Fui praticamente obrigada a beber um vinho na consoada, eu sou esquisita e pouco feminina nos copos, gosto é de cerveja e de whisky, querem fazer de mim uma senhora e dão-me vinho premiado, e afirmam, encalorados, mas que rica pomada, enquanto eu me sumia num a mim só me sabe a rolha, mas como a rolha?, um vinho que até recebeu um prémio, olha agora, se calhar para a melhor cortiça, pensava eu, que desperdício numa garganta como a minha, soube-me a rolha, mas bebi-o a preceito, de modo que me levantei da mesa com os dois braços anestesiados, trouxe a minha mãe comigo, mas isso já foi hoje, nem ressaca aquela porcaria da rolha me deu, por isso tive braços para ela, e quis vir pela marginal, para vermos o mar, eu sou parva, eu é que queria ver o mar porque o azul, aquela cor que eu nem distingo como deve ser, mas é a minha cor, o azul, dizia eu, o azul dá-me paz, ou lá o que é que o azul me dá, não é bem paz, é coragem e força, então quis vir pela marginal, a minha mãe quer lá saber do mar, a primeira vez que viu o mar tinha dezoito anos, no Alentejo dela, nosso, meu, não há mar, nunca foi apegada ao mar, nunca foi como eu, que só faltou nascerem-me guelras, pudera, veio conceber-me quase à beira-mar, por pouco não me concebeu no areal, mas isso acho que não fez, porque eu fui feita pelo Carnaval, e nessa altura faz frio e chove, não estou a vê-los irem à praia só para me conceberem, depois desovou-me aqui com o mar tão perto, como é que queria que cada vez que eu estou mais aflita é para lá que corro?, lá viemos rente ao mar, ó mãe, olhe o mar, ó mãe, o mar hoje está tão bonito, ó mãe, ali, ali, o mar, mas ela nada, lá metida com as coisas dela, sem me ouvir com voz de búzio, logo ela que me ensinou que nos búzios se ouve o mar, sem ver mar nenhum, vim eu a encher os olhos de mar para ela nem virar a cara para o vidro e ver o mar, soube-me a rolha ver que ela não quis olhar, não viu, por pouco não estragava o meu Natal constatar que o elevador do meu prédio não comporta uma cadeira de rodas, escada acima até ao segundo andar, e se eu morasse no sexto?, coitado do São Cristóvão, lembro-me sempre dele nestas horas, com o menino a pesar cada vez mais, Deus nunca dá uma cruz mais pesada do que aquela que conseguimos carregar, uma cadeira de rodas e uma pessoa levezinha pesam toneladas escadas acima, ainda mais quando já levas os olhos cheios de mar revolto daquela dor, nos últimos degraus pesam ainda mais, o filha da puta do arquitecto ainda há-de precisar de se sentar numa e, quando vier visitar as filhas, que também cá moram, eu não me ofereço para o carregar, o diabo que o carregue, ai Jesus, lá se me vai o espírito natalício, cruzes, credo, ainda bem que isto está no fim, já só sinto o sabor daquela porcaria daquela rolha, mas será que bebi assim tanto que até a rolha roí, como aquele rato da ladainha?
Antes saber a rolha do que não saber a nada, pode ser assim?
ResponderEliminarSem dúvida!
EliminarEstamos vivas, nem que seja para roer a rolha premiada!
"aquela cor que eu nem distingo como deve ser" - tia e daltónica, ninguém merece! :P
ResponderEliminar"...recebeu um prémio, olha agora, se calhar ..." - "olha agora" - a verdadeira expressão de Lisboa! (é a única que têm, mas que é esta, é.
"logo ela que me ensinou que nos búzios se ouve o mar" - ei... a minha também me ensinou isso :)
"o filha da puta do arquitecto ainda há-de precisar de se sentar numa e, quando vier visitar as filhas, que também cá moram, eu não me ofereço para o carregar, o diabo que o carregue" - tão fofaaa... esta sim, é de mulher do norte. Às vezes, és um bocadinhoooo... :P
Mas o que se passa com o elevador?
A cadeira não entra à porta?
Fala connosco.
Sabes lá, e rainha da gaffe e da roupa do avesso. Quem não merece sou eu, que até sou boa.
ResponderEliminarTemos mais. Mas este é um buraco digno.
Eu acho que as mães são todas feitas na mesma fábrica :)
As minhas costelas degladiam-se, a ver quem ganha o lugar do coração...
Olha, uma merda. Entra, mas depois a porta não fecha. Vou pôr cocó nos puxadores do carro do arquitecto, que mora no prédio da frente.
Põe um saco de papel com cocó dentro, a arder à porta dele e toca-lhe à campainha, assim ele vai tentar apagar com o pé e... já viste no que vai dar?
EliminarMuito bem, mantém o buraco digno!! :P
Bem, mas essa ideia também é excelentíssima!
EliminarMas já pensaste no requinte de malvadez, no luxo asiático, que é ter o cocó entranhado na unha?
Digno, limpinho e prazeroso, são as máximas aqui do buraco :P