abre a porta para eu entrar, verifico que já estão duas pessoas sentadas, pergunta-me se quero um café, agradeço e digo que não, mas ela começou agora o espectáculo, precisa de interagir, precisa de uma explicação: “A sua tensão arterial, como é que está?”, pois não lhe chega um mero “Já tomei”, “Não me apetece”, “Por hoje já chega”, para o que, de resto, nem me deu tempo. Respondo que está boa, agora que só tomo um café por dia — a minha grua —, talvez um destes dias nem isso, assim como assim já só como relva, capaz de me meter na meditação e abraçar uma religião alternativa. Entro para o gabinete e ainda a ouço dizer para as duas sentadas: “Esta [e diz a minha profissão oficial, que, aliás, não exerço, mas que, para o caso, é indiferente: ela sofre de dependência de falar, sobretudo necessita de se engrandecer através do poleiro social a que considera ter ascendido por se dar com. Estou profundamente convicta de que, se suspeitasse que eu era operária numa fábrica de bonés ou costureira, não só me ignoraria olimpicamente, como também não me apresentaria a todas as pessoas que ali entram como se eu fosse distintíssima em alguma coisa, criando-me embaraços irrecuperáveis, ou fosse a única pessoa do mundo que tirou aquela m. daquele curso — ainda se fosse Física Quântica, ou Engenharia Aeroespacial —, que nem a mudar uma fralda me ensinou] anda muito nervosa, e, por isso, agora só toma um café por dia”.
Não ando, mas fico.
Sem comentários:
Enviar um comentário