04/02/2014

Eu tenho um guarda-chuva

que é velho, está feio, que foi oferta de uma revista (talvez a defunta Marie Claire, tão antigo que ele é), o cabo já não estica, o que o faz parecer um cogumelo e, a mim, quando o carrego, a tonta do bairro, mas que me é tão fiel em todas as ocasiões que eu até já estou desconfiada que ele me anda a pôr os cornos. Entretanto, já comprei vários guarda-chuvas, tenho a mais bela colecção deles, desde um da Zara com padrão leopardona vermelho e preto a outro da Zara com padrão zebrona e cabo de atachas, até um outro cinzento de bolinhas rosa-cerise e folhinho na ponta que fui desencarnar na Blanco. Fora mais dois de bolinhas, também da Blanco, irmãos gémeos com cores diferentes, frutos e produtos de um dia de hesitações, daqueles em que estamos numa encruzilhada e a vida se apresenta em forma de Y e nós no pauzinho do Y. E não sei se já algum dia disse aqui, mas não me podem dar a hipótese A e a hipótese B, que me baralham o neurónio, o que me faz optar sempre pelas duas, A e B, em casa decido se gosto mais da A ou da B, porque na loja não sou capaz. Acontece que, às vezes, nem em casa, e então uso A nos dias sim e B nos dias não, ou ao contrário, ou só como calha, tanto faz. Então, há bocado, tive que sair à rua e tinha o carro a cinco metros da porta de casa, abri o guarda-chuva bonito das bolinhas rosa-cerise que, com a ventania e a água, se dobrou para trás e entortou logo uma vareta, eu cá fiquei com o cabelo a parecer uma selvagem, quase me senti a protagonista da novela Amazónia, não fora o facto de não haver lá cenas de chuva, acho eu, que não me lembro nem me posso lembrar porque nunca vi a novela, ah, e também sou mais velha do que a protagonista e não tenho os olhos tortos. Está bem, mas senti-me. Depois tive que sair do carro por breves momentos, voltei a abrir o guarda-chuva bonito, já depois de lhe ter endireitado a vareta, e ele voltou a virar-se e o meu cabelo a molhar-se mais à la Amazónia. Eu, como não consigo ser muito bem educada, dizia "Cabrão, cabrão", agora já não me lembro é se era para o guarda-chuva, para o tempo ou para o santo que comanda o tempo. Um dos três enfiou a carapuça, porque o guarda-chuva das bolinhas entortou-se de vez e para sempre, acho que todas as varetas se dobraram em sinal de "adeus, ó histérica", mas eu nem tive tempo de me revoltar mais, atirei-o para dentro do carro, tirei de lá o velho e feio que parece um cogumelo, abri-o e ele, resplandecente, indiferente ao vento, não se virou vez nenhuma, aguentou-se como dizia o outro doido, como uma barra de ferro. Minha Preta, grande sábia, é que disse e bem: "Você judia desse aí, mas na hora do aperto, quando você realmente precisa, qual é que 'tá pra lhe acudir? É o bonito de bolinha ou é o feio e velho?".  

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