28/05/2017

Eu tenho problemas com médicos # 25

Eu ainda era do tempo em que os médicos exerciam Medicina.
Venho para dizer mal. Venho para deitar fora, purgar, drenar, expelir coisas más que há em mim. Devo estar na fase da raiva.
Vou contar uma longa história, que não interessa para aqui se na primeira, na segunda, na terceira ou em que pessoa do singular, de tão singular que ela é.

Fui criada a respeitar a profissão de médico como a todas as outras, mas mais ainda por ter vários na família, e, no limite (da gestação), por ter saído de dentro de uma. Naquele tempo, os médicos olhavam para um doente, faziam-lhe umas perguntas, observavam com olho clínico (literalmente), auscultavam, mandavam tossir, respirar fundo, palpavam, e simplesmente diziam o que o doente tinha, receitando de seguida. Não tinham tecnologia de ponta nas pontas dos dedos, nem internet que lhes valesse, apenas muita sabedoria acumulada e um especial dom, que era o de ter os olhos nas pontas dos dedos: encontravam, pelo tacto, o busílis da questão no corpo dos seus doentes. Claro que também havia quem corresse vários médicos até lhe ser feito um diagnóstico. Mas eram, geralmente, casos raros, casos no início dos sintomas, casos demasiado graves para que se pudesse alvitrar uma hipótese sem certezas sobre ela. Uma das minhas avós já tinha sido consultada por dois ou três médicos que não atinavam com a doença de que ela sofria, até que bastou a um pedir-lhe que caminhasse para lá e depois para cá, nos escassos metros da sala do consultório, para lhe fazer o diagnóstico. Era um professor da faculdade, no tempo em que para se chegar ao doutoramento e à cátedra não se pagava dois anos de propina a uma faculdade. Acediam os melhores dos melhores — por mérito, trabalho, dedicação e valor.

Agora é diferente. Uma pessoa cai de gaiato numa urgência hospitalar, onde lhe são feitos exames e análises e perguntas, primeiro na triagem, pelo enfermeiro, depois por um médico não especialista que, por sua vez, encaminha para o especialista que ele entende — e que, oh, surpresa!, não tem a especialidade ideal para aquele caso. Paga a urgência, paga exames e análises. Marca consulta com o médico indicado na urgência, vai à consulta, mas oh, que bonito!, o médico não se sente capaz de fazer um diagnóstico taxativo, sem antes mandar fazer mais exames, mais análises, preferencialmente dentro do mesmo hospital. Paga consulta e lá vai disto, faz exames, faz análises, paga exames, paga análises. Volta à consulta, e oh, inesperado!, o médico não faz diagnóstico nenhum, porque suspeita que aquilo não é do foro dele, e então manda para outro colega, de outra especialidade. Paga consulta, e marca consulta para a tal outra sumidade. Amarga uma hora e meia de espera na sala para que sua altíssima digníssima especialista declare que não pode fazer um diagnóstico diferenciado (diante de uma ressonância magnética), porque é necessário consultar outro especialista, ainda mais especializado, dentro do mesmo hospital, que, após exame ainda mais detalhado, com certeza (sem certezas) fará um diagnóstico decisivo. (Ao que parece, não andaram na mesma faculdade, não tiraram a mesma especialidade.) (Por exemplo, já não há ortopedistas que nos conheçam os ossos um a um: agora há o especialista do joelho e, dentro dessa especialidade, o especialistíssimo do menisco. Assim como já não há neurologistas que nos conheçam o sistema nervoso dos pés para a cabeça: há o especialista da tontura e do desmaio, há o especialista do tique nervoso na pálpebra esquerda. E só esse nos pode valer.) De tão agarrada ao computador que fui encontrar a dita senhora, quase posso jurar que a vi, enquanto murmurava "hum-hum", a consultar o Google. Podia bem ter ficado em casa (ela também), que teria sido mais em conta e não teria perdido duas horas e meia da minha preciosa vida. 
Até ao diagnóstico, e enquanto não, anda uma família inteira com o credo nas mãos e o coração na boca, porque uns senhores resolveram brincar aos médicos (ou aos comerciantes, decidam-se) sem nos terem perguntado se também queríamos participar no recreio, com um intuito qualquer, que deve passar por encher os cofres do hospital que, por sua vez, lhes paga um ordenado de miséria. 
O que é que está mal nesta história? 
Tudo. (Designadamente a minha cabeça.)

6 comentários:

  1. Linda,

    ... " porque uns senhores resolveram brincar aos médicos (ou aos comerciantes, decidam-se) sem nos terem perguntado se também queríamos participar no recreio "...

    Ehehehhh ... subscrevo !
    É assim mesmo .

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    1. É que, entretanto, entretêm-se a dar palpites sobre a saúde de alguém que nos é precioso.

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  2. Anónimo28/5/17

    Compreendo o que queres dizer e provavelmente o que sentes. Tenho uma triste cena semelhante com a minha médica de família. Já desisti de lá ir por causa dela, sim isso mesmo.
    Prefiro pagar um pouco mais e beneficiar de um serviço diferenciado. Existe, bons e maus profissionais em todo o lado, em todas as áreas, contudo, acho que entendo o que referes.
    Eu prefiro que me mandem fazem exames sempre que surgem dúvidas, até para ficar descansada, o problema é que hoje em dia há sempre dúvidas.
    A minha (de minha tem pouco) médica de família é mesmo esse tipo de profissional. Afinal nunca sabe de nada, encaminha para os colegas, os colegas encaminham para outro especialista, entretanto ficas preocupada, gastas dinheiro, tempo, gasolina, etc. ENFIM!

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    1. É que é uma agonia. Uma pessoa põe todas as esperanças e confiança nas mãos de um mago que, simplesmente, se declara incapaz de fazer um diagnóstico. Às vezes apetecia-me ser de Chelas e atirar-lhes a porcaria do monitor janela fora. Com essas não brincam eles.

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  3. Bom, já passei por situações semelhantes, embora de pouca gravidade, e acabei por desistir. Desde dizerem que a minha dificuldade em digerir leite era mania minha, até culparem problemas digestivos nos "nervos" - têm costas muito largas, os benditos nervos, já à minha mãe foi recomendada uma visita ao psiquiatra, quando o que tinha era uma hérnia no hiato e um refluxo tão valente que lhe tinha ulcerado o esófago.
    É um calvário. O que posso recomendar é não desistir, e encontrar um bom médico de especialidade medicina interna. Estes são os "detectives" da medicina, vocacionados para diagnóstico e têm obrigação de ter conhecimento multidisciplinar. Boa sorte!

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    1. Também já ouvi falar de nervos, sim senhores. Quando não lhes ocorre mais nada, chamam pela psique.
      Obrigada, Izzie. Não vou desistir, não. Trata-se de uma filha, e é uma situação que pode fazê-la incorrer em algum risco, se não for diagnosticada e tratada.

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