21. No primeiro dia de gradual desconfinamento soltou-se-me ainda mais a língua. Ali no espaço de duas horas, arrumei três pessoas, que acredito ainda estarem a remoer raivas contra mim neste momento. Senhora Dona Madame pegou ao serviço e vinha descansada e fresca, com as nuancezinhas em dia, após quarenta e cinco dias de pausa laboral. Havia discutido as férias via telefone, "Eu só não vou trabalhar porque vocês [rolling eyes, minhas avós não sobreviveriam a isto] não querem", de modo que levou uma sabatina daquelas que eu, mole, em vinte e dois anos, lhe dei o quê? Vá, umas cinco, talvez a contar com esta. Retirei-lhe as férias de Junho (pelos Santos, não há pachorra) e deixei as de Agosto em suspenso (ou suspense, como diriam os estrangeiros). É quer, quer, não quer, conhece bem o caminho da porta. Pá, e não me forniquem com a merda dos direitos, que eu é que sei da minha barraca; Depois fui ao correio e predispus-me a enfrentar uma bicha de uma hora. Estava a mandar mensagens pelo meu telemóvel e tenho atrás uma tipa, não sei se a ler o que eu escrevia, se só a querer levar na corneta. Quando lhe disse: "Temos que manter a distância de segurança", não é que a flor amuou? Pôs-se a três metros, aleluia, croma; Ao cabo daquele tempo todo de espera, já sem posição para estar de pé e quando era eu a próxima a ser atendida, vem de lá uma asinha e coloca-se ao meu lado, "A senhora desculpe eu estar aqui, mas é que sou prioritária e vou entrar a seguir". Bom, o fdp do karma anda a tourear-me. "À minha frente, não entra de certeza. Não quero saber qual é a sua prioridade, mas, se insistir nesse argumento, chame a Polícia, que eu explico aos polícias por que é que não a deixo entrar. Prioritários somos todos, estamos todos em risco, portanto, por mim, pode ir para o fim da fila, ficar aqui à espera que alguém a deixe passar, ou ir sei lá para onde". E pronto, entrei a minha vez, e nenhum polícia veio atrás de mim;
22. A Natureza segue o seu incondicional curso, indiferente às transmutações provocadas e sofridas pelo Homem. Num dia faz calor de Verão, no dia seguinte uma ventania ciclónica. É para ver se percebemos que há elementos que não dominamos, por mais asneiras e remendos que façamos;
23. Não gosto deste novo léxico, e espero esquecê-lo e deixar de o usar o mais rapidamente possível: vírus, pandemia, cuidados intensivos, ventilador, máscara cirúrgica, viseira, luvas, contaminação, quarentena, confinamento, contingência, e isto só para começar. Que falta de assunto por que todos fomos contaminados;
24. Com algumas variações, os gatos não apreciam a companhia dos humanos 24/24. Na verdade, são eles os donos das casas, onde permitem que as suas pessoas também vivam. Nos primeiros dias de quarentena, a minha gata andava ansiosa, inquieta, incapaz de fazer aquelas sestas que são a nossa inveja. E, como qualquer gato, tem uma muito peculiar forma de impedir o trabalho a partir de casa. Quem tem gatos e usa computador sabe do que falo (às vezes até acho que não só o formato, mas também o estímulo que provoca nos gatos é responsável pela designação do rato, hardware);
25. Não sei se actualizarei mais esta coisa dos ensinamentos que o vírus me trouxe. Vinte e cinco está de bom tamanho. Faço algum sacrifício, no sentido em que tenho que retirar um bocado da minha vida, em vir aqui. O blog não me faz falta. A blogosfera também não, salvo uma mão mal cheia de blogs que ainda leio. E ela vai continuar, mesmo sem ele/ mim. Provavelmente, como o vírus.
Olá
ResponderEliminarOs meus gatos adoram companhia. E não me parece que sofram de insónias.
O mesmo não posso eu dizer...
Olá, Ana. A minha destravada já entrou no ritmo normal da casa, agora resta saber como é que vai reagir quando todos sairmos. Irá sofrer de solidão nos primeiros tempos, imagino...
EliminarPena, eu gosto de ler os teus desabafos, mas entendo, tb desisti fo meu.
ResponderEliminarEu ando há que tempos a desistir do meu. Entretanto fez sete anos e nem me lembrei :(
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