30/06/2016

Intervalos

Cheguei a um limite, e sinto-o claramente. Passei grande parte da manhã a assistir a uma espécie de coaching, "filosofia" na qual não acredito. Falam-me de empenho, vontade, acreditar, vencer, usam uma infeliz metáfora que diz "Picas a pedra enquanto acreditas que de lá vais extrair ouro. No momento em que deixas de acreditar, deixas de picar a pedra e nunca encontrarás o ouro". Logo a mim, que me distraio e divago e o meu pensamento toma outros rumos com uma facilidade  — literalmente — estonteante. A ideia de ouro debaixo de pedras só pode ter saído da cabeça de alguém que nunca parou para pensar no que diz. Diamantes, sim; já ouro...
Saio da sala, chego à janela imensa, preciso de respirar e tomar uma decisão definitiva. Estou a dizer adeus, e esse processo leva muito tempo e dá muito trabalho, em se tratando de mim. No parapeito, vejo o corpo de um passarinho que caiu do ninho e ali ficou, ainda sem penas, já seco de tantos dias de morte. Vida breve, intervalo eterno. Lembro-me de quantas crianças, nos últimos meses, foram vítimas das suas próprias mães e a mistura de assuntos feita pelas minhas associações de ideias consegue provocar-me espanto. 
Faço meia volta sobre mim mesma e vejo uma mãe, muito jovem, trazendo o seu filhinho pelas duas mãos, ensaiando, a quatro pés, os primeiros passos dele. Vejo-me, por quatro vezes, a fazê-lo também, e mato um pouco a saudade que me mata. Digo-lhe: "Que lindo e que precoce, vai andar aos dez meses", e ela confirma, surpreendida, que ele tem, efectivamente, dez meses. Gabo-lhe os quatro dentinhos e a cor dos olhos, quase verdes. A criança vibra de alegria, agita os bracinhos cor-de-rosa, faz tenção de vir para o meu colo. Retraio a vontade, não me parece justo interromper a felicidade daqueles dois. 
A vida continua, sem intervalos.

4 comentários:

  1. Tu estás a precisar é de netos, está visto.

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    1. Certamente. E não é nada para que possa ser eu a fazer.

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  2. Tenho saudades dos dias duros que foram o primeiro ano de macaquito, apesar de tudo, um bebé adorável. Logo que me lembro o fado que foi a irmã vai-se a saudade, com ela perdi a vontade de tudo, apesar da minha paixão por crianças e famílias grandes. O engraçado é que ontem, confrontada com a possibilidade de laqueação de trompas, acho que gritei um sonoro "Não, isso não!".
    Com quatro crias terás, não tarda, uma casa cheia de braços pequeninos para se enrolarem ao teu pescoço.

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    1. A minha segunda foi a que deu mais trabalho, Be. Gritou por motivo nenhum até aos 5 meses, dia e noite. Começou a andar aos 9 meses e não parava (de cair, sobretudo). Mas aos 2 anos dela ofereci-lhe outra irmã. Se enlouqueci? Claro, está à vista. Mas repetia tudo. Não sou nada corajosa, mas fiz um investimento a longo prazo: eu enchi a casa, agora encham-ma outra vez :)

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