23/03/2018

os caminhos do afecto

Já era a ela que ia visitar, perdidas que ficaram na estrada todas as esperanças de um regresso. Tornou-se um facto consumado, o de me ter tornado irreconhecível, embora não me reconheça qualquer mudança. Pelo menos, nenhuma que me pudesse ter valido a indiferença e o distanciamento, vindos de quem tão próxima que mais não poderíamos ser. 
Mas votava-me ela também àquele desapego de que só um gato é capaz, e não foi uma nem duas vezes, devido a isso, que fiquei lá sem chão, no mármore de Estremoz bonito e frio que é aquele. Bem a chamei, muito a espiei, tantas vezes a agarrei e encostei a mim, com cuidado para não a apertar, evitando que me escapasse, procurando assim tê-la mais uns segundos, aproveitando a temperatura e a maciez, abusando-lhe da mansidão, até que se fartasse de mim outra vez. 
Tinha, assim, um motivo para continuar a ir, fazendo da estrada o caminho para o afago, o apego, o afecto. Foi isso que me fez entrar e ir directamente da porta à procura dela. Fui encontrá-la no cesto, adormecida, ausente, alheada. 
Antes que o chão me fugisse outra vez, recebi os braços que há muitos séculos me embalaram, beijos que acreditei que me foram dados a mim, e a voz sussurrada que tantos fados me cantou, "Querida, querida". 
À saída levava comigo uma alegria trespassada por só saber porquê, mas não por quê, ali voltarei sempre.