12/12/2023

red velvet

A doença envelheceu-te muito, diz-me ele à mesa, onde fica a maior parte do tempo calado, apenas atento. Está ao meu lado esquerdo, quero ver-lhe os olhos — os mais lindos que já vi, para além dos outros três pares — para perscrutar-lhes a emoção de, pela primeira vez desde que nos conhecemos, ele dentro da minha barriga, comentar qualquer coisa de negativo em mim. Por breves momentos, pensei “Não cortes o cordão que, na verdade, é uma corrente de ferro sem aros abertos, não existe ferramenta para tal”. Nesta pausa, ele retomou sem precisar de novo fôlego, e então compreendi que não era uma crítica, tão pouco um dito momentâneo para me magoar ou provocar — que jamais esperaria vindo dele —, e sim só uma constatação de facto: a doença envelheceu-me, cansou-me, desalegrou-me, levou-me aos píncaros da tristeza. E fisicamente, achas que também? Ele em consciência, breves segundos de impasse e, sem olhar para mim, caso contrário talvez me dissesse a verdade que custa a todas, “Não”. Não. Não me mentiu, simplesmente desarredou subtilezas femininas desimportantes. 

Fiz anos há umas quantas semanas e queria soprar as velas num bolo red velvet. Porém, em casa mais ninguém concordou, a não ser ele. Bolo delicioso, cor de sangue, sangue do meu sangue foi comprar os ingredientes, meteu-se umas horas na cozinha com aquele par de mãos que são as mais bonitas que eu já vi — para além dos outros três pares — e, no final, apresentou-me o bolo do meu capricho — ou do meu sonho guloso —, onde espetei as velas e cantámos todos a um ritmo alucinante, impróprio para aniversários. Houve abraços e desejos de muita saúde e houve também a prova de que nada me envelhece. Nem quando eu já for velhinha — se lá chegar —, enrugada e encolhida, haverá sempre aquele olhar que, com a desculpa de que me vê todos os dias, não me verá envelhecer.