13/02/2019

gente extraordinária/gente comum

Andavam por ali uns rapazes em cima das trotinetes eléctricas, apitando em alarme denunciador de que estavam "fora da aplicação", mesmo em frente da Câmara, são rapazes pensei eu, são rapazes, comentámos nós, só se é rapaz uma vez na vida, digo eu. Antes que desse multa, estacionaram as trotinetes em cima do passeio, uma encostada ao pilar do grande edifício, a outra rigorosamente a meio do passeio, paralela, dividindo-o em dois. As gentes indiferentes, passando por um dos lados, passando pelo outro. E surgiu ela, tão jovem, tão só, acompanhada da sua bengala branca, em cuja extremidade talvez se lhe encontrem os olhos, que os dela não vêem. Fizemos a óbvia previsão de que ela encontraria na trotinete mal estacionada mais um obstáculo, quem sabe se a bengala lho avisaria a tempo de não cair. O meu primeiro pensamento foi o de me dirigir à rapariga, avisá-la e acompanhá-la, talvez dar-lhe o meu braço, não tive muito tempo para pensar em todas as possibilidades, já a minha amiga se afastara numa corrida na direcção da trotinete, a arrastara apesar do peso e dos alarmes para "local seguro" e livrara o passeio daquele entrave. Ficámos ambas a ver a rapariga passar, a bengala dando indicações de caminho livre. E eu fiquei a pensar que a grande diferença entre pessoas excepcionais e pessoas comuns se revela nas mais pequenas coisas, e mais ainda nas maiores. Eu teria ido dar o braço à rapariga, com a discrição possível, é certo, numa atitude de comiseração um nadinha espectacular, para afago do meu ego, escutando-lhe os agradecimentos, comovida, e aproveitando para dar uma pequena lição de vida ao meu público. Ela, simplesmente, resolveu o assunto, indiferente à salva de palmas que nalgum lado fora "daqui" lhe terá sido dada. 
Numa situação limite, as pessoas extraordinárias salvam vidas. As comuns ficam a consolar os aflitos.



LB's challenge rumo aos 3000 chouriços em 6 anos
Assunto demasiado sério para que o considere um "chouriço".
mas #jasofaltam23namesma

6 comentários:

  1. A tua atitude também seria extraordinária. Ajudar é sempre de louvar. Tu de uma forma a tua amiga de outra, ambas merecem ser louvadas. Além de que, consolar os aflitos também é preciso. É uma acto de caridade cristã.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu só achei a atitude dela muito mais imediata, mais útil. Eu apenas resolveria o problema daquela rapariga, ela resolveu o do “mundo”.
      Mas também considero necessário consolar os aflitos. Só não tão urgente como salvar vidas.

      Eliminar
  2. Nao te auto-flageles por isso. Sao duas formas diferentes de resolver o assunto. Uma mais no curto prazo, como o teu instinto te moveu. A dela e' so' uma solucao mais permanente, porque resolveu o imediato e os problemas futuros, quando ela ja la nao estivesse. Isso nao faz de ti comum. O comum nem anteveu que o seu comportamento nao era civico (deixando ali a trotinete); o comum peao nem se apercebeu que a senhora cega ia ter um problema; o comum, se e' que se apercebeu, nem mexeu um dedo para ajudar a situacao. Desviou-se.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O comum eram rapazes, nem imagino que futuro levarão. Tanto podem ser sempre uns selvagens, como atinar e mudar a agulha para cidadãos preocupados. Adolescentes já todos fomos, eu era completamente parva.
      Mas continuo a achar que a atitude dela foi muito mais útil, para não dizer resolutiva. Prometo não me martirizar, ainda assim :)

      Eliminar
  3. Mas há pessoas excepcionalmente extraordinárias a consolar os aflitos ;)
    Numa situação extrema nem sempre a melhor solução nos ocorre, muitas vezes nem nas situações mais comuns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mesmo, Be. É como as boas respostas, só nos ocorrem passadas horas :)
      Devíamos todos ter uma formação cívica a sério, eventualmente com treino de situações dessas, em que o stress nos tolda o raciocínio...

      Eliminar