22/10/2021

Andar, caminhar, correr

Um dia, disse aqui e aos sete ventos (ou são quatro? Os véus é que são sete, não é?) que detestava correr. Agora, não é que adore, que uma humana também não muda assim da noite para o dia, mas, vá, tolero. Cheguei a uma idade e a um ponto da minha vida em que, se quero, já não digo perder peso, mas não o ganhar, é dar à sola com alma, caso contrário, mais ou menos rapidamente, transformar-me-ei numa senhora estabelecida na vida. E isso preocupa-me, logo, combato. 

O aquecimento estafa-me, mas é-me absolutamente necessário, se não quiser andar nos dias seguintes agarrada a um andarilho. Os primeiros duzentos metros — porque os faço numa subida — esgotam-me. O primeiro quilómetro é-me penoso. Depois entro num roulement até ao primeiro suspiro, que é aquele momento em que o peito se transforma numa caixa de ar frio, e há que deitá-lo todo fora. A partir daí, é lutar contra a secura da garganta (shame on me, corro de boca aberta, só falta deitar a língua de fora, como os cães. Mas acho que tenho fossas nasais demasiado estreitas para conseguir respirar exclusivamente pelo nariz estando em esforço) e pouco mais, porque as pernas aguentam-se bem até ao fim. Os meus piores tempos são sempre nos quilómetros ímpares: primeiro, terceiro, quinto e sétimo. Desmoralizo, aborreço-me, a minha playlist — que me pareceu um conjunto de boas ideias quando a construí — enfada-me. Don't leave me now e If you leave me now, por exemplo, são odes à deprimência, que, ao invés de animarem a mulher, convidam-na antes a parar num beco em posição fetal, a babar-se e aos urros. Tenho que repensar este pormenor.

(Alguém conhece um bom programa pirata, como foi o finado Songr, que dê para importar as músicas e depois passá-las para o mp3? Sim, sou assim tão arcaica, deixem-me. E não me sugiram o Spotify, que não serve para o que eu quero. Agradecida.)

Já corri, sem mérito, prémio ou pompa alguns, contra o cancro da mama, as doenças raríssimas, e, com alguma circunstância, contra o vento, o sol, a chuva (épica molha já este ano, em que regressei ao lar uma lamentável amálgama de carne molhada com cabelos colados, rímel borrado — deixem-me ser como eu sou, o rímel faz parte da minha aerodinâmica — e ténis em galocha improvisada), os ciclistas, os outros corredores (não me atrevo a autoproclamar-me atleta, mas apenas por ser assim destas modéstias absurdas) e as gajas da caminhada, que calçam um par de sapatilhas (eh, condescendi!) e lá vão elas, cheias de gás (gaseificadas!), braços dobrados encostados ao tronco, todas convictas. Aprecio sinceramente o esforço delas, dá para perceber que a grande maioria são senhoras que se obrigaram, a duras penas, a desalapar o quadril do sofá/ fogão/ corda da roupa, e o que estão a fazer é melhor para a saúde delas do que nada. Eu só não faço o mesmo porque fico nervosa por levar o dobro do tempo a percorrer do ponto A ao ponto B, quando posso levar metade. E porque o sofá, o fogão e a corda da roupa — não necessariamente por esta ordem — também estão carinhosamente à minha espera e tenho pavor de os desiludir. 


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