18/02/2014

E porque a lei da compensação existe mesmo

e eu nunca posso estar plenamente felizinha, eis que me sai à sorte uma máquina de roupa escura com um guardanapo de papel lá dentro. Alguém que não eu assoou-se e meteu o lencinho num bolso de calças que foram... para lavar. O sucesso da coisa é ao nível de o guardanapo se desfazer e colar milhões de bocados de papel em toda a roupa que é lavada com a bela peça. Culpados à parte - que isso é fácil, basta verificar qual a peça que tem mais papa de papel e de quem é -, tudo isto me fez lembrar um episódio que vivi há muitos anos (posso mesmo afirmar décadas), que esta coisa de já não ir para nova faz com que a memória seja cada vez mais remota e faça analogias e flashbacks com uma frequência que é quase uma constância: estava eu em férias de Verão - que são duas realidades que, não tarda nada, passo a desconhecer, tanto porque não acontecem na minha vida como porque me esqueço dos dois conceitos - e resolvi lavar roupa na máquina, uma vez que sou e sempre fui uma pessoa muito asseada. É importante referir que gozava férias num apartamento que ficava num segundo andar sem elevador e que a máquina estava colocada numa arrecadação ao nível do terceiro andar, que teria, na melhor das hipóteses, um metro quadrado. Isso mesmo, um por um. Cabia lá a máquina e mais nada, a menos que se aproveitasse o espaço vertical e se pusessem umas prateleiras para guardar as molas. Ou o tabaco, o que é que isso interessa? O espaço era tão exíguo que a porta da arrecadação abria para fora, o que acabou por ser a minha salvação, já vamos ver porquê. Eu sou uma sobrevivente, no fundo. Isto porque as pessoas que procederam à instalação do bicho, que seriam dois pedregulhos com olhos, colocaram a máquina, ligaram-na à corrente, mas não a destravaram nem tiraram lá de dentro o manual de instruções. E eu estreei a máquina, sem saber de nada disto. Ponho aquela coisa a trabalhar e vou, acho eu, arrochar uma sesta para o appartement, toute reposée. E, de repente, a máquina tripou dos cornos, no andar de cima. Travada, mal começou a centrifugação, parecia uma locomotiva aos saltos. É que isto é literal: as máquinas andam para a frente quando centrifugam travadas. Eu saio a correr escadas acima, com o coração a disparar para a boca e foi o momento em que eu soube o que é que uma pessoa pensa nos segundos anteriores à morte: "Olha, vou morrer". E também: "Que pena, tão nova". E ainda: "Ainda tinha umas merdas para fazer, mas paciência. Olha, merda!". Quando deitei mãos à porta da arrecadação, toda eu era adrenalina. Pensei, e muito bem, tão lúcida: "Ai que sorte esta porra abrir para cá, se abrisse para lá, a máquina encostava-se à porta e explodia sem que eu conseguisse abrir a porta!". Pânico diante da ideia da máquina explodir, abri a porta, stop na cabrona, tambor quieto, estalo de segurança e a boa surpresa de ter a roupa toda cheia de papelinho. Que se agarra de maneira tal que é preciso escovar muito bem, peça a peça, meia a meia, cueca a cueca. Eu cá adorei. Naquela altura e hoje.

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