Vi-a a caminhar à minha frente, ladeira abaixo em direcção à escola, de onde está oficialmente reformada, mas não emocionalmente desvinculada. É Dia Mundial da Criança e lá vai ela, certamente distribuir beijos, abraços e berros, os olhinhos muito pequenos e verdes, sempre em linha com o sorriso constante. Um dia disse-lhe que ouvia os berros dela de casa, a cinquenta metros da escola. Deu uma gargalhada, acompanhada de um soluço, como sempre faz, e gaguejou que já lhe tinham dito isso. Com a bata-bibe vestida, sempre rodeada de crianças, era ter outro porte e lembraria a Senhora da Conceição. Mas, sem romantismos nem lirismos, veio ao mundo pequenina e rechonchuda, quase quadrada, quase redonda, com um infinito e aposto que confortável colo. “Põe o chapéu, olha o sol!”, “Não ponhas os pés na poça que te constipas!”, “Ó Pedro, não voltas a bater no Miguel!”, voz de longo alcance, a tomar conta, a conhecer todos pelo nome, adorada por todos.
Agora aí vai ela, fatinho de calça e casaco preto “estilo Chanel”, com um debrum branco, a calça atrevidamente curta, a mostrar o tornozelo, sandálias rasas de inspiração inglesa, “Tem piada, esta mulher, destituída de um corpo bem feito — anos e anos de trabalho físico e má alimentação —, tem uma certa pinta a vestir-se. Não cai no ridículo da legging com a blusa leopardo”. Nunca a vi com outra idade, já a conheço há quase trinta anos e não lhe perscruto alteração alguma, e entretanto passou a bisavó. Quando me encontra, pergunta-me sempre pelos meus meninos, sabe-lhes os nomes e as gracinhas desde o jardim de infância.
Deixo-me então ficar parada para que ela avance e se distancie o suficiente para que não nos encontremos à porta da escola. Seria demasiado doloroso para mim explicar a razão do meu cabelo curto e estragar aquele sol que raiava na ladeira quando visse os olhos pequeninos e verdes dela a perderem a luz e a encherem-se de água.