Quase me sinto na obrigação de ensinar ao público em geral a receita das migas alentejanas, tanta é a profusão de receitas alteradas e, por isso, adulteradas, que por aí proliferam na netinha. Começa por que toda a gente chama à boa da miga, açorda. Não. Repitam comigo: não. Açorda é uma sopa muito líquida, com água, água, água, á-g-u-a, ÁGUA! e muitos coentros, onde flutua um ovo escalfado. Leva pão, daí a confusão (?). À minha frente, se faz favor, nunca mais chamem açorda às migas. Senão eu corto os pulsos. E não são os meus, muáháhá.
(imagem furtada, naturalmente)
As migas gatas são as migas de nada, são as que não são de bacalhau, nem de espargos, nem de tomate. São de coentros, se quiserem. Se não quiserem, são na mesma.
Fazem-se com pão alentejano do dia anterior. Não se fazem com pão saloio, nem com pão rústico, nem com carcaças, nem com nada dessas porras que se vendem nas Padarias Portuguesas do meu horror. Pão alentejano. Pão velho.
Rasga-se o pão em bocados pequenos e põe-se no tacho com água a cobrir o pão, só ensopado (não precisa de ficar a boiar), com azeite, três ou quatro dentes de alho esmagados (para o sumo se deslargar para o pão), sal e um molho de coentros. Vai ao lume para obrigar os ingredientes a darem sabor ao pão, mexe-se enquanto se cozinha e mais nada. Antes de servir, tiram-se os alhos, a ver se não sai a fava do bolo rei a ninguém. Hah, que linda comparação revivalista a minha.
É só isto. Se quiserem fazer migas de bacalhau, guardem a água que cozeu o bacalhau para ensopar o pão das migas. É nojenta, mas é assim que se faz, e eu não tenho culpa disso.
* Receita ensinada por uma alentejana verdadeira, com as costelas todas do Alentejo, a melhor de todas as cozinheiras que passou pela minha vida e que, com grande desgosto meu, já não está cá para eu lhe poder beijar aquelas mãos abençoadas de fada.
[Não ponho imagem das migas, porque as da net são péssimas e eu hoje não fiz migas. Quando fizer, amostro.]
Na Aldeia da Serra, perto de Redondo, as migas gatas fazem-se sem bacalhau nem ovo, apenas pão, água. sal, alhos e poejos. E são bem boas!... Obrigada pela partilha
ResponderEliminarRedondo não está longe da terra da minha mãe, cuja irmã me ensinou a fazer migas gatas :)
Eliminar(Ervedal)
Com poejos, nem me fale nisso... :)
Cá estou eu outra vez.
ResponderEliminarEu adoro açorda de coent... errr ...migas gatas, mas sempre que as fazia, achava que ficavam deslavadas, sem aquele saborzinho característico de que eu gosto tanto quando as comia feitas por outro(a)s. Tinha a ideia de que era por juntar água simples (nas de bacalhau, por exemplo, junta-se a água de cozer o dito).
Então, um dia, tive uma cá uma ideia: fervi a água com um punhado de coentros, retirei os coentros e fiz o resto pelo processo normalíssimo (juntando na mesma os coentros durante o processo de confecção.)
Com a água assim perfumada não tem nada a ver com as migas tradicionais. Recebi elogios de todos os comensais.
Experimenta e, se gostares, como eu sou uma moça generosa, deixo-te fazer uma Dica com este truque.
Tem graça. As migas feitas por uma das minhas tias também sempre tiveram esse perfume de que falas, e que faltava nas minhas, por mais coentros e alho que lhes pusesse... então é isso!
EliminarObrigada!
Olha, mas é que faço mesmo. Vá, eu também sou justa, e dou-te os créditos :)
Ah, não faças isso, por favor. Sou uma rapariga muito discreta. :)
EliminarDizes simplesmente "Ouvi dizer que...." e chega bem, está óptimo.
Não sei como é que o teu blogue me passou despercebido tanto tempo, pá!
E tem algum mal, assumir que a ideia não é minha? :)
EliminarPior seria ao contrário!
Olha, nem eu :)
Estou a brincar. Passei muito tempo sem ir a outros blogs comentar, ninguém me conhecia...
A foto que mostra não tem nada a ver com açorda,trata-se uma sopa de pão,a acirda não é mais que a sua receita de migas que no final leva 1 ou 2 ovos crus a envolver
ResponderEliminarHum?
EliminarPara si. Para mim, e tooooooda a região do Alto Alentejo, concelho de Avis, é assim como está explicado no post.
A foto mostra uma verdadeira açorda Alentejana. É uma daquelas coisas simples que só o Alentejano sabe fazer. A textura, o paladar, a miga de pão, o piso, até a fervura da água. Com ou sem bacalhau, com ovo batido ou escalfado, (na foto parece cozido). É um prato histórico da cozinha tradicional Alentejana. Segundo alguns investigadores de gastronomia (Virgilio Nogueira Gomes e outros) a sua origem é Árabe que a denominavam Tarida ou Ath thurdâ que quer dizer pão migado, ao qual se junta alho, coentros e água quente. Há muitas outras açordas e sopas de pão. Mas esta é a nossa, a que concorreu às sete maravilhas. Bem hajam as açordas.
ResponderEliminarObrigada, Joaquim Russo. Finalmente, alguém a saber do que se trata, quando falo em açorda. (Por acaso, acho que o ovo da foto foi escalfado, mas deve ter estado um pouco mais de tempo na água a ferver, daí que cozeu a gema.) Ainda esta semana comi uma açorda feita pela minha irmã, que estava uma maravilha, pois também tem, assim como eu, metade das costelas do Alentejo. Bem hajam, mesmo.
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