07/04/2013

Eu tenho problemas com médicos # 1

As minhas idas ao médico são e sempre foram um grande problema. Para eles. Penso que passei, como toda a gente, pelo terror da bata branca, embora acredite que tenham sido pessoas como eu que fizeram com que algumas especialidades tenham desistido do uso da bata e tenham deixado esse quase exclusivo para os senhores da PC Clinic (aqueles dos computadores), que me faz passar a metros de distância ainda hoje, só de visionar os rapazes atrás do balcão com aquelas batinhas brancas e ar de quem me vai analisar contra a minha vontade (brutos!).



O pediatra teve mesmo que me expulsar do consultório, ao cabo de umas quantas cenas que lhe punham a clientela da sala de espera toda aos gritos, solidários com a chinfrineira que eu fazia no gabinete do consultório. Acredito piamente que fui responsável pela debandada de alguns fregueses, subitamente incrédulos na certeza das capacidades profissionais do senhor, talvez pré-traumatizados (noção antagónica à do stress pós-traumático, que acabei de inventar. Mas vou registar a patente, com muitos R, nem pensem em roubar à parva) pela imagem mental do inferno que eu conseguia transmitir lá de dentro. Naquele tempo, era o pediatra que nos aplicava as vacinas. Eu disse bem, aplicava. Golpes de rins, golpes de karaté, golpes baixos, enfim, golpes. As vacinas eram feitas em laboratório, mas para cavalos, e depois aplicadas em crianças inocentes como eu. Ficávamos doentíssimos depois daquilo, já para não falar das dores escruciantes que nos proporcionava a imunização. Não conheço ninguém da minha idade que não preferisse ter um bom tétano a ser vacinado contra ele. E lembro-me claramente de mim mesma a fazer uma placagem à marquesa do médico, a trepar por ela, não numa de menina obediente "toma lá o meu cuzinho", mas numa de cabra endoidecida, para me escapar à figura tétrica do senhor. E de a marquesa ter aquele papel que escorregava na justa medida em que eu me agarrava a ele, de o puxar e ele soltar-se, de o atirar para o chão, de fazer uma descolagem do solo, ao saltar para cima da marquesa e, em desespero, ainda conseguir um último voo ascendente para o topo do armário de metal que estava mesmo ao lado da marquesa, a berrar cada vez mais alto. A minha mãe a morrer de vergonha, "Desce daí, Linda Porca!" e eu ai não, só se me prometerem... pois, uma vez barricada, num plano superior, que me dava uma ilusão, lá está, de superioridade, vai de fazer as minhas exigências. Primeira, entre gritos, "Só se não me vacinarem!", a falar para aquela plateia de duas pessoas (três, normalmente nesta altura já o gabinete tinha recebido reforços e a enfermeira já se tinha juntado à pequena multidão que me queria sacrificar). Nada feito. Inamovíveis. E eu a saber que não podia passar ali o dia todo. Os bebés da sala de espera, logo ali ao lado, em prantos de fazer chorar as pedrinhas da calçada. Começava então a ceder nas minhas exigências: "Só se não doer!". E caía sempre na promessa nunca cumprida do povo, lá em baixo, que me fazia descer em segurança e se conluiava para me tomar o nalguedo de assalto com um canhão carregado não sei com que merda de munição, que nunca deve ter ficado bem injectada ou era mesmo para burros, porque eu tive todas as doenças infantis que se possa imaginar. Todas. 


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