com a única diferença de que não marco golos. Mal me surge um trabalho novo, eis que flop. Vá, calma, não é preciso virem para aqui dar sentimentos, que, por muita pena que eu tenha, estas são aquelas situações a que vulgarmente se chamam "a lei da vida", num suspiro, à porta dos velórios.
[Nós, tias, temos sempre imensos tios, e é natural que, se não nos nascem novos, pelo menos nos faleça um de vez em quando.]
Desta vez, acho que me portei bem. Cheguei, abracei quem me pareceu que estava mais enlutado, disse "Meus sentimentos" e fiquei quietinha. Apresentaram-me uma mulher com ar de 25 anos, garantiram-me que tem para lá de 30, alvitrei 31, esclareceram-me que são 39, e eu fiz a fineza de a deixar passar à frente na porta, com um "Primeiro os mais velhos". Fora isso e o facto de a ter feito soltar uma gargalhada num local menos próprio para o fazer, tudo impecável.
Mandaram-me entrar para uma sala com a configuração de uma capela, estive ali um bocadinho calada e quieta, só a ver os sapatos das outras, e depois disseram-me para sair, que eles ainda tinham mais uma cremação a seguir, e estavam atrasados. Saí e estive mais uns dez minutos a conversar do lado de fora, como nos casamentos, e, como não saiu dali nenhum par de jarras noivos, presumi que já podia ir-me embora. Por mais que me garantissem a posteriori que havia um caixão na sala onde estive sossegada, que foi reconduzido para uma porta, ou seja, a última que atravessava, quase não acreditei, não fora ser pessoa de confiança que mo afiançou. Eu não vi nada. Só sapatos.
Achei tudo muito clean. Quero uma coisa assim para mim, quando me tocar a vez.
E não, o meu humor não é nada negro, isto não é sequer humor: são factos. É a lei da vida.
Vou mas é de férias, o trabalho pode esperar. A vida é que não.
Como diria a minha avó: estranhos desígnios nas piores horas, nos momentos mais desaquados. Ou como dizia o tio Alberto: até parece que fez de propósito..
ResponderEliminarÉ um abuso da paciência de uma pessoa humana.
Eliminar..."nos momementos mais desadequados". A morte é uma coisa chata, sobretudo para os vivos.
ResponderEliminarÉ certa, como mater, ou mais ainda, que já nem essa, com as barrigas de aluguer.
EliminarQuando morreu a minha avó materna eu estava em Londres. Tinha ido ver um concerto de radiohead e dito aos meus Pais que ia para o Algarve passar o fim de semana.. era novo e inconsciente. Foi a carga dos trabalhos para descalçar aquela bota. ...
ResponderEliminarUm tio por afinidade de casamento, já com uma idade muito avançada, não tem comparação com a nossa avó...
EliminarOs adolescentes vivem no limite, e depois acham que tudo o que lhes acontece foi obra do azar.
Eram os radiohead.. tenho a certeza que a minha avó me havia de perdoar.
ResponderEliminarOu nem chegaria a encontrar motivos para ter que te perdoar. As avós ainda conseguem ser "piores" do que as mães.
EliminarA minha avó era especial. Dáva-me dinheiro às escondidas dos meus pais para eu comprar cigarros. Não consigo conceber que o fizesse como um plano maquiavélico para eu contrair um cancro no pulmão :)
ResponderEliminarClaro que não. Quando digo que são "piores", e daí as aspas, é por serem tão benevolentes, tão "vítimas" de um amor de perdição :)
EliminarEu vou partilhar algo bastante pessoal e que demonstra o amor incondicional que uma avó pode sentir por um neto. Na minha fase junky, porque a tive e foi complicada, a minha avó paterna nunca desistiu de mim. Apesar da idade que tinha, a compreensão, o amor, e a resiliência dela juntamente com a dos meus Pais, foram a minha tábua de salvação. Foram eles que me foram buscar ao fundo do poço e me trouxeram de novo à tona.
ResponderEliminarTer alguém que nunca desiste de nós, apesar da tristeza, apesar da desilusão, pode significar a diferença entre a vida e a morte.
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