02/11/2021

Gente que não sabe estar

O homem entrou-me porta adentro, óculos de sol agarrados à cara — que nunca tirou —, suspeito que para ajudar a namorada a desnegociar um contrato que tinha connosco, coisa simples, apenas uma assinatura de denúncia e ala. Ambos na faixa da quarta década, ela muito enfiada, não sei se tímida, insegura, ou medrosa, mas de quê, de quem, valham-lhe os santinhos? Não percebi a presença do mânfio, será que para segurar por ela na caneta assinante, caso tudo — nomeadamente o punho — falhasse? Ela na sombra dele, um murmúrio de boa tarde, eu curiosa para conhecer a maníaca das limpezas, que tudo desinfecta com lixívia, mas deixou o espaço que ocupou num esterco de dar gosto ao aspirador e ao esfregão, nem cheguei a tirar-lhe as devidas medidas, já o macho alfa me dirigia um 

Atão,  jovem, tá-se?

Eu parva, sem perceber para quem se dirigia tal dislate, pondo a máscara sem jeito nenhum,

Olha, ficas mais confortável se eu também puser a máscara?

Talvez ficasse mais confortável se te pusesses nas p., pensava a jovem, gradualmente mais exangue — e também burra, a perceber que ok, aquele despropósito era todo para mim, mas a filha da minha mãe já foi muito melhor em charadas, reacções imediatas e respostas prontas, e então esperei que o magano ajudasse a maníaca a escrever o nome no papel e se eclipsassem rapidamente, o que fizeram ao cabo de escassos minutos — felizmente, ela tem um daqueles nomes curtinhos, se fosse aqui o da senhora marquesa ainda lá estávamos —, saindo, ela na cola da silhueta dele, ele a acenar,

Jovem, fica. É preciso é saúde e alegria.


Lamento profundamente ter-me tornado nesta ameba proteus, incapaz de arrumar o coiso com a lapidar frase “Olhe, não seja parolo”, dirigida certa vez por alguém das minhas relações próximas a uma deslocada social deste calibre, aniquilando-lhe qualquer intenção de protagonismo escandaleiro. 



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