04/06/2016

O amor não tem olhos. Muito menos, nariz

Não sei se se lembram do homem que tem os pés podres. Eu cá lembro-me.
Hoje ia a chegar ao ginásio, e vinha ele e a esponja respectiva, de manitas dadas, passeio afora, a entrar lá no recinto, também eles. Cumprem o horário de Pilates, vão os dois, muito juntos, fazem a aula, saem juntos. Já tinha topado que se conhecem, porque os via trocar impressões, mas nunca os fiz casal. Aliás, nunca o fiz a pares com ninguém, por causa. Iam bonitos, tal como pombos, assim os pombos tivessem mãos para se darem. Ficaram à minha frente na fila para as senhas, e eu fiquei a observá-los, num enlevo de dar gosto ao dente, ou ao dedo, ou lá a que raio é que aquele clima entre eles dá gosto. 
Ele é um homenzinho atarracado, de corpo de linhas rectas — hélas, os homens também têm curvas. Mas aquele é um tronco —, cabelo negro, sobrancelhas fartas, cabeçorra pentagonal, braços curtos, expressão carrancuda.
E aquele cheiro dos pés.
É claro que o pivete melhorou desde que André Pilateiro correu com ele da classe, cheio de classe, aquando da segunda vez que lhe tomou de assalto a aula, ele, e seu cheiro nauseabundo. Talvez a partir daí tenha passado a lavar os pés. 
Há muito pouco naquele homem que possa ser atractivo para uma mulher. Ainda por cima, a cheirar dos pés daquela maneira.
Ela é uma mulher muito bonita, de cabelos compridos e lisos, e feições que se bastam, sem necessidade de correcções maquilhágicas nem maquiavélicas, sorriso fácil, inata simpatia.
Separaram-se as mãos quando foram para os respectivos balneários, e reencontraram-se quando saíram, equipados. Enlaçaram-se as cinturas e beijaram-se na boca. 
(Foi horrível.)
Como é evidente, segundo a lei das probabilidades, e do Murphy, e da bitch Karmen, naquele momento da aposição dos colchões no chão, eu tinha que ficar ao lado do homem. E só fiz uma aula menos tortuosa porque já tenho um bom treino, se não muscular nem pilato-respiratório, pelo menos ao nível da apneia. Podia bem bater um record qualquer de maior tempo sem respirar, tornar-me a nova Houdini cá do canto, ou abraçar a carreira de pescadora de pérolas. 
Depois, fui tomar uma bica. E avistei-o, lá fora, à espera dela, o banho por tomar e a mesmíssima roupa que levava vestida antes da aula. Ela saiu passados minutos, vinda do balneário, fresca de sabonete e roupa lavada, e foi ao encontro dele, as mãos a procurarem-se de novo, as bocas tal como as mãos.
Não consigo pôr a funcionar a minha visão poética das coisas da vida: chamar a Blue e pô-la a escrever esta mesma história com pinceladas de romance. 
(Horrível, o amor, quando quer.)

4 comentários:

  1. Tens de te conformar, sob pena de entrares em sofrimento...desnecessário!

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  2. Linda,dá um "toque " à faneca do queijo da serra.
    Fala com ela e conta-lhe ( diz -lhe que deve ter origem nos ténis ou meias ).
    Ela ainda te vai agradecer.
    Raios partam o camembert .

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    1. Coitada, deve passar horas a fio a lavar meias. Eu é que não queria estar na pele dela. Menos ainda na dele. Livra!

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