29/04/2016

A Casa do Lago

Tinha ido tomar um café a um sítio chamado Casa do Lago. Conheço, pelo menos, dois filmes com esse nome, marcantes e comoventes: a cena do enfarte do velhinho [Henry Fonda], no primeiro, em que a mulher [Katharine Hepburn] se vira para o céu e pede: Não mo leves, não vês que ele está velho e não precisas dele? Eu preciso muito mais! No segundo, a tristeza dos dois amantes [Sandra Bullock e Keanu Reeves], que não conseguem encontrar-se, por viverem em planos temporais com dois anos de distância um do outro. 
I sometimes feel as I'm invisible. As if no one can see me at all. I never felt that way when I lived at the Lake House.
Quando entrei, senti as narinas invadidas por um cheiro de madeiras queimadas pelo sol, que me apoderou a alma de uma saudade súbita, e me levou de volta a lugares onde fui tão, ou simplesmente, feliz. A memória olfactiva devia ser proibida, culpada de um teletransporte que chega a ser doloroso. 
Já voltava, vezes a mais, a ter cinco anos. No entanto, um destes dias, terei oitenta.
O pequeno restaurante tem, efectivamente, um razoável lago em frente da esplanada, e será essa a explicação para o nome escolhido. Tirei-lhe uma fotografia mal tirada, que a contraluz não me deixou ver, senão quando já estava longe o suficiente para não poder voltar atrás e recuperar a paisagem, levando-a, assim, comigo. Alenta-me a ideia de que há imagens que guardamos pelos sentidos. Assim como tinha acabado de acontecer com um aroma.



Depois, logo no dia seguinte, encontrei-a à porta do prédio onde ambas moramos. Disse-me, com olhos de lago, morreu o meu marido. Fiquei sem saber o que lhe dizer, dentro do espaço de asfixia em que se transformou o elevador, cabine de teletransporte para as minhas próprias perdas. Disse-lhe apenas, e como sempre, o que estava a sentir, enquanto lhe dava beijinhos e lhe passava as mãos pelos braços: Nada do que lhe possa dizer agora vai diminuir a sua perda. Vamos beber um chá a um sítio bonito quando lhe apetecer, e peço-lhe que chore tudo o que tiver que chorar. Então ela disse-me que não conseguia compreender por que é que ficou sem ele, que tanta falta lhe faz. 
Ali, por breves momentos, o nosso prédio foi A Casa do Lago.

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